Migalhas Quentes

Manifestação da ANER contrária às pretenções da CVM - Comissão de Valores Mobiliários

X

20/9/2007


Imprensa

Diante do edital de audiência pública da CVM (clique aqui) que propõe a revisão das regras sobre a atuação dos analistas de investimentos, no qual sugere também padrões de conduta para jornalistas especializados no setor, alterando assim a instrução CVM nº 388 (clique aqui), a ANER - Associação Nacional de Editores de Revistas, por seu diretor jurídico Lourival J. Santos (do escritório Lourival J. Santos Advogados e presidente da Comissão de Estudos de Liberdades Públicas do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo) enviou ofício à Instituição, sugerindo a exclusão da norma em discussão dos dispositivos que atingem a atividade jornalística, por serem atos manifestadamente ilegais e inconstitucionais.

Confira abaixo a íntegra da nota e do documento encaminhado pela ANER à CVM.

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Nota à imprensa

A Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) encaminhou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a sua manifestação contrária às pretensões da CVM de legislar sobre a atividade jornalística por considerá-la ilegal e estabelecer uma censura prévia além de agredir a liberdade de expressão e de comunicação tal como está expresso no Edital de Audiência Pública nº 09/2007 que tem como objetivo a alteração da Instrução CVM nº 388 de 30/04/2003 que dispõe sobre a atividade de analista de valores mobiliários.

A ANER aponta a inconstitucionalidade da medida em estudos uma vez que o Artigo 5º da Constituição, no inciso IX, prescreve que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística e de comunicação, independentemente de censura ou licença”, além de incompetência jurídica da CVM – por se tratar de uma autarquia - para editar normas disciplinadoras da atividade jornalística.

A ANER sugere que deverão ser excluídas da norma em discussão os dispositivos que atingem a atividade jornalística, por serem atos manifestadamente ilegais e inconstitucionais e, portanto, desprovidos de qualquer conteúdo que os legitime dentro do sistema legal brasileiro.

A ANER defende que a liberdade de expressão deverá ser exercida dentro dos limites das leis e da Constituição em vigor e dos padrões éticos que dão credibilidade à mídia fortalecendo as instituições democráticas e consolidando a cidadania.

A íntegra do documento encaminhado pela ANER à CVM - (Clique aqui ou confira logo abaixo )

Jairo Leal

__________

São Paulo, 17 de setembro de 2007

À

CVM - Comissão de Valores Mobiliários

DD. Presidente, Dra. Maria Helena dos Santos Femandes de Santana

Rua Sete de Setembro, nº 111- 32°andar

20159-900 - Rio de Janeiro/RJ

Senhora Presidente,

ANER- Associação Nacional de Editores de Revistas, por seu Diretor Jurídico, vem à V.Sa., a propósito do Edital de Audiência Pública n° 09/07 manifestar-se contra a Instrução CVM n° 388/07 e alterações, as quais, de forma ilegal e censória, agridem a liberdade de expressão e de comunicação, por pretender estabelecer regras restritivas ao jornalista e à atividade jornalística.

Esclarece, outrossim, que não há nesta manifestação qualquer intenção que não seja a de proteger e defender, exclusivamente, a liberdade de expressão no desenvolvimento da atividade jornalística e de comunicação, embora entenda ser justificável a parte da proposta de CVM que visa disciplinar a conduta dos seus analistas de mercado mobiliário, buscando melhor atender ao interesse da comunidade.

A seguir serão detalhadas as razões de fato e de direito pelas quais a signatária impugna os atos da CVM, no ponto em que conflitam com a lei e com a Constituição Federal.

CONSIDERAÇÓES INICIAIS

Foi publicado pela CVM - Comissão de Valores Mobiliários, o Edital de Audiência Pública n° 09/2007, com prazo fmal em 17 de setembro de 2007, tendo como objeto a alteração da Instrução CVM n° 388, de 30 de abril de 2003, que dispõe sobre a atividade de analista valores mobiliários.

A referida Instrução, em razão da qual foi publicado o Edital, tem como objetivo a fiscalização do cumprimento, pelos analistas de valores mobiliários, de código de conduta e ética, com as penalidades aplicáveis pelo eventual não atendimento por tais profissionais.

Ocorre, porém, que no art. 2°-A da referida Instrução, CVM extrapolando visivelmente os limites da sua competência jurídica, procura de forma clara disciplinar e normatizar a conduta dos jornalistas e de órgãos de imprensa cuja atividade consista na divulgação periódica de notícias opinativas sobre a evolução e tendências do mercado mobiliário.

A audiência pública convocada pelo referido Edital n° 09/2007 mais não fez que ratificar a pretensão já extemada por CVM de disciplinar a atividade jomalística e de comunicação, sugerindo, inclusive, a criação de normas de conduta para serem obedecidas pelos profissionais e órgãos de imprensa cuja atividade seja a de divulgação de matérias jornalísticas especializadas focando o mercado de capitais.

Não é preciso muito esforço para se chegar à conclusão de que a pretensão da CVM é manifestamente ilegal e inconstitucional e não pode prosperar, pelos motivos que serão abaixo melhor explanados.

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E COMUNICAÇÃO NA CARTA CONSTITUCIONAL DE 1988

O Art. 5° da Constituição em vigor, insculpido dentro do Título II, que consagra os direitos e garantias fundamentais, no inciso IX prescreve que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, cientifica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". O inciso XIV do mesmo artigo constitucional assegura a todos os cidadãos o direito ao livre acesso à informação, sem a possibilidade de que sobre tal direito seja aplicado qualquer impedimento.

A liberdade sem censura, portanto, constitui-se valor fundamental dentro do Estado Democrático de Direito, não podendo ser jamais cerceada, impedida ou restringida a qualquer

título, até porque o § lº do art. 220 da Constituição, dentro do Capítulo sobre Comunicação Social, diz claramente que: "nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberàade de informaçãojornalística em qualquer veículo àe comunicação social (...)".

Sabe-se que a liberdade de expressão sem censura ou licença é valor estrutural do modelo político adotado pelo País, constituindo princípio pétreo consagrado pelo Texto Constitucional e representando a mais relevante conquista da sociedade brasileira contra o regime autoritário anterior à Constituinte de 88.

Para ilustrar e destacar a importância desse princípio, permitimo-nos citar um excerto pinçado de acórdão da Suprema Corte, em que foi relator o insigne e culto Ministro Celso Mello, sobre o tema liberdade de expressão sem restrições: "Essa garantia básica da liberdade de expressão ào pensamento (...) representa, em seu próprio e essencial significado, um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática. Nenhuma autoridade pode prescrever o que será ortoàoxo em política, ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento". (grifos nossos)

Indefere-se do que foi acima exposto que qualquer norma cujo objetivo seja condicionar a publicação de texto jornaiístico à aprovação prévia e a aplicação de determinados crivos, configura clara agressão à liberdade de expressão e de comunicação, bem assim, à livre expressão da atividade intelectual.

Por outra, embaraçar, de qualquer modo, a liberdade da atividade jornalística e de informação significa conflitar diretamente com o Texto Supremo e isto não poderá ser feito por força de lei ou de ato oriundo de qualquer Poder ou autoridade constituídos.

O CARÁTER CENSÓRIO DA INSTRUÇÃO PROPOSTA POR CVM

Ao sugerir a criação ou aprovação de normas de conduta a serem seguidas pela imprensa na divulgação de notícias inerentes ao mercado de capitais, submetendo ao crivo da CVM a prévia aprovação dos textos a serem publicados, obvia é a intenção de criar uma instância disciplinadora das informações a serem divulgadas. Isto, como foi dito, configura posição cerceadora à liberdade de comunicação e de expressão jornaiísticas.

Por ter sido acirradamente debatida, ainda ecoa a tentativa de normatização da atividade de imprensa prevista, em passado recente, pelo Projeto de Lei n° 3.985/04, cujo objetivo era a criação do Conselho Federal de Jornalismo. O texto do anteprojeto apresentado pelo Executivo para defrnir a competência daquele Conselho, foi exemplo claro da intenção repressora do Governo Federal à liberdade do exercício da prestação de informação no País, ao determinar que caberia ao Conselho "exercer a fiscalização do exercicio da profissão de jornalista e da atividade dejornalismo".

Essa vocação cerceadora veio à tona também no Projeto de Lei n° 79/04, que tinha por objetivo regular a profissão de jornalista. Assim como no primeiro caso, o segundo, após forte desaprovação de entidades ligadas à mídia, empresas do ramo e de renomados jornalistas, todos conscientes da inconstitucionalidade das medidas propostas, foi racional e certeiramente vetado pelo Presidente da República.

Conclui-se, portanto, que o art. 2°-A da proposta de Instrução, objeto desta análise, nada mais é do que uma nova tentativa de reabilitar aquelas medidas, justificadamente afastadas por seu caráter eminentemente censório e abusivo.

A NATUREZA JURÍDICA DA CVM E SUA INCOMPETÊNCIA PARA EDITAR NORMAS DISCIPLINADORAS DA ATIVIDADE JORNALÍSTICA

Viu-se que, por força de princípios básicos consagrados pela Norma Constitucional em vigor, a nenhum dos Poderes constituídos é dada a faculdade de editar norma que conflite com a liberdade de comunicação. Tal assertiva serve para enfatizar a total inconstitucionalidade da proposta sob exame, que sequer defiui de uma lei e sim de um ato interno (Instrução), editado por uma autarquia que não tem competência para legislar.

Vale anotar que CVM constitui-se autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, instituída pela Lei n° 6.385 de 07 de dezembro de 1976, cujo art. 5° assim preceitua: "É instituída a Comissão de Valores Mobiliários, entidade autárquica em regime especial, vinculada ao Ministério da Fazenda, com personalidade jurídica e patrimônio próprios, dotada de atividade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária.(Redação dada pela Lei n° 10411/02).".

O conceito de autarquia nos é dado pelo Decreto Lei n° 200 de 25/02/1967 (Reforma Administrativa Federal), nos seguintes termos: "(..) O serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da Administração Pública, que requeiram, para seu funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada".

Abaixo quadro comparativo entre autarquia, como é o caso da CVM, e outras pessoas políticas de direito público.

Na defmição dos limites de sua competência, nos termos dos artigos 3° e 4° da referida Lei n° 6.385/76, com redação data pela Lei 10411/02, não se encontra, obviamente, qualquer resquício de poder que faculte à CVM legislar, salvo no tocante à edição de medidas internas, como é o caso da Instrução, que obviamente não tem o poder hierárquico de uma lei, tampouco a

faculdade de alterar os princípios legais regulatórios da profissão de jornalista ou de imiscuir-se no terreno da liberdade de expressão, comandado pela Constituição Federal.

Aliás, é o próprio site da CVM que, sob o título INSTRUÇÕES, esclarece que: "As instruções substanciam os atos através dos quais a CVM regulamenta, com abrangência da

política defmida pelo Conselho Monetário Nacional, as matérias expressamente previstas pelas leis nºs 6.385/76 e 6.404/76".

Destaca-se, assim, a absoluta incompetência da CVM ao pretender, por força de medidas administrativas internas, criar regras disciplinares para o jornalista e a atividade por ele desenvolvida e, o que é mais grave, avocar para si a função de censora de textos jornalísticos sobre o mercado de capitais, o que agride a Constituição Brasileira, que varreu a censura do sistema legal pátrio.

CONCLUSÃO E REQUERIMENTO

Em sendo CVM uma autarquia sem competência legislativa e desprovida de qualquer faculdade para inovar na ordem jurídica;

Em sendo a Instrução Normativa, em si, ato administrativo cujos efeitos restringem-se ao estreito âmbito da sua aplicação interna, a qual deverá ser sempre exercida nos estritos limites das leis em vigor e da própria Constituição Federal;

Em sendo a profissão de jornalista regulamentada pelo DL n° 972/69, regulamentado pelo Decreto n° 83.384/79, que foi alterado pela Lei n° 7.360/85, regulamentada pelo Decreto n° 91.902/85, ou seja, por normas jurídicas com posição hierárquica superior a uma simples Instrução Normativa;

Em sendo a liberdade de manifestação do pensamento, das idéias e das informações, assegurada pela Norma Constitucional e seguida pela legislação ordinária que a regula, conforme foi dito;

Em tendo sido a censura expressamente abolida no sistema jurídico brasileiro pela Constituição de 1988 que declara, expressamente, no §1º do art. 220: "Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço a plena liberdade de iliformação jornalística em qualquer veículo de comunicação social...";

Em sendo a República Federativa do Brasil um Estado Democrático de Direito (art. 1°, CF/1988), dentro do qual o próprio poder público se submete à ordem jurídica que instituiu, por ser esta regra estrutural da democracia;

Em sendo o objetivo da referida Instrução CVM o de criar "Normas de Conduta" a serem aplicadas à atividade jornalística e de imprensa e de tal fato ferir leis específicas e a Constituição no País;

Conclui-se por tudo o que foi dito e devidamente fundamentado, que o art. 2°-A, seu parágrafo único, bem como seus incisos, I, II e III, da proposta de alteração da Instrução CVM n° 388 de 30 de abril de 2003 deverão ser excluídos da referida Norma, por serem atos manifestamente ilegais e inconstitucionais e, portanto, desprovidos de qualquer conteúdo que os legitime dentro do sistema legal brasileiro, o que desde logo se requer.

Sendo o que tínhamos a apresentar, somos,

Atenciosamente

Lourival J. Santos

Diretor jurídico

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