A ministra Daniela Teixeira, do STJ, concedeu habeas corpus para trancar ação penal contra mulher acusada de tentativa de aborto. Na decisão, a relatora ressalta a importância do sigilo profissional entre médico e paciente e destaca a ilicitude das provas obtidas mediante violação desse sigilo.
A paciente foi denunciada pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 121, §2º, I e III e 211, caput, do Código Penal, ou seja, homicídio qualificado por motivação torpe e com emprego de asfixia, e ocultação de cadáver. Posteriormente, houve o aditamento da denúncia para a inclusão do crime de aborto, provocado pela gestante, na modalidade tentada.
O TJ/MG negou o habeas corpus inicial, sustentando que o trancamento de ação penal por meio de habeas corpus só é admissível em casos excepcionais, onde não há necessidade de análise aprofundada das provas.
A defesa apresentou diversas alegações no recurso, incluindo:
- A ilicitude das provas devido à violação do sigilo médico.
- A violação do artigo 207 do CPP, que proíbe depoimentos de pessoas que devem guardar segredo profissional.
- O fato de que o médico, ao atender a paciente, violou o sigilo ao chamar a polícia.
- A prisão da mulher no hospital, algemada, violou a Súmula Vinculante 11 do STF.
A ministra Daniela Teixeira, após uma análise detalhada, decidiu pela concessão do habeas corpus, fundamentando sua decisão em pontos cruciais:
- O trancamento da ação penal por meio de habeas corpus é possível em caráter excepcional quando há comprovação da inépcia da denúncia, atipicidade da conduta, ou ausência de indícios de autoria ou materialidade do delito.
- No caso específico, a autoridade policial só tomou conhecimento dos fatos devido à comunicação feita pelo médico, violando o sigilo profissional.
- A violação do sigilo pelo médico não se justificava por justa causa, dever legal, ou consentimento da paciente.
- As provas obtidas através da violação do sigilo médico são ilícitas e não podem fundamentar uma ação penal.
Segundo a ministra Daniela Teixeira, o sigilo médico é uma exigência fundamental da vida social, protegida por lei e princípios éticos. A violação desse sigilo, sem justa causa ou consentimento, é ilegal e compromete a integridade das provas obtidas dessa maneira.
"Inquestionável, portanto, que o dever de sigilo, imposto legal e eticamente ao médico, não pode ser violado por sua livre vontade ou por suas convicções pessoais. E não pode ele, com informações obtidas a partir de um atendimento médico em contexto acobertado pelo sigilo, dar causa a investigação criminal da paciente, comunicando fato à polícia e nem mesmo contribuir, posteriormente, com depoimento, em processo em andamento, durante fase de instrução probatória, como ocorreu no presente feito."
Com a decisão, a ação penal foi trancada. O caso será encaminhado ao Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais e ao Ministério Público local para que sejam tomadas medidas pertinentes quanto à conduta do médico que comunicou os fatos à polícia, violando o sigilo profissional.
O advogado Alberto Zacharias Toron, do escritório Toron, Torihara e Cunha Advogados, atua na defesa.
- Processo: RHC 181.907
Veja a decisão.