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STF suspende decisão sobre inclusão de cirurgia de mudança de sexo no SUS

13/12/2007


Transgenitalização

STF suspende decisão sobre inclusão de cirurgia de mudança de sexo no SUS

A presidente do STF, ministra Ellen Gracie, concedeu pedido de STA 185, requerida pela União, contra ato da Terceira Turma do TRF da 4ª Região referente à cirurgia de transgenitalização em transexuais.

A decisão questionada, ao julgar procedente pedido do MPF, concedeu tutela antecipada determinando à União que provesse, no prazo de 30 dias, todas as medidas que possibilitem aos transexuais a realização, pelo SUS, da cirurgia de "transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônodas e caracteres sexuais secundários". Os critérios para esse tipo de cirurgia estão estabelecidos na Resolução 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina.

O TRF/4 também determinou, à União, a edição de ato normativo prevendo a inclusão desses procedimentos cirúrgicos na tabela de procedimentos remunerados pelo SUS (Tabela SIH/SUS).

Decisão

"Não desconheço o sofrimento e a dura realidade dos pacientes portadores de transexualismo, patologia devidamente reconhecida pela Organização Mundial de Saúde", ressaltou a ministra. Ela lembrou que os transexuais se submetem a programas de transtorno de identidade de gênero em hospitais públicos, a entrevistas individuais e com familiares, a reuniões de grupo e a acompanhamento por equipe multidisciplinar com o objetivo de realizar a cirurgia de transgenitalização. "São pessoas que merecem todo o respeito por parte da sociedade brasileira e do Poder Judiciário", declarou.

Asseverou, no entanto, que os pedidos contra cautelares relacionadas ao pagamento de tratamentos, cirurgias e medicamentos a pacientes têm sido analisados caso a caso pela Presidência da Corte, de forma concreta, e não de forma abstrata e genérica. "Certo, ainda, que as decisões proferidas em pedido de suspensão, nesses casos, restringem-se ao caso específico analisado, não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual", disse.

No caso, a ministra considerou que não se está analisando uma situação individual, específica, uma vez ter sido determinada à União que tome providências normativas e administrativas imediatas em relação aos referidos procedimentos médico-cirúrgicos. Por essa razão, Ellen Gracie entendeu que se encontra devidamente demonstrada a ocorrência de grave lesão à ordem pública, "em sua acepção jurídico-constitucional", tendo em vista que a execução do ato contestado repercutirá na programação orçamentária federal, ao gerar impacto nas finanças públicas.

Para a presidente do Supremo, também está configurada grave lesão à ordem pública, "em sua acepção administrativa". Isto porque, conforme ela, "a gestão da política nacional de saúde, feita de forma regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos médico-cirúrgicos que devem ser fornecidos gratuitamente à população brasileira, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários".

Verificou, ainda, que, para a imediata execução da decisão questionada será necessário o remanejamento de verbas originalmente destinadas a outras políticas públicas de saúde. Tal fato, segundo a ministra, "certamente causará problemas de alocação dos recursos públicos indispensáveis ao financiamento do Sistema Único de Saúde em âmbito nacional".

Por fim, Ellen Gracie observou que apesar de serem relevantes os argumentos do MPF no sentido da ocorrência de ofensa ao direito de liberdade dos cidadãos transexuais e aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proibição de discriminação por motivo de sexo, "não podem ser aqui sopesados e apreciados, tendo em vista que não cabe, em suspensão, ‘a análise com profundidade e extensão da matéria de mérito analisada na origem’, domínio reservado ao juízo recursal".

Leia abaixo a íntegra da decisão da ministra Ellen Gracie.

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__________

SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA 185-2 DISTRITO FEDERAL

RELATORA : MINISTRA PRESIDENTE
REQUERENTE(S) : UNIÃO
ADVOGADO(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
REQUERIDO(A/S) : TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO (APELAÇÃO CÍVEL Nº 2001.71.00.026279-9)
INTERESSADO(A/S) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

1. A União, com fundamento nos arts. 1º da Lei 9.494/97, 25 da Lei 8.038/90, 4º da Lei 8.437/92 e 297 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, requer a suspensão da execução do acórdão proferido pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região nos autos da Apelação Cível <_st13a_personname w:st="on" productid="em Ação Civil Pública">em Ação Civil Pública nº 2001.71.00.026279-9 (fls. 96-148). A decisão ora impugnada julgou procedente o pedido formulado pelo Ministério Público Federal e concedeu tutela antecipada, determinando à requerente que promova, no prazo de trinta dias, “todas as medidas apropriadas para possibilitar aos transexuais a realização, pelo Sistema Único de Saúde, de todos os procedimentos médicos necessários para garantir a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônodas e caracteres sexuais secundários, conforme os critérios estabelecidos na Resolução nº 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina”, bem como edite ato normativo que preveja a inclusão desses procedimentos cirúrgicos na tabela de procedimentos remunerados pelo SUS (Tabela SIH/SUS).

A requerente sustenta, em síntese:

a) competência da Presidência do Supremo Tribunal Federal para a apreciação do presente pedido de suspensão, por se tratar de discussão eminentemente constitucional;

b) ocorrência de grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem jurídico-constitucional, bem como à economia pública, tendo em vista a imposição à União da inclusão de procedimentos médicos na tabela do Sistema Único de Saúde, sem que exista destinação orçamentária ou tenha sido criada fonte de custeio específica para tal, certo que, “para o fiel cumprimento da STA 185 / DF referida decisão, será necessário o remanejamento de receitas destinadas a outras políticas públicas, reduzindo, de maneira inconstitucional, verbas indispensáveis ao financiamento do sistema em âmbito nacional” (fl. 6);

c) existência de afronta ao princípio da separação dos Poderes, ante a intervenção indevida do Poder Judiciário em relação à gestão dos recursos públicos no âmbito do SUS e ao financiamento do sistema público de saúde;

d) ausência de estudos prévios para a inclusão dos mencionados procedimentos cirúrgicos na tabela do SUS e de fixação de critérios técnico-científicos para os novos protocolos, indispensáveis para se garantir resultado eficaz com riscos aceitáveis, o que poderá causar danos físicos e psicológicos irreversíveis aos pacientes;

e) ocorrência de afronta aos arts. 194 e 195 da Constituição da República, porquanto o acórdão ora impugnado cria um novo serviço a ser oferecido pelo SUS, “sem a participação dos órgãos governamentais responsáveis e sem a criação de novas fontes de custeio, fato este que repercutirá diretamente sobre a alocação de recursos públicos, atingindo, ainda que não intencionalmente, toda a população atendida pela rede pública de saúde” (fl. 10);

f) ocorrência de grave lesão à ordem pública, considerada em termos de ordem administrativa, dado que a decisão ora impugnada “desfalca, sem dúvida, os recursos destinados aos demais programas mantidos pelo governo, estabelecendo intervenção indevida do Poder Judiciário na organização orçamentárioadministrativa, atividade própria do Poder Executivo” (fl. 11);

g) possibilidade de irreversibilidade da decisão ora impugnada, uma vez que considerável quantia será alocada para o pagamento desses procedimentos cirúrgicos.

2. Reconheço, preliminarmente, que a controvérsia instaurada na ação civil pública em apreço evidencia a existência de matéria constitucional: alegação de ofensa aos arts. 1º, III; 3º, IV; 5º, caput; 6º, caput; e 196 a 198 da Constituição da República (petição inicial, fls. 49-50; sentença, fl. 92; acórdão impugnado, fls. 108, 174 e 176). Dessa forma, cumpre ter presente que a Presidência do Supremo Tribunal Federal dispõe de competência para examinar questão cujo fundamento jurídico é de natureza constitucional (art. 297 do RISTF, c/c art. 25 da Lei 8.038/90), conforme firme jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 475/DF, rel. Min. Octavio Gallotti, Plenário, DJ 22.4.1994; Rcl 497- AgR/RS, rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.

3. A Lei 8.437/92, em seu art. 4º, caput e § 1º, c/c a Lei 9.494/97, art. 1º, autoriza o deferimento do pedido de suspensão da execução de tutela antecipada, prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil, concedida em ação civil pública proposta contra o Poder Público ou seus agentes, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.

Assevere-se, inicialmente, que os pedidos de contracautela formulados em situações relacionadas ao pagamento de tratamentos, cirurgias e medicamentos a pacientes têm sido analisados por esta Presidência, caso a caso, de forma concreta, e não de forma abstrata e genérica, certo, ainda, que as decisões proferidas em pedido de suspensão, nesses casos, restringem-se ao caso específico analisado, não se estendendo os seus efeitos e as suas razões a outros casos, por se tratar de medida tópica, pontual.

Não desconheço o sofrimento e a dura realidade dos pacientes portadores de transexualismo (patologia devidamente reconhecida pela Organização Mundial de Saúde: CID-10 F64.0), que se submetem a programas de transtorno de identidade de gênero em hospitais públicos, a entrevistas individuais e com familiares, a reuniões de grupo e a acompanhamento por equipe multidisciplinar, nos termos da Resolução 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina, com o objetivo de realizar a cirurgia de transgenitalização, pessoas que merecem todo o respeito por parte da sociedade brasileira e do Poder Judiciário.

Ressalte-se, entretanto, que, no caso em apreço, foi concedida tutela antecipada, determinando-se à União que promova, no prazo de 30 dias, “todas as medidas apropriadas para possibilitar aos transexuais a realização, pelo Sistema Único de Saúde, de todos os procedimentos médicos necessários para garantir a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia, neofaloplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônodas e caracteres sexuais secundários, conforme os critérios estabelecidos na Resolução nº 1.652/2002 do Conselho Federal de Medicina” (fls. 147-148), bem como edite ato normativo que preveja a inclusão desses procedimentos cirúrgicos na tabela de procedimentos remunerados pelo Sistema Único de Saúde (Tabela SIH/SUS).

É dizer, no presente caso, não se está analisando uma situação concreta, individual, um caso específico, determinou-se, sim, à requerente que tome providências normativas e administrativas imediatas em relação aos referidos procedimentos médico-cirúrgicos,

motivo pelo qual entendo que se encontra devidamente demonstrada a ocorrência de grave lesão à ordem pública, em sua acepção jurídico-constitucional, porquanto a execução do acórdão ora impugnado repercutirá na programação orçamentária federal, ao gerar impacto nas finanças públicas.

Encontra-se, outrossim, devidamente configurada a grave lesão à ordem pública, em sua acepção administrativa, dado que a gestão da política nacional de saúde, feita de forma regionalizada, busca uma maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos médico-cirúrgicos que devem ser fornecidos gratuitamente à população brasileira, a fim de atingir o maior número possível de beneficiários.

Verifico, ainda, que, para a imediata execução da decisão impugnada no presente pedido de suspensão, será necessário o remanejamento de verbas originalmente destinadas a outras políticas públicas de saúde, o que certamente causará problemas de alocação dos recursos públicos indispensáveis ao financiamento do Sistema Único de Saúde em âmbito nacional.

Observe-se, finalmente, que os relevantes argumentos deduzidos pelo Ministério Público Federal na ação civil pública em tela, no sentido da ocorrência de ofensa ao direito de liberdade dos cidadãos transexuais e aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da proibição de discriminação por motivo de sexo, bem como as razões de decidir amplamente fundamentadas em fontes doutrinárias e jurisprudenciais, insertas no voto proferido pelo relator da Apelação Cível nº 2001.71.00.026279-9/RS, Juiz Federal Roger Raupp Rios, porque dizem respeito ao mérito da referida ação, não podem ser aqui sopesados e apreciados, tendo em vista que não cabe, em suspensão, “a análise com profundidade e extensão da matéria de mérito analisada na origem” (SS 1.918-AgR/DF, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 30.4.2004), domínio reservado ao juízo recursal.

4. Ante o exposto, defiro o pedido para suspender a execução do acórdão proferido pela Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região nos autos da Apelação Cível nº 2001.71.00.026279-9/RS.

Comunique-se.

Publique-se.

Brasília, 10 de dezembro de 2007.

Ministra Ellen Gracie
Presidente

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