A criatividade impulsiona o desenvolvimento humano, podendo ser usada para o bem ou para o mal. O ajuizamento de ações massificadas e idênticas contra um mesmo réu, visando ganho, é um exemplo negativo.
Só no Estado de São Paulo, estima-se que a chamada litigância predatória, gerou, em média, 337 mil novos processos por ano no período de 2016 a 2021, o que levaria a um déficit anual de aproximadamente R$ 2,7 bilhões. No período estudado, o impacto seria, portanto, superior a R$ 16 bilhões. É isso o que estima a corregedoria Geral de Justiça do Estado, em estudo realizado a partir de dados do Numopede - Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas do Tribunal.
Segundo Bárbara Félix Freitas Vieira, sócia do escritório Marcelo Tostes Advogados, a prática consiste em criar disputas artificiais, as chamadas "fake lides", captando clientes de maneira desonesta, prometendo resultados impossíveis e cobrando honorários excessivos.
De acordo com a advogada, os grande alvos desses fraudadores são, de um lado, idosos ou pessoas com pouco conhecimento jurídico e de outro, instituições financeiras, empresas de telefonia, concessionárias de energia elétrica e grandes varejistas.
"O advogado predatório vai na vulnerabilidade da sociedade e ali ele capta um cliente e acaba se enriquecendo desonestamente", explica Bárbara.
Veja a entrevista:
A advogada pontua que a prática sempre existiu, porém, com a modernização e a tecnologia, ela se disseminou.
"Hoje, é possível distribuir ações em vários Estados, o que facilita o aumento do volume de litígios predatórios. No entanto, o volume por si só não caracteriza a litigância predatória.”
Segundo a advogada, além da repetição nas ações, para caracterizar a litigância predatória, é preciso levar em conta, por exemplo, petições padronizadas, artificiais e com teses genéricas, feitas em nome de pessoas vulneráveis. Por isso, Bárbara ressalta a delicadeza em se identificar e penalizar esse tipo de fraude.
“É uma linha bem tênue que a gente tem que tomar bastante cuidado para poder analisar.”
Com isso, a causídica diz preferir o termo "demandas predatórias" ou "litigâncias predatórias" a "advocacia predatória" para não generalizar e envolver toda a classe dos advogados.
"Quem atua nessa litigância, que, na verdade, é artificial e inexistente, é uma pequena parte dos advogados. A maioria dos advogados trabalha de forma ética, correta e clara", destaca.
Sanções e combate
Segundo Bárbara, a prática da litigância predatória gera insegurança aos brasileiros, impactando financeiramente as vítimas e o sistema Judicial.
"A sociedade sente essa insegurança, e isso tem um grande impacto financeiro. Esse é um dos maiores problemas das demandas predatórias na nossa sociedade.”
Embora as consequência a quem ajuiza demandas predatórias possa alcançar o âmbito criminal, isso requer muitos elementos probatórios.
"É sensível mencionar que o advogado é ou não predatório sem provas robustas. Por isso, evitamos usar termos como 'crime' sem evidências claras."
Na tentativa de barrar esse tipo de prática, o Judiciário tem tomado medidas de contenção. Bárbara cita, por exemplo, o julgamento do tema 1.198, que definirá se o magistrado pode exigir do advogado a complementação de documentos que comprovem a lide.
"Esse tema é crucial para o combate às demandas predatórias. A decisão do STJ pode nos dar mais força para lutar contra essas práticas", comenta Bárbara.
Além disso, os tribunais contam com o Numopede - Núcleo de Monitoramento de Perfis de Demandas, que monitora ações suspeitas e sinaliza os juízes sobre possíveis fraudes.
"O juiz pode aplicar multas por má-fé e acionar a OAB para medidas administrativas, incluindo suspensão e até cassação do advogado."
Com isso, Bárbara tem esperança que a prática ilegal seja cada vez mais identificada e punida.
"A luta continuará firme, e teremos um embasamento legal maior para enfrentar esse problema", conclui.