Ministério Público tem legitimidade para ajuizar ação civil pública com o escopo de tutelar direitos individuais homogêneos de consumidores quando vícios ocultos presentes em automóveis transcendem interesses particulares. Assim decidiu a 3ª turma do STJ na tarde desta terça-feira, 24.
No caso concreto, determinou-se o retorno dos autos à origem para que se dê prosseguimento ao processo.
O recurso envolve consumidores afetados por defeito presente em alguns modelos de automóveis da Suzuki. Os usuários alegaram o retorno de gases do combustível à cabine dos ocupantes quando os veículos eram submetidos a temperatura igual ou superior a 35°C, o que teria gerado riscos de incêndio ou explosão, além de intoxicação dos passageiros. Também foi apontada trepidação do volante.
Conforme narrado no julgamento, em uma mesma viagem, haveria 13 proprietários do mesmo modelo, Jimny, dos quais 9 apresentaram o mesmo problema de insegurança. Foram citados, também, vícios envolvendo o veículo Vitara.
Vício oculto
O MP/BA ajuizou ação civil pública contra a fabricante de automóveis apontando vício oculto em automóvel adquirido no ano anterior. Apontou que foi instaurado inquérito civil público com a ampliação do objeto investigado e evidenciou-se um novo vício oculto no citado modelo, além de 15 reclamações colhidas no site Reclame Aqui. Outros 7 consumidores teriam instado o MP, confirmando os fatos narrados.
O parquet requereu a procedência da ação, para que a requerida fosse condenada ao pagamento de indenização em razão dos prejuízos materiais e morais sofridos pelos consumidores, além de dano moral coletivo, com reparação de R$ 300 mil a ser revertida ao fundo federal dos direitos do consumidor.
O TJ/BA, embora tenha reconhecido a defesa dos consumidores na referida ação civil, entendeu pela ilegitimidade ativa do MP, por entender ausente a relevância social. O processo, assim, foi extinto sem resolução do mérito.
Em recurso ao STJ, o propósito consistia em definir se houve negativa de prestação jurisdicional e se o MP detém legitimidade para ajuizar ACP com o escopo de tutelar direitos individuais homogêneos de consumidores quando vícios ocultos presentes em automóveis transcendem interesses particulares.
Julgamento
Quando do início do julgamento, o relator, ministro Villas Bôas Cueva, deu provimento ao recurso. Ele foi acompanhado por Humberto Martins.
Ministro Marco Aurélio Bellizze divergiu, negando provimento ao recurso, no que foi acompanhado por Moura Ribeiro.
Na sessão desta terça-feira, a ministra Nancy Andrighi desempatou a análise.
Ministra Nancy Andrighi observou que a doutrina define o interesse individual homogêneo como um direito individual "acidentalmente coletivo". Para S. Exa., o interesse individual homogêneo é, na origem, individual, mas alcança a coletividade, e passa a ostentar relevância social, tornando-se indisponível quando tutelado.
A ministra citou a obra "A natureza jurídica do direito individual homogêneo e sua tutela pelo MP como forma de acesso à Justiça", de Humberto Dalla Bernardina de Pinho, e entendeu que a transcendência da esfera de interesses particulares passa a envolver valores jurídicos que importam à comunidade como um todo.
Nesse sentido, ela citou precedente do STF (RE 631.111) e pontuou que "há certos interesses individuais que quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente particulares, passando a representar mais que a soma dos interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade”.
“No microssistema processual da tutela coletiva, que envolve a lei da ação popular, da ACP e o CDC, a legitimidade ativa para defesa dos interesses metaindividuais foi contemplada a uma diversa categoria de legitimados extraordinários, e nesse elenco está no MP. (...) De fato, se o interesse individual homogêneo tutelado possui relevância social e transcender a esfera de interesses dos efetivos titulares da relação jurídica de consumo, tendo reflexos práticos em uma universalidade de potenciais consumidores, que, de forma sistemática e reiterada sejam afetados pela prática apontada como ilegal, a legitimidade ativa do MP estará caracterizada.”
Na hipótese em exame, a ministra entendeu que os interesses tutelados dizem respeito a uma universalidade dos atuais e potenciais consumidores dos veículos apontados na inicial, não se restringindo o potencial de dano a um único consumidor.
Para ela, os defeitos apontados nos veículos ultrapassam os limites do interesse puramente particular do consumidor que adquiriu o produto, ofendendo direitos superiores e coletivos, correspondentes à proteção da vida, à saúde, à segurança dos consumidores, como também a efetiva prevenção de danos patrimoniais e morais.
Assim, votou por acompanhar o relator, dando provimento ao recurso e determinando o retorno dos autos à origem para que se dê prosseguimento ao processo.
- Processo: REsp 2.127.585