Nesta quarta-feira, 8, o STF retomou julgamento de dispositivo da lei das estatais (lei 13.303/06) que restringe a nomeação de políticos para cargos de direção de empresas públicas. O julgamento foi suspenso devido ao avançado da hora e será retomado na quinta-feira, 9.
Os ministros discutem a constitucionalidade de duas questões:
- A proibição de que ex-ocupantes de cargos políticos sejam nomeados para cargos de direção ou conselhos de administração de empresas estatais.
- A imposição de uma quarentena de 36 meses para que quem exerceu funções em estruturas decisórias de partidos políticos ou campanhas eleitorais possa integrar a diretoria ou o conselho de uma empresa estatal.
Até o momento, sete ministros votaram com posicionamentos diversos. Os ministros Dias Toffoli, Nunes Marques, Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e André Mendonça consideraram constitucionais os dispositivos que impedem a nomeação de políticos.
Por outro lado, o relator, ministro Ricardo Lewandowski (atualmente aposentado), considerou possível a nomeação de políticos para cargos de direção.
Já o ministro Flávio Dino votou contra a quarentena estabelecida na lei e defendeu que políticos possam assumir cargos de direção em estatais, desde que não sejam órgãos reguladores ou supervisores das entidades em que atuaram anteriormente.
Em relação à quarentena, os ministros Nunes Marques e Luís Roberto Barroso propuseram uma redução do período de 36 para 21 meses.
Alguns ministros também votaram pela modulação de efeitos. Inicialmente, Mendonça argumentou que, caso a lei fosse considerada constitucional, todos os nomeados até então deveriam deixar seus cargos. Posteriormente, ele afirmou estar disposto a seguir a posição dos ministros Barroso, Moraes e Toffoli, que sugeriram manter nos cargos os que já foram nomeados, caso este fosse o entendimento final do tribunal.
Restrição
A lei das estatais (lei 13.303/16), sancionada por Michel Temer em 2016, buscou fortalecer a governança das empresas públicas, protegendo-as contra influências políticas indevidas.
No entanto, o PCdoB questionou dispositivos que restringem a nomeação de conselheiros e diretores que ocupem determinados cargos públicos ou tenham atuado nos três anos anteriores em partidos políticos, ou campanhas eleitorais.
A restrição, prevista no art. 17, § 2º, I e II, proíbe representantes de órgãos reguladores, ministros de Estado, secretários estaduais e municipais, ocupantes de cargos de direção e assessoramento na administração pública e dirigentes partidários de serem nomeados para esses cargos.
A legenda argumenta que essas regras violam os Direitos constitucionais à igualdade, liberdade de expressão e autonomia partidária. Além disso, afirma que tais restrições afastam profissionais qualificados que poderiam contribuir para as estatais. O partido defende que uma concorrência livre permitiria ao Estado selecionar os melhores candidatos.
Manifestação da PGR
O então PGR, Augusto Aras, inicialmente posicionou-se contra o pedido do partido, mas revisou seu entendimento e recomendou ao STF a declaração de inconstitucionalidade das vedações. Ele argumentou que essas restrições ferem direitos fundamentais, como a participação política dos indivíduos, e não estão fundamentadas na Constituição.
Governo e PGFN
O governo Lula criticou a norma, ressaltando que instituições como o TCU, a PF, o MP e o Judiciário são capazes de investigar e prevenir irregularidades. Argumentou, ainda, que a antecipação do receio trata a atividade política como infratora e sanciona injustamente os envolvidos.
Em contraste, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional defendeu a legitimidade das vedações, afirmando que são proporcionais e evitam conflitos de interesses, garantindo que interesses partidários não prevaleçam sobre o interesse público.
Votos
O relator, ministro Lewandowski, hoje aposentado, votou por suspender parcialmente a vedação, considerando possível a indicação, para estatais, de ministros de Estados, secretários estaduais e municipais e outros ocupantes de cargos; e por manter a quarentena de 36 meses apenas aos que ainda participam ativamente de partidos políticos.
- Confira o voto.
Na sequência, votou o ministro André Mendonça, inaugurando divergência. Após destacar a importância da lei das estatais, S. Exa. reconheceu a constitucionalidade dos dispositivos, e votou por mantê-los integralmente.
Na sessão desta quarta-feira, 8, o ministro fez complemento a seu voto para afirmar que vê uma relação de causalidade entre a melhora dos números de resultados das Estatais e a entrada em vigor da referida lei.
Mendonça explicou que os dirigentes que eventualmente entraram nas estatais em situação abarcada pela liminar do relator o fizeram dentro de contexto de legitimidade; mas, se a Corte validar os dispositivos, não deve haver direito de permanência.
Em seguida, ministro Dias Toffoli adiantou seu voto, manifestando-se pela constitucionalidade e higidez da lei. Mas, para S. Exa., devem ser mantidas as nomeações ocorridas na vigência da liminar de Lewandowski, sem prejuízo de se discutir eventual proporcionalidade do tempo de quarentena. Diferentemente de Mendonça, Toffoli entendeu que os dirigentes que entraram na vigência da liminar têm continuidade garantida.
Ao apresentar voto-vista, ministro Nunes Marques acompanhou a posição de André Mendonça no sentido da validade dos dispositivos questionados.
Mas, para o ministro, deve ser revisto o prazo de quarentena previsto na lei. Assim, propôs adotar como solução a média aritmética entre os dois prazos: o fixado no inciso II, art. 6ª da lei 2.813/03 - lei de conflito de interesse, e da lei 13.303/06 - lei das estatais. O prazo a ser fixado seria, portanto, a soma dos dois prazos (6 + 36 = 42), dividido pelas duas normas, que daria a média de 21 meses.
Votou, assim, por declarar a constitucionalidade do inciso I, § 2º, do art. 17 da lei 13.303/06, dando interpretação conforme a CF para adequá-lo à cláusula do devido processo legal material, e reduzir o prazo de quarentena para 21 meses.
Ministro Flávio Dino, a seu turno, afirmou que “não existe canonização por concurso público e não existe demonização pela participação na política”. S. Exa. ressaltou que é falsa a ideia de que qualquer indicação "técnica" resultará em um padrão mais alto de probidade do que uma indicação política.
Veja o momento:
Ao final, votou pela procedência parcial do pedido para dar interpretação conforme à CF ao inciso I, § 2º, do art. 17 da lei das estatais, excluindo a possibilidade de ministro, secretario de diretoria ou conselho de administração integrarem quadro de diretoria quando se tratar de órgão regulador ou supervisor da entidade. Ademais, votou pela invalidade do inciso II do mesmo dispositivo (período de quarentena).
Ministro Alexandre de Moraes afirmou que o Congresso Nacional, agindo com base na CF, estabeleceu critérios para a indicação de pessoas aos conselhos de administração e diretorias das estatais. Segundo S. Exa., ao fazer isso como uma opção legislativa, esses critérios são razoáveis, proporcionais e adequados.
Portanto, considerou improcedentes os pedidos apresentados e reconheceu a constitucionalidade dos dispositivos. Ademais, acompanhou a posição do ministro Dias Toffoli para que os nomeados, até então, permaneçam em seus cargos.
Ministro Luís Roberto Barroso votou no mesmo sentido, afirmando que a lei reflete a liberdade de conformação do legislador, em prol da eficiência e da moralidade, sendo, portanto, uma decisão política tomada por quem tem competência. O presidente da Corte destacou que não se trata de violação a um direito fundamental, pois não há um direito fundamental específico à ocupação desses cargos.
Causa e efeito
Na sessão desta quarta-feira, André Mendonça fez um aditamento a seu voto, levando ao plenário dados novos. Em seu complemento, citou números que demonstrariam prejuízo das Estatais em 2014 e 2015 e a reversão do quadro em 2016, quando entrou em vigor a lei das estatais. “Saímos de 2015 com prejuízo de 32 bilhões para um lucro líquido, em 2022, de 275 bilhões”, afirmou.
André Mendonça reforçou convicção de que a redação dos textos impugnados é constitucional, na sua íntegra. "Mais do que isso: estão em consonância, esses dispositivos, à boa governança pública", completou.
Neste momento, ministro Gilmar Mendes fez um aparte para dizer que gostaria de estar tão seguro quando o ministro André na relação de causalidade que se estabeleceu entre a lei das estatais e a melhoria do resultado obtido.
Para o decano, “não parece adequado considerar que há relação de causalidade direta entre a lei das estatais e os resultados financeiros positivos apresentados pelas estatais no próprio ano de 2016 e nos subsequentes”.
"Considero não razoável imaginar que uma lei que introduziu mecanismo de tamanha complexidade, como é o caso da lei 13.303/16, teria de acarretar resultados tão significativos em tão curto espaço de tempo – basicamente de forma simultânea à sua entrada em vigor. [...] A variação do resultado líquido das estatais observado na última década é muito melhor explicada, a meu ver, por fatores outros, notadamente externalidades de caráter macroeconômico."
O ministro citou a variação do PIB no período, e que a variação do resultado líquido das estatais acompanhou este gráfico, em grande medida. Além disso, mencionou os anos de 2014 e 2015 como os mais críticos da crise econômica enfrentada pelo Brasil. Portanto, os resultados das estatais teriam refletido essa tendência, assim como a variação do preço do barril de petróleo, entre outros pontos.
Ministro Flávio Dino também fez um aparte para dizer que se deve ter muito cuidado com a relação de causalidade, e deu um exemplo: uma pesquisa nos Estados Unidos teria mostrado que, simultaneamente ao fim do Orkut, a longevidade das pessoas aumentou. A conclusão foi: “o fim do Orkut aumenta idade média das pessoas”. Após risos dos pares, o ministro afirmou: “realmente, é muito necessário ter cuidado com as relações de causalidade, para evitar raciocínios que não têm suporte empírico”.
- Processo: ADIn 7.331