Nesta quinta-feira, 25, o plenário do STF suspendeu a análise de três ADIns que debatem a autoridade do MP para instaurar e conduzir investigações criminais.
O julgamento foi retomado com a apresentação do voto do ministro Flávio Dino, seguido pelos demais membros do tribunal. O único ministro que ainda não votou é o presidente da Corte, Luís Roberto Barroso. Os demais seguiram o entendimento de Fachin, relator da ação, que proferiu voto em colaboração com ministro Gilmar Mendes, no sentido de que são necessários critérios objetivos para delimitar a atuação do parquet.
Em 2015, a Corte já havia reconhecido, por maioria, que o MP possui poder investigativo de natureza penal (RE 593.727), ressalvadas hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e respeitados direitos e garantias do investigado.
Nesta tarde, os ministros fizeram diversas sugestões para aprimoramento da tese em seus votos. Veja um resumo dos posicionamentos:
Caso
A ADIn 2.943 proposta pelo PL - Partido Liberal questiona dispositivos das leis que regem os MPs estaduais e o MPU. A ação desafia especificamente o art. 26 da lei 8.625/93 (Lei Orgânica dos MPs Estaduais), que autoriza o parquet instaurar inquéritos civis e procedimentos administrativos, bem como os arts. 7º, 30 e 150 da LC 75/93, que estabelecem funções institucionais similares para o MP.
Já as ADIns 3.309 e 3.318 propostas pela ADEPOL - Associação dos Delegados de Polícia do Brasil contestam resoluções que detalham a organização, atribuições e estatuto do MPU, e que regulamentam a instauração e tramitação de procedimentos investigatórios criminais dentro do parquet.
Voto conjunto
Ministro Fachin, relator das ações, em voto conjunto com ministro Gilmar Mendes, destacou cinco premissas relevantes na fundamentação de seu posicionamento:
- O monopólio de poderes como um convite ao abuso de poder.
- A capacidade do MP para conduzir investigações criminais deriva de sua função essencial de proteger preceitos fundamentais.
- Todo poder-dever deve estar sujeito ao controle legítimo do Poder Judiciário.
- No Estado Democrático de Direito não há espaço para arbitrariedade ou discricionariedade no uso da força letal, sendo obrigatória a investigação pelo MP sempre que houver suspeitas de envolvimento de agentes de segurança pública em atos penais.
- A condução de investigações sérias e imparciais pelo Estado requer que os órgãos oficiais de perícia operem com independência e autonomia.
Ademais, S. Exa. defendeu que a atuação investigativa do MP deve ser subsidiária, focando na cooperação interinstitucional e não no isolamento.
Salientou que a polícia judiciária é a responsável principal pelo esclarecimento dos fatos, enquanto o MP deve intervir apenas quando as investigações policiais não forem satisfatórias.
Nessas situações, o MP deve documentar as razões para conduzir a investigação, registrar o inquérito junto ao órgão judiciário competente, respeitar os direitos e garantias legais, justificar sua aptidão para a investigação, observar os prazos para conclusão dos inquéritos e submeter as atividades ao controle judiciário.
Fachin também propôs a modulação dos efeitos da decisão para preservar atos já realizados, exigindo o registro de inquéritos em andamento, sem denúncia formalizada, em até 60 dias após a publicação da ata do julgamento. Adicionalmente, destacou que, uma vez registrado, é obrigatório observar os prazos de conclusão e necessário um pedido judicial para qualquer prorrogação da investigação.
S. Exa. enfatizou que qualquer investigação realizada por membros do MP deve ser registrada junto ao órgão judiciário, garantindo que o procedimento esteja sob supervisão jurisdicional inafastável.
Ao final, propôs a procedência parcial das ADIns, sugerindo que os dispositivos questionados sejam interpretados conforme a CF.
Tese
A seguinte tese foi proposta:
"I. O Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas sempre por seus agentes as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e também as prerrogativas profissionais de que se achem investidos, em nosso país, os advogados. Sem prejuízo da possibilidade, sempre presente no Estado Democrático de Direito, do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados, praticados pelos membros dessa instituição.
II. A realização de investigações criminais pelo Ministério Público pressupõe:
- Comunicação ao juiz competente sobre a instauração e encerramento de procedimento investigatório com o devido registro e distribuição;
- Observância dos mesmos prazos previstos para conclusão de inquéritos policiais.
- Necessidade de autorização judicial para eventuais prorrogações, sendo vedadas renovações desproporcionais e imotivadas.
III. É obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional, a instauração de procedimento investigatória pelo Ministério Público, sempre que houver suspeita do envolvimento de agentes dos órgãos de segurança pública, na prática de infrações penais, ou sempre que mortes, ferimentos graves ou outras consequências sérias ocorram em virtude da utilização de armas de fogo por esses mesmos agentes.
IV. Nas investigações de natureza penal o Ministério Público pode requisitar a realização de perícias técnicas, devendo a União, os Estados e o DF, no prazo de 2 anos, promoverem medidas legislativas para assegurar a independência e autonomia dos órgãos oficiais de perícias, de forma a impedir a ascendência funcional dos órgãos de polícia sobre as carreiras dos peritos técnicos científicos."
Ressalvas
Ao proferir voto, ministro Flávio Dino apresentou ressalvas quanto a tese proposta.
S. Exa. esclareceu que a exigência de autorização judicial para a prorrogação de inquéritos deve aplicar-se somente aos casos de investigados presos, conforme estabelecido no julgamento da ADIn 6.298 e no art. 3º, b, VIII do CPP.
O ministro também expressou apoio a ideia de que o MP exerça, mais efetivamente, o controle externo da atividade policial. Afirmou que a postura está alinhada à sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso "Honorato e outros x Brasil", a qual determinou que o país deve organizar o MP para exercer adequadamente o controle sobre a polícia, instaurando procedimentos autônomos em casos de crimes cometidos por agentes de segurança pública.
Nesse sentido, o ministro sugeriu que o item III da tese original fosse modificado para refletir a redação proposta pela Corte Interamericana.
Dino argumentou contra a imposição de obrigatoriedade de atuação do MP sob pena de responsabilidade funcional, alegando objeções jurídicas baseadas no art. 127 e seguintes da CF, que conferem autonomia institucional ao MP. Propôs, então, que o item III fosse reescrito para incluir uma referência à decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Acerca do item IV da tese, o ministro defendeu a autonomia técnica das perícias. No entanto, ressaltou que, no sistema processual brasileiro, onde o inquérito é presidido por um delegado, frequentemente surgem divergências.
Assim, em tais situações, deve prevalecer a diretriz legal (art. 6º, VII, do CPP), que confere à autoridade policial a prerrogativa de determinar a realização de perícias. Propôs, portanto, uma restrição na tese quanto à previsão de autonomia técnica das perícias, assegurando que isso não comprometa a autonomia dos delegados no âmbito dos inquéritos.
Além disso, o ministro Dino fez duas propostas de acréscimo às teses. Primeiro, sugeriu a eliminação da tese de subsidiariedade entre polícia e MP, reconhecendo uma atribuição concorrente, o que pode gerar efeitos indesejáveis.
Para mitigar esses efeitos, propôs no item II adicionar o subitem IV, estabelecendo uma diretriz axiológica para que polícia, MP e Judiciário evitem a duplicidade investigativa, incluindo a adoção de distribuição por dependência conforme resolução a ser editada pelo CNJ.
Prevenção
Ministro Alexandre de Moraes acompanhou o relator e, ao discutir as sugestões feitas pelo ministro Flávio Dino, argumentou que não seria necessária uma regulamentação adicional pelo CNJ.
Segundo S. Exa., independentemente de qual procedimento — PIC ou inquérito policial — seja iniciado primeiro, aquele que chegar ao conhecimento de um juiz deve automaticamente implicar que este juiz tome conhecimento do segundo procedimento, evitando sobreposições.
Adicionalmente, Moraes introduziu um novo item, o V, estabelecendo que, na ocorrência de investigações concorrentes sobre os mesmos fatos — um inquérito policial e um PIC —, a distribuição do procedimento instaurado por último deve ser feita por prevenção ao magistrado já designado para o caso.
S. Exa. enfatizou que o MP deve ter atribuição concorrente, não subsidiária, com a polícia judiciária para conduzir investigações de natureza penal, por prazo razoável e por autoridade própria.
Além disso, propôs inclusão na redação do subitem II do item II da tese, especificando que o art. 18 do CPP deve ser aplicado no arquivamento do PIC.
Moraes também defendeu que a autonomia funcional do membro do MP deve prevalecer na decisão sobre a instauração de procedimentos investigatórios. Sugeriu uma reformulação textual para refletir que "o Ministério Público deverá analisar a necessidade de instaurar procedimento investigatório sempre que houver suspeita de envolvimento de agentes de segurança pública em infrações penais, ou em casos de mortes, ferimentos graves ou outras consequências sérias resultantes do uso de armas de fogo por estes agentes", removendo a pena de responsabilidade funcional anteriormente prevista.
Quanto à independência dos órgãos de perícia, o Ministro propôs que, em vez de se criar novos órgãos em dois anos, é mais vital garantir a autonomia funcional dos peritos na produção de laudos. Portanto, sugeriu uma redação que enfatiza a capacidade do MP de requisitar perícias técnicas, assegurando a plena autonomia funcional dos peritos envolvidos.
O voto de Moraes foi acompanhado pelo ministro Dias Toffoli.
Sugestões
Por sua vez, ministro Cristiano Zanin, ao votar na tese, apresentou algumas sugestões visando clarificar e aprimorar o texto. S. Exa. propôs que, no item II da tese, seja adicionada a palavra “imediata” para especificar o momento da comunicação do encerramento e do início de um inquérito ao juízo, mitigando possíveis confusões e desencontros entre a instauração de inquérito e PIC.
Além disso, sugeriu a inclusão de uma norma de prevenção de competência jurisdicional para assegurar que não haja questionamentos sobre a competência do juiz envolvido.
Em relação ao item III da tese, ministro Zanin expressou preocupação com a obrigatoriedade da instauração de procedimentos investigatórios. Ressaltou que os membros do MP devem ter a prerrogativa de avaliar as circunstâncias de cada caso — especialmente em situações que envolvam ferimentos ou mortes — para determinar se existem indícios suficientes de ilícitos penais antes de instaurar um procedimento investigatório. Sugeriu, portanto, a remoção ou substituição da palavra “obrigatória” para conferir maior discricionariedade aos procuradores.
Quanto ao item IV, Zanin reconheceu a importância da autonomia dos órgãos de perícia, mas observou que a tese atual poderia entrar em conflito com os arts. 158 e seguintes do CPP, que tratam da realização de corpo de delito e outras perícias. Assim, propôs uma adaptação ao texto para evitar alegações de nulidade em perícias realizadas por institutos de criminalística, especialmente aqueles que possam ter vínculos com a polícia ou outros órgãos, assegurando a conformidade com o CPP.
Lógica procedimental
Em seu voto, o ministro André Mendonça enfatizou a importância de se estabelecer uma lógica procedimental clara no processo administrativo de investigação, seja um PIC ou um inquérito, particularmente em casos de atuação simultânea do MP e da autoridade policial. Manifestou apoio ao acréscimo do subitem IV, no item II da tese, que visa assegurar a racionalidade procedimental.
Relativamente ao item III da tese, Mendonça abordou a questão da necessidade de autorização judicial para prorrogações de inquéritos. Reforçou o ponto levantado inicialmente pelo ministro Edson Fachin, ressaltando que o art. 3º, b, VIII do CPP especifica a necessidade de definir prazos de duração para inquéritos envolvendo investigados presos.
No entanto, Mendonça considerou que a exigência não se limita apenas a esses casos. Argumentou que o caput do art. 3º, d, atribui ao juiz das garantias amplas responsabilidades pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela proteção de direitos individuais, sugerindo que a autorização judicial para prorrogações deve ser uma norma geral aplicável a todas as investigações.
Também destacou a necessidade de modular a interpretação do texto para evitar uma extensão excessiva da autonomia e da independência técnica das perícias, assegurando que as diretrizes se alinhem adequadamente com os princípios legais e constitucionais.
Concordância
Ministra Cármen Lúcia alinhou-se à visão de atribuição concorrente para o MP, como defendido por Moraes, e destacou a importância de comunicação imediata ao juízo sobre o início e o término das investigações, visando prevenir duplicidades e assegurar a correta prevenção jurisdicional.
A ministra concordou com Moraes acerca da necessidade de fundamentar a não abertura de procedimentos investigatórios pelo MP e apoiou a ideia de que não deve haver um prazo fixo de dois anos para medidas legislativas que busquem garantir a independência dos órgãos de perícia.