Organização dos cartórios
STF declara inconstitucionalidade de lei paulista que trata da organização dos cartórios
Por maioria, o Plenário do STF declarou, ontem, 4/3, a inconstitucionalidade, ex tunc (desde a sua edição), por vício formal, da lei estadual nº 12.227/06 (clique aqui), do estado de São Paulo, que trata da organização básica das serventias notariais e de registro público.
A decisão foi tomada no julgamento da ADIn 3773, ajuizada pelo procurador-geral da República contra o governador e a Assembleia Legislativa paulista, e foi coerente com jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que os cartórios são serviços auxiliares do Poder Judiciário. Assim, sua organização é de competência privativa deste Poder. Por conseguinte, também a iniciativa de lei que trate do assunto é de sua exclusiva competência – no caso, do TJ/SP, e não do governador, como ocorreu em relação à lei.
Ao decidir a questão, os ministros sugeriram ao procurador-geral da República que ajuíze uma nova ADIn, esta impugnando o artigo 24, parágrafo 2º, inciso VI, que estabelece como da competência privativa do governador paulista a criação, alteração e supressão de cartórios e serviços registrais no estado. Esse artigo, não atacado na ADIn, é considerado "flagrantemente inconstitucional" pelos ministros do STF.
Sustentação oral
Incluída no processo como amicus curiae (entidade que tem interesse no julgamento da matéria), a ATC do estado de São Paulo manifestou-se pela procedência da ADIn.
A entidade argumentou que a lei 12.227 "foi feita sob encomenda" da parte da classe notarial que não consegue ser aprovada em concursos públicos e quer fugir do controle da Corregedoria de Justiça do estado e do CNJ. Segundo ela, o Tribunal de Justiça exige provas de títulos para renovação das delegações aos titulares dos cartórios, o que os impede de serem aprovados.
Segundo a ATC, a lei contém absurdos como o de conferir aos atuais titulares de cartórios um ponto a cada cinco anos na contagem de pontos para a prova de títulos, ao passo que aos portadores de mestrado e doutorado é atribuído apenas 0,4 ponto. Por motivos como este, segundo a entidade, a eficácia da lei foi suspensa, ex nunc (a partir da decisão), em liminar do TJ/SP de 4 de maio de 2006.
O defensor da ATC lembrou, a propósito, que, no ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vetou uma lei semelhante aprovada pelo Congresso Nacional, e esse veto não foi derrubado. Lembrou também que, implicitamente, a EC nº 45 (clique aqui) ratificou entendimento sobre o assunto formado pelo STF, entre outros, nas ADIns 2415 (clique aqui), 865 (clique aqui) e 1935 (clique aqui), ao atribuir ao CNJ o poder de fiscalizar e decretar a perda de delegação de cartório.
Por seu turno, a Anoreg apoiou-se no artigo 24 da Constituição estadual para sustentar a constitucionalidade da lei. "Como arguir a inconstitucionalidade da lei sem arguir a inconstitucionalidade do seu fundamento, o artigo 24?", questionou. Ela sustentou que o serviço notarial é de caráter privado, tanto que não é isento do ISS. Portanto, o governador do estado seria competente para tratar da organização do setor.
Debates
Duas preliminares, levantadas pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - Anoreg, que figurou no processo como amicus curiae, foram rejeitadas, mas tomaram boa parte do tempo das discussões do Plenário em torno do assunto e influíram no resultado final do julgamento.
A primeira delas foi de que uma ADIn semelhante já resultou na declaração de inconstitucionalidade da mesma lei pelo TJ/SP, e que, portanto, haveria perda de objeto (falta de interesse em julgar a questão).
Esta preliminar foi derrubada com base na jurisprudência do STF, segundo a qual a decisão deveria ser sobrestada quando o STF estivesse julgando ação tendo por objeto o mesmo assunto, até decisão de mérito pela Suprema Corte. Além disso, a decisão do TJ ainda não transitou em julgado, pois está sendo questionada em RE em tramitação no STF.
A segunda preliminar levantada pela Anoreg foi a de que, na ADIn, o procurador-geral não impugnou o artigo 24, parágrafo 2º, inciso VI, da Constituição do estado de São Paulo, que serviu de fundamento para edição da lei 12.227. A falta de ataque a esse fundamento, conforme a Anoreg, impediria a análise da questão tomando por base a lei.
No exame dessa preliminar, as opiniões se dividiram. O presidente e o vice-presidente da Corte, ministros Gilmar Mendes e Cezar Peluso, defenderam a possibilidade de, incidentalmente, ser declarada a inconstitucionalidade desse dispositivo, embora não tivesse sido atacado na ADIn. Embora não houvesse consenso neste ponto, com a corrente discordante prevalecendo, a maioria dos ministros decidiu superar também esta preliminar para enfrentar o mérito da questão, contra os votos do relator, ministro Menezes Direito, e do ministro Eros Grau.
Mérito
No mérito, dos nove ministros presentes à sessão, oito votaram pela procedência da ADIn e, portanto, pela inconstitucionalidade da lei impugnada, sem entrar no mérito do artigo 24 da Constituição paulista. Mas sugeriram que o procurador-geral da República impugne esse dispositivo, em nova ADIn. Somente o ministro Marco Aurélio considerou a ADIn improcedente e, por conseguinte, votou pela constitucionalidade da lei.
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Processo Relacionado : ADIn 3773
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