Migalhas Quentes

Um fantasma imortal em Londres

Confira o comentário de Adauto Suannes

20/12/2004

 

Dois fantasmas

 

Confira abaixo comentário do ilustre migalheiro Desembargador aposentado Adauto Suannes sobre a peça Fantôme de l'Opéra, que acaba de ser filmada pelo carnavalesco Joel Schumaker.

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O Fantasma do Ópera

 

Qual o teatrólogo que não ficaria feliz se uma de suas peças ficasse em cartaz por mais de 18 meses? E com duas apresentações diárias, todos os dias da semana, inclusive às segundas-feiras? Certamente muitos, pois algumas peças não passam do primeiro mês de encenação. E se, em vez de meses, uma peça ficasse em cartaz mais de 18 anos? Felicidade suprema.

 

Infelizmente, Gaston Leroux não viveu o suficiente para desfrutar desse raro prazer. Quando, em 1910, ele resolveu escrever uma novela de terror, descrevendo os infortúnios de um homem que, beneficiado pela Natureza com talento, não o foi com a beleza física, ele não imaginava que o Fantôme de l'Opéra sobreviveria a tantas encenações. Já em 1925 os produtores de Hollywood descobriram que o fantasma que assustava os atores do famoso teatro francês poderia render um bom filme. Chamaram para o papel Lon Chaney Senior, que, dentre os sacrifícios que se impôs para ficar desfigurado, estava a colocação de chumaços de algodão na boca, para aumentar as bochechas, recurso que Marlon Brando viria a repetir décadas depois. O seu Erik é fiel ao livro, sem maiores preocupações do direitor com eventual causa de sua loucura.

 

Em 1943, foi a vez do festejado Claude Rains (que, ao contrário do que muitos pensam, não interpretou apenas o militar amigo de Humphrey Bogart em Casablanca) levar para as telas as vicissitudes do sofrido Erik. Aqui a história sofre uma guinada: na verdade, Erik, tendo tido uma de suas composições subtraída por um colega (algo não tão raro nesse meio), ao ir tomar safistações, é por ele agredido e, de quebra, sai com o rosto deformado por um líquido ácido que o desafeto lhe atirara.

 

Mais 20 anos e é a vez de Herbert Lom (que Peter Sellers viria a atormentar até a locura na séria da Pantera Cor-de-rosa) dar vida ao tal Phantom of the Opera. Em 1974 aparece uma adaptação da história de Leroux, transferindo-se o fantasma para um estúdio de Hollywood. Brian de Palma se dispõe a filmar a vida do desditdoso Erik, numa ópera-rock. Nova encenação, 10 anos depois, leva o fantasma para Praga, com Maximilian Schell vivendo o desditoso fantasma.

 

Foi, porém, em 1986 que se deu o boom. Andrew Lloyd Webber, que seria sagrado cavaleiro do Império em 1992, escreve uma inspirada partitura e, com o auxílio de técnicas modernas de encenação, produz o espetáculo que lota o Her Majesty's Theatre até hoje. Filas formam-se diante das casas de ingressos, tantos são os que querem ouvir a bela e modulada voz de John Owen-Jones, o fantasma do momento.

 

Em dezembro teremos dois fantasmas assustando os londrinos e os turistas que aqui vêm especialmente para conhecer as agruras do pobre Erik e de sua amada Christine. É que o carnavalesco Joel Schumaker acaba de filmar a velha história, cuja exibição se inicia nestas vésperas de Natal. Quem espera um Erik cheio de lantejoulas e paetês talvez se decepcione pela sobriedade que o diretor emprestou ao personagem, uma figura fáustica que poderia ser qualquer um de nós, vítimas de sentimentos tão humanos como a paixão e o ódio.

 

Quanto ao Brasil, digno de notar que desde os primórdios a ignorância de nossos tradutores deu ao título da obra uma deformação pior do que a do rosto do personagem. É que o fantasma se homizia no (teatro) Ópera. Nem Charoux nem os encenadores jamais tiveram a intenção de levar o fantasma para uma ópera qualquer. Ainda bem que o drama não se passa em Milão, pois os tradutores brasileiros talvez dessem ao filme um nome mais misterioso do que o filme: O Fantasma da Escada.

 

Uma silepse de gênero até que iria bem.

 

Que me diz o prof. José Maria da Costa?

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