Luz na praça
Corte de energia elétrica em praças públicas é ilegal
Após receber notificação de que a iluminação pública seria suspensa por falta de pagamento, a prefeitura de São Leopoldo entrou com uma ação na Segunda Vara Federal de Novo Hamburgo/RS.
A sentença considerou o ato da AES Sul abusivo e ilegal, uma vez que a falta de iluminação poderia causar prejuízo à coletividade, ameaçando a segurança pública. A empresa, então, recorreu ao TRF4.
No julgamento da apelação, a 3ª Turma do Tribunal manteve, por unanimidade, a decisão de primeiro grau. O desembargador federal Luiz Carlos de Castro Lugon, relator do recurso, entendeu que o fornecimento de serviços públicos, como água e luz, é essencial à vida. Assim, o corte como forma de obrigar o usuário ao pagamento da tarifa é um desrespeito à dignidade humana. O magistrado salientou que "a suspensão no fornecimento de energia não encontra respaldo na legislação" existindo outros modos que a fornecedora pode utilizar para realizar a cobrança de seus créditos.
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AC 2001.71.08.009700-2/TRF
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.08.009700-2/RS
RELATOR : Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
APELANTE : AES SUL DISTRIBUIDORA GAUCHA DE ENERGIA S/A
ADVOGADO : Ana Carolina Kliemann e outros
APELADO : MUNICIPIO DE SAO LEOPOLDO
ADVOGADO : Angela Molin e outros
EMENTA
ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. MUNICÍPIO. INADIMPLEMENTO DE FATURAS. SUSPENSÃO DE FORNECIMENTO. PRÁTICA INADMISSÍVEL.
1. Inadmissível o corte do fornecimento de energia elétrica como instrumento de coerção ao pagamento de dívida para com a empresa fornecedora do serviço em questão, a teor do disposto nos arts. 22, caput, e 42, caput, da Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor.
2. O corte no fornecimento de serviços essenciais, tais como água e luz, com o intuito de compelir o usuário ao pagamento de tarifa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza de tais serviços públicos porque são essenciais à sua vida.
3. No caso entelado, trata-se de suspensão de fornecimento de energia elétrica a praças municipais, o que implica prejuízo à coletividade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de agosto de 2008.
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.08.009700-2/RS
RELATOR : Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
APELANTE : AES SUL DISTRIBUIDORA GAUCHA DE ENERGIA S/A
ADVOGADO : Ana Carolina Kliemann e outros
APELADO : MUNICIPIO DE SAO LEOPOLDO
ADVOGADO : Angela Molin e outros
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que, em sede de mandamus, concedeu a segurança para determinar que a autoridade impetrada se abstenha de efetuar a suspensão no fornecimento de energia elétrica para iluminação das praças municipais. Sem condenação em verba honorária, nos termos da Súmula nº 512 do STF.
Sustenta a recorrente, preliminarmente, a inadequação da via eleita, face à inexistência de ato abusivo ou ilegal e de direito líquido e certo; no mérito, reitera a legalidade da suspensão do fornecimento da energia elétrica. Requer a extinção do mandamus, ou, caso não seja este o entendimento desta Corte, o provimento da apelação, para que seja possibilitada a suspensão do fornecimento de energia elétrica à iluminação pública do Município de São Leopoldo.
Com contra-razões.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do apelo.
É o relatório, peço dia.
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Relator
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.08.009700-2/RS
RELATOR : Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON
APELANTE : AES SUL DISTRIBUIDORA GAUCHA DE ENERGIA S/A
ADVOGADO : Ana Carolina Kliemann e outros
APELADO : MUNICIPIO DE SAO LEOPOLDO
ADVOGADO : Angela Molin e outros
VOTO
Primeiramente, explicito que é perfeitamente cabível, na hipótese vertente, a utilização do mandamus, a fim de que seja preservado o direito líquido e certo do demandante ao fornecimento de energia elétrica. A lei nº 1.533/51, no seu art. 1°, dispõe:
Art. 1º - Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas-corpus, sempre que, ilegalmente ou com abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofre-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
Compulsando os autos, verifico que o Município recebeu a notificação de fls. 15, na qual consta que será suspensa a iluminação de suas praças públicas, devido à falta de pagamento. Assim, a ação mandamental foi impetrada, preventivamente, a fim de combater o indigitado ato. Presentes, pois, os requisitos previstos na disposição legal supra, quais sejam o ato abusivo e ilegal, praticado por autoridade pública e a ameaça de violação de direito líquido e certo - o fornecimento de energia.
A suspensão no fornecimento de energia elétrica não encontra respaldo na legislação de regência. Inadmissível, a meu sentir, o corte de energia elétrica como instrumento de coerção ao pagamento de dívida para com a empresa fornecedora do serviço em questão, a teor do disposto nos arts. 22, caput, e 42, caput, da Lei 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor, verbis:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.
Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.
Art. 42. Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.
Parágrafo único. O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.
Ao demais, no caso entelado, trata-se de suspensão de fornecimento de energia elétrica a praças municipais, o que implica prejuízo à coletividade. Como assenta o julgado abaixo, em que pese a existência de entendimento contrário ao que esposo, a segurança pública e a tranqüilidade da comunidade residente na localidade restaria abalada:
"AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUSPENSÃO DE FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. MUNICÍPIO INADIMPLENTE. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A Primeira Seção, ao julgar o REsp 363.943/MG, firmou orientação no sentido da possibilidade de se interromper o fornecimento de energia elétrica nos casos em que o consumidor, após aviso prévio, mantém-se inadimplente (artigo 6º, § 3º, II, da Lei n. 8.987/95) .
2. No caso dos autos, todavia, embora seja legalmente possível o corte de energia fornecida ao Município de Bom Jesus/RS para iluminação de ruas e logradouros públicos, em razão de sua inadimplência, tal ato se torna inviável diante do grande prejuízo que causaria à coletividade, uma vez que aumentaria a dificuldade em se manter a ordem e a segurança públicas.
3. Diante das peculiaridades do caso concreto, deve ser mantida a decisão agravada, negando-se provimento ao agravo regimental."
(STJ. AGA 518937. Processo nº: 200300775326/RS, Primeira Turma, Relatora Ministra Denise Arruda, DJU 17/12/2004, PÁGINA: 422)
A Terceira e a Quarta Turmas desta Egrégia Corte já entenderam no sentido da impossibilidade de suspensão de energia elétrica ao usuário que deixa de efetuar a contraprestação ajustada. Vejamos:
"INTERRUPÇÃO NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. MUNICÍPIO INADIMPLENTE.
- É incontestável o direito do concessionário à remuneração prevista no contrato administrativo firmado com o Poder Concedente. Todavia, esse direito não pode se sobrepujar ao interesse difuso da coletividade municipal à manutenção do fornecimento do serviço público, de natureza essencial, sob pena de violação a própria dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF/88). Em nome do princípio da proporcionalidade, não está a concessionária autorizada a utilizar dos meios mais gravosos para a obtenção de seus créditos, quando poderá fazê-lo pela via judicial própria."
(TRF4ªR. AMS nº:200371080112012 /RS, Quarta Turma, Relator Des. Federal Edgard Antônio Lippmann Júnior, DJU 09/12/2004, PÁGINA: 705)
ADMINISTRATIVO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLÊNCIA DO CONSUMIDOR. ILEGALIDADE.
1. O Eg. STJ vem reconhecendo ao consumidor o direito da utilização dos serviços públicos essenciais ao seu cotidiano como o fornecimento de energia elétrica, em razão do princípio da continuidade (art. 22 do CDC).
2. O corte de energia, utilizado pela Companhia para obrigar o usuário ao pagamento de tarifa em atraso, extrapola os limites da legalidade, existindo outros meios para buscar o adimplemento do débito.
3. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. Agravo regimental prejudicado.
(AG Nº 2004.04.01.015568-0/RS, TERCEIRA TURMA, Rel. Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, DJU 07/07/2004, PÁGINA: 418)
ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLEMENTO DE FATURAS. SUSPENSÃO DE FORNECIMENTO. PRÁTICA INADMISSÍVEL. - Sendo a causa da suspensão do fornecimento de energia elétrica a falta de pagamento de faturas de consumo, o corte operado é inadmissível, por se tratar de serviço essencial à qualidade e à dignidade de vida.
(AMS nº 2003.71.12.007084-9/RS, QUARTA TURMA, Rel. Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, DJU 30/06/2004, PÁGINA 811)
O corte no fornecimento de serviços essenciais, tais como água e luz, com o intuito de compelir o usuário ao pagamento de tarifa, extrapola os limites da legalidade e afronta a cláusula pétrea de respeito à dignidade humana, porquanto o cidadão se utiliza de tais serviços públicos porque são essenciais à sua vida. Ademais, existem outros meios dos quais pode se utilizar a fornecedora para a cobrança de seus créditos.
Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento ao apelo.
È o voto.
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon
Relator
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