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Direito GV e Cebepej apontam que procedimentos em cartório chegam a consumir 80% de todo o processo judicial

30/11/2007


Levantamento

Procedimentos em cartório chegam a consumir 80% de todo o processo judicial

Direito GV e Cebepej apontam que procedimentos em cartório chegam a consumir 80% de todo o processo judicial. Sob encomenda do Ministério da Justiça, levantamento mostra que falta de motivação e gestão precária influenciam a demora da decisão judicial.

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A lentidão da justiça é um tema que está sempre presente na pauta de preocupações das autoridades e é assunto de diversas pesquisas acadêmicas que buscam conhecer as raízes do problema e resolvê-lo. Porém, nunca houve uma análise que apontasse a influência do funcionamento dos cartórios judiciais (peças importantes nos atos e procedimentos processuais) na composição do tempo que o Poder Judiciário leva para solucionar um conflito judicial.

A Direito GV e o Cebepej (Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais), a pedido da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, acabam de concluir a primeira pesquisa dessa natureza, traçando o perfil de organização e funcionamento de um cartório judicial. Por meio do estudo de caso de quatro cartórios no Estado de São Paulo (dois no interior e dois na capital), envolvendo 92 funcionários, pode-se concluir que a falta de motivação profissional e pessoal dos cartorários, aliado à presença de práticas antiquados e pouca informatização, contribui para a morosidade no julgamento dos processos.

"Diferentemente do que muitos pensam, o tempo essencial de um processo é muito curto. O que também influencia a morosidade da justiça é toda a dinâmica de preparação e envio dos autos ao juiz, registro, certificação e publicação dos atos processuais", aponta o professor de Direito Processual Civil da Direito GV e coordenador da pesquisa, Paulo Eduardo Alves da Silva.

Essa demora pode ser atribuída, segundo os pesquisadores, a uma combinação da falta de estímulo para se concluir o trabalho e à ausência de processos que garantam um fluxo mais rápido e ordenado das peças judiciais. Apesar de praticamente a metade dos servidores entrevistados (51,1%) declarar que salário e/ou estabilidade é um fator atrativo para a escolha da carreira no cartório, uma percentagem semelhante (56,5%) afirmou que não tem nenhum estímulo para o trabalho. "Grande parte dos cartorários aponta que a incapacidade de colocar os processos em dia é desestimulante", afirma a coordenadoa do Cebepej, Leslie Shérida.

O aspecto curioso dessas observações, segundo os pesquisadores, é que a hipótese de contratação de mais funcionários para resolver o problema de acúmulo de trabalho não é defendida pelos funcionários. Ao contrário, a maioria alega que não há espaço disponível nas instalações para abrigar mais pessoas. "Essa observação reforça a tese de que é preciso incentivar mecanismos de gestão mais eficientes junto aos cartórios para dar conta da demanda", afirma Paulo Eduardo Alves da Silva.

Tempo em cartório

Por conta dessas variáveis, a pesquisa concluiu que o período de permanência dos autos do em cartório consome o equivalente a 80% do tempo total do processo. Segundo o relatório, não é possível apontar precisamente os vários elementos que compõem esse “tempo em cartório”, mas é possível elencar os atos que ocorreram com pouca freqüência e, por exclusão, extrair as tarefas mais demoradas.

As rotinas praticadas pelo cartório são complexas, o que aumenta o tempo <_st13a_personname w:st="on" productid="em cartório. Além">em cartório. Além disso, o fluxo dos processos em cartório é represado na pilha formada na mesa de cada funcionário. "O trabalho não tem fim e as mesas nunca ficam vazias", foram frases colhidas nas entrevistas realizadas na pesquisa. "Pode acontecer do processo aguardar mais de um mês na mesa do funcionário ou no escaninho da estante. Trata-se de um “tempo morto” dos processos judiciais", afirma Alves da Silva.

Outros pontos que atrasam consideravelmente o trâmite, segundo a pesquisa, são os procedimentos de publicação e juntada, que computam, respectivamente, entre 51,4% e 69,3% e entre 7% e 38,8% do tempo total do processo. Outro ponto de muita demora apontado pela pesquisa é o tempo que o processo permanece no cartório após proferida a sentença, quando o processo praticamente já terminou: aproximadamente 35% do tempo total da resolução da sentença foi gasto neste período, sendo que chegou à metade do tempo em um dos cartórios analisados.

Cartórios "invisíveis"

Apesar da importância de seu papel no trâmite de decisão dos processos, a pesquisa concluiu que o cartório judicial ainda não é visto como um “ator” do sistema de justiça. Essa consideração, na opinião do professor Paulo Eduardo Alves da Silva, é importante, porque sugere que a ineficiência dos cartórios provoca mais efeitos que a simples morosidade nos processos judiciais.

Um desses aspectos é o não reconhecimento do papel atípico de “jurisdição" exercida pelos cartórios. Além de ser responsável pela preparação, envio e juntada de documentos aos autos, funcionários também chegam a elaborar um volume considerável de decisões judiciais. Em alguns casos, inclusive, os esboços de liminares e sentenças são preparadas pelos funcionários de grau hierárquico mais alto (na maioria das vezes, pelos diretores), cabendo ao juiz apenas analisar o documento e assiná-lo.quatro

O desconhecimento da rotina dos cartórios também provoca divergências junto ao legislador, que impõem prazos legais muito difíceis de serem cumpridos. Um exemplo dado pelos pesquisadores é a fixação do prazo de 48 horas prescrito no artigo 190 do Código de Processo Civil para que o cartório realize os inúmeros atos que compõem cada uma de suas complexas rotinas.

Segundo cálculos da pesquisa, se o processo durasse o tempo previsto na lei, um processo de rito ordinário teria que acabar ema 209 dias e o de rito sumário, em 178 dias. Na prática, os processos de rito ordinário e sumário dos cartórios duram, em média, 872 dias e 615,5 dias, respectivamente. "Ou seja, em média, um prazo 4 vezes superior ao estabelecido pela lei", informa Alves da Silva.

“Deve-se notar”, prossegue o professor, “que são problemas estruturais acumulados há décadas. Porém, observa-se nos últimos anos iniciativas do Tribunal para reverter este cenário, como por exemplo a informatização das Varas.”

O professor complementa que não há mudanças de curto prazo. “Não basta alterar a legislação processual. É necessário um investimento grande de tempo, paciência e muito treinamento para mudar o quadro. A falta de planejamento, as rotinas complexas e a ausência de indicadores de resultados para aferir a produtividade impedem uma mudança mais rápida”.

Um outro dado levantado na pesquisa é a dificuldade de assimilação da informatização. Não se observou haver computadores ligados em rede para todos os funcionários (média de 0,51) e a distribuição entre os funcionários é feita por hierarquia, não por necessidade. “A publicação, hoje informatizada, demora porque o funcionário encarregado não tem computador ligado em rede e precisa se revezar com outros tantos funcionários em um computador de outro cartório”. Além disso, o sistema informatizado recém instalado não foi bem incorporado às atividades dos cartórios. “Nem todos os funcionários foram treinados para operar o novo sistema e, conseqüentemente, não abandonaram as fichas de andamento <_st13a_personname w:st="on" productid="em papel. Agora">em papel. Agora, fazem os registros em duplicidade: no computador e nesta ficha de papel. Houve um caso, por exemplo, da escrevente, por não confiar nos outros dois, fazer um terceiro registro em sua agenda pessoal.. Além do desperdício de tempo, a insegurança da duplicidade de registros faz com que os advogados continuem a se dirigir aos balcões para ver os autos e o acompanhamento pela internet não se concretiza como imaginado. Impera, nos cartórios judiciais, o que poderíamos chamar de “cultura do papel” e “cultura do balcão”, conta o professor.

Relacionamentos Interpessoais

Por fim, a pesquisa procurou dimensionar, junto aos cartorários, quais seriam os procedimentos de sua rotina mais valorizados: 39% dos entrevistados considerou que a juntada de documentos ao processo é o procedimento mais valorizado, seguido por aqueles que consideraram o atendimento ao advogado (17%), a conclusão do processo (16%), o atendimento às partes (7%) e a publicação (4%) como relevantes em sua rotina. Aproximadamente 17% do total dos entrevistados não respondeu a essa questão.

Para o professor Paulo Eduardo Alves da Silva, essas respostas apontam que o funcionário do cartório valoriza justamente o procedimento de natureza protocolar. “Em contrapartida, a audiência, ocasião em que o contraditório e o exercício jurisdicional são concentrados e imediatos, não é tão valorizada e é classificada pelos funcionários como ‘algo à parte”, ressalta. Ainda segundo o professor, incentivar os funcionários a investir mais tempo na audiência – além de aumentar a sua consciência de seu papel para a justiça – também pode possibilitar, no curto prazo, o fim de muitos processos que durariam anos e contribuir para a diminuição do número de autos no longo prazo.

Os relacionamentos pessoais em cartório são o dado mais importante levado em consideração junto aos funcionários, com 91,3% das respostas. A maioria, 75,1%, declarou que é importante o juiz estar presente no dia-a-dia do cartório e a sua capacidade de estabelecer bons relacionamentos é considerada tão essencial ao seu trabalho quanto a competência no trabalho (66,3%).

Por outro lado, o principal defeito de um juiz, apontado por 79,3% dos entrevistados, se resume ao termo “juizite”: pedantismo, arrogância, falta de tato e de educação. Em segundo lugar, com 23,9% das respostas, vem a incompetência. “Ou seja, para o cartório, o juiz que se relaciona bem com os funcionários tem o mesmo valor que o juiz tecnicamente competente. Porém, para o mesmo funcionário, o pior juiz não é o incompetente, mas o que não tem essa capacidade de relacionamento desenvolvida”.

A importância dos relacionamentos pessoais também fica evidente na avaliação que os funcionários fizeram de seus diretores. Os mais bem avaliados foram aqueles que sabem ouvir seus funcionários, servindo como ouvidores e mediadores entre cartório e o juiz. Por outro lado, os diretores com perfil mais autoritário foram pior avaliados.

Metodologia

A pesquisa durou dois anos e foi fruto de solicitação da Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, que expressou a vontade de medir o impacto dos procedimentos cartorários na morosidade da Justiça. Devido ao grande número de cartórios judiciais estabelecidos no país e ao completo desconhecimento de sua realidade, deu-se preferência à metodologia de estudo de caso: foram eleitos quatro cartórios <_st13a_personname w:st="on" productid="em São Paulo">em São Paulo, com perfis distintos: dois no interior, dois na capital; entre estes, um mais antigo (com mais de 100 anos de funcionamento) e outro com menos tempo de funcionamento; entre aqueles, um em que o juiz atua há um tempo considerável e o quarto com uma alta rotatividade de juízes.

Mesmo não sendo possível tecer conclusões generalizantes, não se pode afirmar que as conclusões extraídas da pesquisa sejam exclusivas dos cartórios estudados ou da justiça paulista. Os casos representam tipos de cartórios judiciais e as conclusões do estudo podem servir de base para aplicação em outras regiões, tendo em vista que todos os cartórios compartilham características semelhantes, têm função idêntica esão idos submeta uma mesma legislação processual.

Além disso, os processos analisados são referentes à indenização por danos morais, haja vista o crescimento do debate doutrinário e jurisprudencial dessa demanda, e a acidentes e seguro de veículos, opção que se justifica pela proximidade do cotidiano dos setores médios da sociedade. Estudo nacional realizado pelo CEBEPEJ sobre Juizados Especiais Cíveis, responsáveis pelo tratamento de demandas cíveis de valor máximo de quarenta salários mínimos, constatou pedidos de indenização por danos morais em 20% dos processos, em geral cumulados com outros pedidos, e.nquanto os acidentes de trânsito representaram 17,5% da demanda dos juizados.

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