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"Resto de asfalto": Empregada receberá R$ 10 mil por discriminação racial no trabalho

A decisão destaca a gravidade das ofensas e a responsabilidade do empregador em garantir um ambiente respeitoso e livre de preconceitos.

24/11/2024

Uma funcionária de um supermercado localizado em Minas Gerais será compensada com R$ 10 mil por danos morais, após ter sido alvo de ofensas repetidas e discriminação no ambiente laboral devido à sua cor de pele. A decisão foi proferida pela juíza convocada Luciana Nascimento dos Santos, que apresentou o voto condutor que resultou na condenação da empresa por não ter tomado as devidas providências para proteger a trabalhadora.

Os membros da 8ª turma do TRT da 3ª região concordaram de forma unânime com a relatora, mantendo a sentença da juíza da 14ª vara do Trabalho de Belo Horizonte.

A funcionária relatou que, durante mais de um ano, foi chamada por colegas com apelidos racistas, como "escurinha", "neguinha" e "resto de asfalto". Mesmo após ter comunicado o gerente da loja sobre a situação, nenhuma ação foi realizada para interromper as ofensas.

Em de março de 2023, após mais um episódio de insultos, a funcionária decidiu registrar um boletim de ocorrência, detalhando as agressões verbais que sofria, o que gerou repercussão interna na empresa. Em resposta ao boletim, a empresa advertiu o funcionário responsável pelas ofensas e atendeu ao pedido da trabalhadora para ser transferida para outra unidade. O supermercado alegou que as ofensas eram meras "brincadeiras" entre colegas.

O ofensor reiterou que suas palavras eram apenas "brincadeiras" e pediu desculpas, afirmando que não tinha a intenção de ofender. A empresa declarou que, após o incidente, começou a implementar medidas de conscientização em treinamentos para combater práticas discriminatórias.

Trabalhadora chamada por colegas de "escurinha", "negrinha" e "resto de asfalto" será indenizada.(Imagem: AdobeStock)

Na decisão, a relatora considerou as ofensas como injúrias raciais graves, ressaltando que, além de ferirem a dignidade da trabalhadora, a omissão do supermercado ao tratar o caso como algo trivial também foi um fator relevante.

A decisão enfatizou a necessidade de combater o chamado "racismo recreativo", que tenta justificar comportamentos racistas como simples "brincadeiras". A magistrada destacou que o fato de o ofensor ser negro não diminui a ofensa nem altera a gravidade do ato. Isso se deve ao fato de que não há lógica em considerar essa circunstância como uma autorização para ofensas desse tipo, especialmente porque ficou comprovado no processo que as injúrias ofendiam a honra da profissional.

“Com efeito, é dever do empregador zelar por um ambiente de trabalho onde haja respeito, que seja harmonioso, seguro e sadio, inclusive psicologicamente, para seus empregados, impedindo e reprimindo a prática de condutas censuráveis por parte de seus prepostos, empregados e colaboradores de forma geral. Na espécie, induvidoso que os fatos narrados violaram direitos afetos à personalidade da reclamante, sendo presumíveis os efeitos negativos do fato no seu íntimo. Intuitiva a dor emocional e psíquica, frustração, perplexidade, angústia, humilhação, bem como sentimentos de desamparo. Inegável a quebra do equilíbrio psicológico, bem-estar e da normalidade da vida. Presentes, pois, os pressupostos para o acolhimento da pretensão indenizatória (art. 186 e 927 do Código Civil).”

Na decisão, a magistrada aplicou ao caso os princípios do julgamento com perspectiva de gênero, reconhecendo que a trabalhadora, uma mulher negra, pertence a um grupo histórico e socialmente vulnerável, o que aumenta a responsabilidade do empregador em coibir e punir condutas discriminatórias.

“Importante destacar que a discriminação racial, independentemente do dolo do agente e da susceptibilidade psicológica da vítima, é uma agressão grave, que fere direitos de personalidade e causa dano in re ipsa, sobretudo em uma análise do caso sob perspectiva de gênero, considerando que a autora, uma mulher negra, se insere em grupo vulnerável e historicamente discriminado, o que torna ainda mais grave a omissão patronal, circunstância que deve ser considerada no arbitramento da indenização. Cumpre acentuar que o sofrimento moral é insuscetível de quantificação monetária, por tanger à esfera íntima do ser humano, e, por mais elevado que possa ser o quantum indenizatório, a reparação figura apenas como um paliativo pela dor moral suportada.”

Assim, o colegiado fixou a indenização em R$ 10 mil, levando em conta a gravidade do caso e o impacto emocional sofrido pela operadora de loja. A decisão também destacou que as empresas têm a obrigação de garantir um ambiente de trabalho livre de discriminação e voltado para a preservação e o respeito aos direitos dos trabalhadores.

Confira aqui o acórdão.

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