O Senado aprovou nesta terça-feira, 16, em dois turnos, a proposta que inclui na Constituição Federal a criminalização da posse e do porte de qualquer quantidade de droga ilícita. A PEC 45/23 teve 53 votos favoráveis e nove contrários no primeiro turno, e 52 favoráveis e nove contrários no segundo turno. O texto segue para a Câmara dos Deputados.
Apresentada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, a PEC acrescenta um inciso ao art. 5º da Constituição Federal para considerar crime a posse e o porte, independentemente da quantidade de entorpecentes e drogas sem autorização ou em desacordo com a lei. Segundo a proposta, deve ser observada a distinção entre o traficante e o usuário pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicando aos usuários penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência.
Art. 1º O caput do art. 5º da Constituição Federal passa a viger acrescido do seguinte inciso LXXX:
“Art. 5º ...................................................................
.................................................................................
LXXX – a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar.
....................................................................” (NR)
Art. 2º Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data da sua publicação.
Pacheco esclareceu que a PEC faz uma ressalva sobre a impossibilidade da privação de liberdade do porte para uso de drogas. “Ou seja, o usuário não será jamais penalizado com o encarceramento”, disse. Ele também destacou que a utilização de substâncias derivadas de drogas ilícitas para uso medicinal não será afetada pela PEC.
Atualmente, a lei 11.343, de 2006, conhecida como lei das drogas, estabelece que é crime vender, transportar ou fornecer drogas. A pena é de reclusão de cinco a 15 anos, além de multa. Adquirir, guardar, transportar ou cultivar drogas para consumo pessoal também é considerado crime pela lei atual, mas neste caso as penas previstas são advertência, medidas educativas e prestação de serviços à comunidade. A legislação não estabelece uma quantidade de entorpecentes que diferencie os dois delitos.
Ao justificar a apresentação da PEC, Rodrigo Pacheco argumenta que não há tráfico de drogas se não há interessados em adquiri-las. “O traficante de drogas aufere renda – e a utiliza para adquirir armamento e ampliar seu poder dentro de seu território – somente por meio da comercialização do produto, ou seja, por meio da venda a um usuário final”, diz.
Votação no STF
A aprovação da PEC pelo Senado é uma resposta ao STF, que também avalia a questão do porte de drogas. O julgamento do tema foi suspenso em março por um pedido de vista apresentado pelo ministro Dias Toffoli. Antes da interrupção, o julgamento está 5 votos a 3 para a descriminalização somente do porte de maconha para uso pessoal.
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No recurso analisado, o STF julga a constitucionalidade do artigo 28 da lei das drogas. Para diferenciar usuários e traficantes, a norma prevê penas alternativas de prestação de serviços à comunidade, advertência sobre os efeitos das drogas e o comparecimento obrigatório a curso educativo para quem adquirir, transportar ou portar drogas para consumo pessoal.
A lei deixou de prever a pena de prisão, mas manteve a criminalização. Dessa forma, usuários de drogas ainda são alvo de inquérito policial e de processos judiciais que buscam o cumprimento das penas alternativas.
No caso concreto que motivou o julgamento, a defesa de um condenado pede que o porte de maconha para uso próprio deixe de ser considerado crime. O acusado foi detido com 3 gramas de maconha.
Sessões de discussão
A primeira sessão de discussão da matéria em primeiro turno foi realizada em 19 de março. A segunda sessão de discussão foi no dia seguinte. A terceira sessão de discussão ocorreu em 26 de março. Em 9 de abril foi realizada a quarta sessão de discussão. A votação desta terça-feira foi precedida pela quinta sessão de discussão, como manda a Constituição.
Discursaram favoráveis à aprovação da PEC sobre drogas os senadores Magno Malta, Dr. Hiran, Plínio Valério, Marcos Rogério, Alessandro Vieira, Ireneu Orth, Izalci Lucas, Esperidião Amin, Rogério Marinho, Wilder Morais, Jayme Campos, Jorge Seif, Otto Alencar, Eduardo Braga, Mecias de Jesus, Eduardo Girão, Flávio Bolsonaro, Ciro Nogueira, Rodrigo Cunha, Damares Alves e outros. Eles defenderam que é o Congresso Nacional que deve traçar políticas públicas sobre drogas, não o STF.
Também argumentaram que a descriminalização da maconha em outros países aumentou o tráfico e o consumo da droga, inclusive entre menores de 18 anos, e potencializou doenças psíquicas. Segundo os defensores da proposta, pesquisas já mostraram que a grande maioria da população brasileira é contrária à descriminalização das drogas devido aos danos à saúde pública e à segurança pública.
“A realidade é que esse tipo de interferência indevida, equivocada, um ativismo judiciário absolutamente inócuo vai ter a consequência de um prejuízo grave para a sociedade. Não há nenhuma demonstração prática de que essa decisão do Supremo, sem uma resposta do Congresso, vá gerar qualquer tipo de benefício: não vai melhorar para a saúde pública, porque todos os indicadores dos países que foram nesse sentido são de aumento da dependência, aumento do consumo; não vai melhorar a parte econômica, porque as outras etapas do processo não estão legalizadas”, disse Alessandro Vieira.
Discursaram pela rejeição da PEC 45/23 os senadores Humberto Costa, Rogério Carvalho, Beto Faro, Renan Calheiros, Jaques Wagner, Zenaide Maia e outros. Eles defenderam que o STF não legisla, mas tem que se posicionar quando provocado e tem que interpretar as leis de acordo com a Constituição. Também argumentaram que a proposta não inova a legislação e vai continuar a “criminalizar a pobreza”, aumentando ainda mais a prisão de pessoas pobres e negras com pequenas quantidades de entorpecentes. Além disso, afirmaram que a aprovação não mudará em nada a realidade do consumo ou do tráfico de drogas no país.
“Não será entupindo as cadeias que nós vamos resolver os problemas das drogas no Brasil”, disse Jaques Wagner.
Repercussão na imprensa
A aprovação da proposta foi repercutida nos principais jornais do país na manhã de hoje. Os matutinos destacaram que o texto é uma "reação ao STF". Veja as manchetes: