A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP), por meio das Comissões Temáticas da Igualdade Étnico-Racial e de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, e o Fórum Justiça promoveram, nos dias 22 e 23/2, o "I Encontro da Frente Afro-Indígena das Defensoras e dos Defensores Públicos do Brasil". O evento ocorreu no auditório da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), em Brasília.
O encontro teve por objetivo incentivar as atividades de capacitação junto a membros(as) e servidores(as) da Defensoria Pública, com foco em problemáticas relacionadas ao atendimento aos(às) usuários(as) da Instituição, a partir de uma ótica étnico-racial. A ideia foi promover discussões a partir de falas de especialistas e ativistas para romper com a reprodução de violências sistêmicas, inclusive dentro das Defensorias Públicas.
A abertura do evento contou com as presenças da presidenta da ANADEP, Rivana Ricarte; da co-coordenadora do Fórum Justiça, Mônica de Melo; da secretária de acesso à justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Sheila de Carvalho; da secretária nacional de políticas sobre drogas e gestão de ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Marta Machado; do diretor de defesa dos direitos humanos do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Felipe Iraldo Biasoli; da coordenadora-geral de garantia de direitos e acesso à justiça da Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as mulheres do Ministério das Mulheres, Camila Neves; e do presidente do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE), Oleno Matos.
Rivana Ricarte mencionou que o evento marcou o lançamento oficial da Comissão de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, criada em 2023. Segundo ela, para além do agrupamento de defensores(as), as comissões apontam o direcionamento institucional em determinadas pautas. "Essa Comissão chega para somar a atuação da ANADEP e demonstra o compromisso associativo voltado para as questões indígenas e de atuação de defensoras e defensores públicos que se debruçam nesta temática em todo o Brasil", destacou.
Já Mônica de Melo, que é defensora pública de São Paulo, registrou que o lançamento da Frente é resultado do aquilombamento de defensoras públicas e de defensores públicos que, ao longo dos últimos anos, vêm sereunindo em torno das temáticas étnico-raciais e, que tais articulações, resultaram na criação da Frente Afro-Indígena.
A co-coordenadora ressaltou que o Encontro é um momento de celebração e de reflexão em torno da construção de um sistema de justiça mais plural e inclusivo. "É um momento importante de celebração, mas a gente sabe que a gente tem muito trabalho pela frente. O Fórum Justiça atua para que exista um sistema de justiça representativo do ponto de vista de gênero, raça e de classe. É um momento que a gente se nutre de esperança e de troca", registrou.
Por sua vez, Sheila de Carvalho trouxe indagações sobre a democratização do acesso à justiça. A secretária elencou as possibilidades de participação social e os desafios da agenda no Brasil. "Hoje eu trabalho em uma via dupla. A primeira via é fazer com que essa justiça seja acessível e a Defensoria Pública é um marco para que as pessoas alcancem e acessem essa justiça. Mas temos outra via: que é fazer com que essa justiça tenha a cara do Brasil. Tem coisas que não podem ser ensinadas no livro; tem coisas que o Vade Mecum não consegue traduzir. Para isso, a gente precisa que a população brasileira esteja representada nos espaços de decisão. Hoje no Governo isso tem sido um desafio", explica.
Após a abertura oficial do Encontro, houve palestras relacionadas à temática do evento. Entre os temas debatidos, estão: o acesso de representantes indígenas e quilombolas ao "Sistema das Nações Unidas através do programa de bolsas do Alto Comissariado das Nações Unidas para os direitos humanos (Acnudh)”, que contou com a participação de Joanderson Pankararu, indígena do povo Pankararu e integrante do ACNUDH; e da defensora pública Aléssia Tuxá, coordenadora da comissão de defesa dos direitos dos povos indígenas da ANADEP e a 1ª defensora pública indígena do Brasil.
Houve também a palestra “A mulher negra com deficiência, autora de sua própria história”, que contou com a participação de Thaís Augusta, ativista de direitos humanos, mulher preta com deficiência e superintendente de políticas públicas para pessoas com deficiência do estado de Mato Grosso; e da defensora pública Carla Caroline, coordenadora da comissão de igualdade étnico-racial da ANADEP.
O último painel do evento foi “Entre raça autopercebida e socialmente atribuída no contexto de direito antidiscriminatório e ações afirmativas”, que contou com a participação da advogada travesti preta, Robeyoncé Lima; e da defensora pública de São Paulo e da co-coordenadora do Fórum Justiça, Mônica de Melo.
Nos dois dias de evento houve apresentações de defensoras e defensores públicos que inscreveram trabalhos voltados para o aperfeiçoamento profissional no campo de atuação afro-brasileiro. Os(as) participantes foram:
- Ana Cláudia da Silva Alexandre Storch (MG): Atuação Defensorial Contracolonialista em defesa dos direitos afro-indígensa - a busca da solução consensual e aplicação do diálogo interétnico e intercultural;
- Ayla Tapajós e José Tarisson da Silva Nawa (DPU): A comunicação como produção de conhecimento e estratégia de enfrentamento e luta dos povos indígenas na DPU;
- Bianca Cavalcante Oliveira (MS): Vozes não ouvidas: o lugar das mulheres indígenas encarceradas no Mato Grosso do Sul;
- Carolina Morishita Mota Ferreira (MG): Construção de inserção da comunidade quilombola de Pontinha no Programa de Transferência de renda;
- Elceni Diogo da Silva (RR): Central de atendimento e peticionamento inicial (CAPI INDÍGENA);
- Gleidson Renato Martins Dias (DPU): análise do Hino Rio-Grandense;
- Isabela do Amaral Sales e André Beltrão (AM): Mutirões de atendimento a povos indígenas de recente contato;
- João Mateus Silva Fagundes Oliveira (MG): Cidadania, Democracia e Justiça ao Povo Makali;
- Karla Leite (PI): Vozes dos Quilombos.
- Lucas Colares Pimentel, Bianca Cavalcante Oliveira, Elis Fernanda Conrado e Jordana Moura Dutra (MS): Documentar para regularizar;
- Márcia Mesquita Barros e Renata Tavares (RJ): processo de legalização de terreiros/Casas de Matriz Africana;
- Mônica Alves da Costa e Daniele Bellettato Nersala (MG): Os povos indígenas warao e a rede local de proteção de crianças e adolescentes nos municípios mineiros;
- Olga Lemos (MS): Relatório de violações de direitos humanos constatadas a partir de relatos de indígenas, organizações não governamentais e repercussões de mídias;
- Rachel Aparecida de Aguiar Passos (MG): O acesso à cidadania pelas comunidades quilombolas através do fomento e do desenvolvimento de políticas públicas de igualdade. Um estudo de caso;
- Rafael Mello Portella Campos (ES): A atuação da DPEs nos territórios indígenas Tupiniquim e Guarani do Espírito Santo;
- Vanessa Alves Vieira (SP): Curso de Formação de Jovens Defensores e Defensoras Populares por uma escola antirracista;
- Vinícius Conceição Silva (SP): Atuação do NUDIR no combate às fraudes de cotas raciais em universidades públicas.
Oficina inédita no sistema de justiça
A programação do Encontro contou ainda com a oficina a "Oficina de Direito Fundamental à Consulta e Consentimento, Protocolos Comunitários e Procedimento Administrativo de Consulta e Consentimento”, que foi conduzida pelo defensor público do Pará, Johny Fernandes, e pela defensora pública de Roraima, Jeane Xaud. Esta é a primeira vez que tal iniciativa é realizada no âmbito do sistema de justiça, neste formato.
No âmbito da programação houve o lançamento do sumário executivo da pesquisa "Quilombos e acesso à justiça: atuação da Defensoria Pública". Os dados refletem a atuação das Defensorias estaduais e da União no acesso à justiça por parte das mais de 6 mil comunidades ou localidades quilombolas de todo o país.
A pesquisa é uma iniciativa da ANADEP, Fórum Justiça (FJ), Defensoria Pública da União (DPU), Núcleo Afro do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Afro-Cebrap), Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e o Conselho Nacional de Ouvidorias Externas de Defensorias Públicas do Brasil. O projeto é executado pelo LaPPA - Laboratório de Pesquisa e Extensão com Povos Tradicionais, Ameríndios e Afroamericanos do IFCH/UNICAMP.
O lançamento contou com a participação de Oriel Rodrigues, consultor para assuntos relacionados a quilombos e advogado na Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ); José Maurício Arruti, professor doutor do departamento de antropologia da UNICAMP e pesquisador do laboratório de pesquisa e extensão com povos tradicionais, ameríndios e afro-americanos (Lappa); Gabrielle Nascimento, da assessoria de pesquisa do Fórum Justiça; e Norma Miranda Barbosa, presidenta do Conselho Nacional de Ouvidorias Externas das Defensorias Públicas do Brasil.
Por fim, houve a leitura da Carta do I Encontro da Frente Afro-indígena das Defensoras e dos Defensores Públicos do Brasil. O documento reúne uma série de iniciativa que visam o compromisso por uma Defensoria Pública diversa, social e racialmente referenciada, engajada na luta e nas práticas antirracistas, verdadeiramente contra majoritária, contra hegemônica e contra colonial.
O evento contou com a participação de representantes das Associações Estaduais e do DF, defensores(as) públicos(as) gerais, membros(as) das comissões temáticas da ANADEP e representantes dos Ministérios. Ao todo, o evento reuniu cerca de 100 participantes.