Uma reflexão sobre a saúde suplementar no Brasil, no Dia Mundial de Combate ao Câncer
Rafael Robba*
No Brasil, o INCA - Instituto Nacional do Câncer divulga que, somente em 2010, estima-se o diagnóstico de 489.270 novos casos da doença.
Trazendo a discussão para o âmbito nacional, o quadro descrito se torna mais assustador ao consideramos a precariedade da saúde pública do nosso país e a falta de política social capaz de atender, em curto prazo, à demanda por tratamentos de alta complexidade, como o do câncer, que certamente serão necessários para reduzir a letalidade destes fatos.
O resultado é a seguinte afirmativa: a péssima qualidade da saúde pública transformou o mercado de planos e seguros-saúde em um dos mais lucrativos.
Assim, o que nos resta é refletir se existe no Brasil uma política eficiente para garantir, ao menos, que o consumidor de plano ou seguro-saúde tenha acesso ao tratamento oncológico adequado, por meio de técnicas avançadas capazes de combater o câncer.
A atividade de planos e seguros privados de assistência à saúde foi regulamentada pela lei 9.656/98 (clique aqui) que, por sua vez, reservou a fiscalização e a regulamentação do setor à ANS, criada em 2000.
Certamente, a lei sobre os planos de saúde pacificou alguns pontos conflituosos, ao estabelecer a lista de doenças da OMS como referência para cobertura de procedimentos ao: reservar para o Estado a regulamentação e fiscalização do setor; criar o plano-referência com coberturas mínimas, dentre elas a realização de quimioterapia e a radioterapia e, principalmente, proibir a limitação de diárias de internação em leitos comuns ou de UTI.
Porém, a criação da lei 9.656/98 não foi nenhuma inovação do Congresso Nacional, pois em grande parte apoiou-se na vasta jurisprudência já firmada pelo Poder Judiciário, que impedia os abusos praticados pelos planos e seguros-saúde, tendo como base o CDC.
O CDC (clique aqui), cuja criação completa 20 anos em 2010, é instrumento de suma importância para equilibrar as relações de consumo, representando grande progresso para a defesa dos usuários de planos de saúde.
Deplorável, no entanto, é a atuação da ANS em seus dez anos de existência. A agência pouco se preocupou com a defesa do consumidor. Ao contrário, grande parte de sua atuação privilegiou as empresas de plano de saúde, com a expedição de diversas resoluções normativas limitando o que a lei não havia limitado; permitindo reajustes abusivos, muito além da inflação do país e também, deixando de contemplar no rol de procedimentos obrigatórios diversos tratamentos essenciais ao combate do câncer, tais como o exame PET-CT, a Radioterapia IMRT, os quimioterápicos de uso oral, os hormonioterápicos, dentre outros.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar demonstrou não ser competente para proteger o consumidor, tampouco capaz de traçar política eficiente que combata as reiteradas práticas abusivas cometidas pelas empresas de planos e seguros-saúde, que a cada ano batem recordes de faturamento.
O que intriga é que a ANS, por ser agência reguladora, não possui representatividade, já que seus membros não foram eleitos pelo povo. Mas, sem qualquer oposição, edita Resoluções Normativas que limitam dispositivos de lei Federal, esta sim criada pelo Congresso Nacional composto por representantes do povo.
Diante de tantas omissões e irregularidades praticadas pela agência reguladora, o Poder Judiciário cada vez mais acionado para resolver antigas questões vem se posicionando a favor do consumidor. Exemplo disso são as frequentes decisões obrigando as empresas de planos e seguros-saúde a fornecerem cobertura dos tratamentos essenciais como quimioterápicos de uso oral, radioterapia IMRT, entre outros, assunto que a ANS poderia ter regulado muito antes.
O Poder Judiciário, para suprir uma deficiência da administração pública, vem criando políticas de acesso dos usuários de planos de saúde às técnicas avançadas de combate ao câncer, por meio de decisões judiciais favoráveis aos consumidores.
Portanto, até que a agência reguladora exerça sua real função, de fiscalizar e regular o setor da saúde suplementar, teremos o Poder Judiciário assumindo tal papel de forma atuante.
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*Advogado do escritório Vilhena Silva Sociedade de Advogados
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