Migalhas de Peso

Vingadores e humanistas

Um importante órgão de imprensa divulgou um artigo de Anthony Daniels, médico penitenciário, psiquiatra e escritor inglês, pedindo ao Supremo Tribunal Federal que entregue Cesare Battisti à Itália, onde cumpriria pena até morrer. Difícil entender porque um cidadão inglês sairia dos seus cuidados para tratar de tema que lhe é tão distante.

7/6/2011

Vingadores e humanistas

Luís Roberto Barroso*

Um importante órgão de imprensa divulgou um artigo de Anthony Daniels, médico penitenciário, psiquiatra e escritor inglês, pedindo ao Supremo Tribunal Federal que entregue Cesare Battisti à Itália, onde cumpriria pena até morrer. Difícil entender porque um cidadão inglês sairia dos seus cuidados para tratar de tema que lhe é tão distante. Ou talvez não seja tão difícil assim. O artigo é uma peça publicitária e ideológica, inspirada por um anticomunismo de cinquenta anos atrás, que ainda elege Che Guevara como alvo! O pior, no entanto, é que o texto é mal-informado e mal-intencionado. Além de repetir, de maneira imprecisa, as acusações conhecidas, Daniels afirma que Cesare Battisti é terrorista e psicopata.

Cesare Battisti jamais foi acusado ou condenado por terrorismo. O uso da palavra maldita faz parte da campanha persecutória tardia e injusta que lhe move o Governo da República Italiana, liderado por Sylvio Berlusconi. Em seguida, Daniels, que jamais viu ou falou com Cesare Battisti, afirma que ele é um psicopata. De onde tirou ele essa constatação? Segundo afirma, ao ler um livro de Cesare descobriu nele um "talento literário inesperado". Porém, um dos personagens da trama de ficção participava de crime contra um agente penitenciário. Para Daniels, a falta de remorso do personagem do livro revela a psicopatia do autor! É tão absurdo que só se pode pensar em erro de tradução. Por essa lógica, Daniels deve considerar Agatha Christie uma serial killer, Arthur Miller um pervertido sexual e Vladimir Nabokov um pedófilo.

Continuo intrigado, tentando entender por qual razão este homem saiu das sombras para postular, desinformadamente, trinta anos depois, a condenação de uma pessoa pacata, que nunca mais se envolveu em qualquer tipo de episódio reprovável. De todo modo, se alguém tiver interesse em saber o que um intelectual conhecedor da Itália tem a dizer, sugiro a equilibrada entrevista de Toni Negri, o respeitado Professor de Filosofia da Universidade de Pádua (clique aqui). Nesse momento triste da história, em que países como a Itália deixam os refugiados dos conflitos no mundo árabe morrerem afogados em seu litoral, é bom saber que existem humanistas no Velho Continente.

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*Professor titular de Direito Constitucional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Professor visitante da Universidade de Brasília – UnB, da Universidade de Wroclaw, Polônia e da Universidade de Poitiers, França. Doutor e Livre-docente pela UERJ e mestre em Direito pela Yale Law School. Sócio do escritório Luís Roberto Barroso & Associados.

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