Na sessão plenária do STF, da última quarta-feira, 22, durante o debate a respeito da existência de dolo ou culpa nas produções de jornalistas e órgãos de imprensa que causam danos a terceiros, ministro Dias Toffoli ressaltou que, apesar dos danos causados por abordagens mal apuradas ou sensacionalistas, a imprensa também pode atuar como um vetor de retratação, corrigindo e denunciando injustiças.
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Toffoli destacou dois documentários nacionais de impacto: "Escola Base – Um Repórter Enfrenta o Passado" e "O Caso Evandro". Eles revisitaram casos criminais de alta repercussão social, reavivando histórias do sistema judicial brasileiro.
O ministro também ressaltou que a televisão aberta é importante na representação da cultura nacional. "Se não fosse pela televisão aberta, nunca teríamos tido produções como 'Escrava Isaura' e 'Sinhá Moça', que levaram a cultura brasileira para mais de 100 milhões de pessoas que dependem da TV aberta para seu lazer", afirmou Toffoli.
Veja o momento e, em seguida, outros documentários de grande importância para rediscutir o sistema de Justiça nacional:
Escola Base – Um Repórter Enfrenta o Passado
Em 1994, a Escola de Educação Infantil Base, localizada na Aclimação, São Paulo, foi alvo de falsas acusações de abuso sexual. Os pais de duas crianças afirmaram que seus filhos haviam sido abusados na escola.
A denúncia rapidamente ganhou repercussão, sendo amplamente divulgada pela mídia. Jornalistas, emissoras de TV e jornais publicaram matérias sensacionalistas ampliando o escândalo.
Manchetes transformaram os proprietários da escola, Icushiro Shimada e Maria Aparecida Shimada, além dos funcionários Paula Teixeira, Mara Cristina Tavares, Saulo Ferreira de Castro e Angélica M. Eichemberger, em monstros aos olhos do público. A cobertura intensa resultou em linchamentos morais, vandalismo e ameaças de morte contra os acusados.
Com o avanço das investigações, ficou claro que não havia provas concretas para sustentar as acusações. Exames médicos não confirmaram abusos, e as alegações eram inconsistentes. A Polícia Civil de São Paulo foi criticada por sua atuação precipitada e pela falta de rigor na apuração dos fatos.
Eventualmente, o caso foi arquivado por falta de provas. No entanto, o dano já estava feito: as vidas dos acusados foram irreparavelmente afetadas, a escola foi destruída, e os envolvidos enfrentaram graves consequências emocionais, sociais e financeiras.
Os proprietários e funcionários processaram veículos de comunicação e o Estado por danos morais e materiais. Alguns processos resultaram em indenizações, mas nenhuma compensação foi suficiente para reparar os danos causados.195776
O citado documentário revisitou o caso, destacando as falhas na investigação e a responsabilidade da mídia na difusão das falsas acusações.
O Caso Evandro
O caso envolveu o desaparecimento, em abril de 1992, de Evandro Ramos Caetano, aos seis anos, em Guaratuba/PR. Os fatos ganharam destaqeupela complexidade, acusações de rituais de magia negra e questionamentos acerca da condução das investigações e processos judiciais.
Evandro desapareceu a caminho da escola. Seu suposto corpo foi encontrado mutilado em um matagal, com sinais de um possível ritual macabro, o que gerou grande comoção e revolta na população.
Logo após a descoberta do cadáver, a polícia prendeu várias pessoas, incluindo Beatriz Abagge e Celina Abagge, esposa e filha do então prefeito da cidade, acusando-as de participar de um ritual de magia negra que envolvia o sacrifício de Evandro. As confissões dos acusados foram obtidas sob circunstâncias controversas, com alegações de tortura e coerção pela polícia.
Os acusados enfrentaram um longo e tumultuado processo judicial, marcado por reviravoltas, recursos e questionamentos sobre a validade das provas e confissões.
Beatriz e Celina Abagge foram inicialmente condenadas, mas recorreram, alegando que suas confissões haviam sido obtidas mediante tortura. Em 2011, quase duas décadas após o crime, Beatriz Abagge foi novamente julgada e condenada, mas a sentença foi revertida em 2016, quando foi absolvida após uma reavaliação das provas e das circunstâncias das confissões.
O documentário "O Caso Evandro", dirigido por Aly Muritiba e Michelle Chevrand, revisita o caso com detalhes meticulosos, incluindo entrevistas com os envolvidos, gravações inéditas e análises de especialistas.
A série destaca as inconsistências nas investigações e o uso de métodos de tortura para obter confissões, levantando sérias dúvidas sobre a culpabilidade dos acusados. Baseado no podcast "Projeto Humanos", de Ivan Mizanzuk, o documentário teve um impacto significativo ao reavivar o interesse pelo caso e expor possíveis injustiças cometidas durante o processo.
Juízo
O documentário "Juízo", dirigido por Maria Augusta Ramos e lançado em 2007, oferece uma visão profunda e crítica do sistema de Justiça juvenil no Brasil. O filme acompanha audiências de adolescentes infratores no TJ/RJ, destacando a complexidade e as falhas do sistema judicial.
Filmado ao longo de dois anos, "Juízo" utiliza uma abordagem de observação direta, sem narração ou entrevistas tradicionais. A diretora segue jovens em audiências, utilizando atores para representar os adolescentes, enquanto juízes, promotores e defensores públicos reais desempenham suas funções.
A obra, disponível no YouTube, revela como a pobreza e a falta de oportunidades contribuem para a delinquência juvenil, questiona a imparcialidade do sistema de justiça juvenil, mostrando a dificuldade em proporcionar julgamentos justos. Além disso, expõe o dilema entre reabilitação e punição, sugerindo que o sistema é mais punitivo do que reabilitador.
O Estopim
Dirigido por Rodrigo Mac Nivem e lançado em 2014, "O Estopim" é um documentário que mergulha profundamente no caso Amarildo e em suas repercussões.
O filme não só reconta a história do desaparecimento de Amarildo, mas também contextualiza o incidente dentro da violência policial e da desigualdade social no Brasil.
O documentário apresenta entrevistas com familiares de Amarildo, moradores da Rocinha, ativistas dos direitos humanos e autoridades envolvidas no caso. Também utiliza imagens de arquivo, incluindo reportagens de notícias e gravações das manifestações que ocorreram em resposta ao desaparecimento.
Ele desempenhou um papel crucial ao manter o caso Amarildo na consciência pública, contribuindo para a pressão por Justiça e reformas no sistema policial.
Papel da TV
A fala de Toffoli ressalta que produções audiovisuais têm o poder de revisitar, questionar e até mudar narrativas judiciais. Embora a televisão, por vezes, tenha atuado com pouca responsabilidade e espetacularizado casos, é um meio essencial para democratizar o acesso à cultura e à informação diversa. Os documentários brasileiros também desempenham um papel crucial na busca pela verdade e pela Justiça.