Nas próximas quinta e sexta-feira, o Estado brasileiro será julgado na Corte Interamericana de Direitos Humanos, na Costa Rica, por suposta omissão nas investigações e falta de responsabilização pelo assassinato e desaparecimento forçado de lideranças de trabalhadores sem-terra da Paraíba.
Serão analisados os assassinatos ocorridos no contexto de conflito por terras e luta pela reforma agrária do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, em 1997, e de Almir Muniz da Silva, desaparecido em 2002.
A iniciativa de submeter os casos na Corte foi da Associação dos Trabalhadores Rurais do Assentamento Almir Muniz, da Comissão Pastoral da Terra da Paraíba e das organizações Dignitatis e Justiça Global.
Caso Manoel Luiz
Na quinta-feira (8/2), a Corte analisará se o Estado brasileiro foi omisso e não cumpriu a obrigação de investigar e punir os responsáveis pelo homicídio de Manoel Luiz da Silva.
Ele foi assassinado a tiros em São Miguel de Taipu/PB em maio de 1997, aos 40 anos. A vítima deixou a esposa, grávida de dois meses, e um filho de quatro anos.
O caso chegou a ser investigado pela CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que o remeteu para julgamento da instituição ligada à OEA - Organização dos Estados Americanos.
Ao concluir o parecer em novembro de 2021, a CIDH afirmou que, apesar das inúmeras provas que apontavam os responsáveis pelo crime, “a omissão da polícia com relação às diligências essenciais inviabilizou a persecução penal dos responsáveis, entre eles do autor intelectual”.
O órgão responsável por promover os direitos humanos nas Américas lembrou ainda que “uma das pessoas acusadas foi absolvida, que as demais ainda não foram julgadas, que as deficiências probatórias não foram sanadas e que não se esgotaram todas as linhas de investigação, o que é incompatível com o dever de investigar com a devida diligência”.
O representante da Comissão Pastoral da Terra na Paraíba, João Muniz, destacou que o caso de Manoel Luiz é mais um entre tantos agricultores assassinados no Brasil por lutar pela terra.
Caso Almir Muniz
Na sexta-feira (9/2), a Corte IDH julgará o caso de Almir Muniz da Silva, que desapareceu em 29 de junho de 2002 em Itabaiana/PB. À época, Almir era uma ativa liderança na associação de trabalhadores rurais do município e denunciava a formação de milícias privadas no Estado.
O documento da CIDH aponta para o envolvimento de policiais civis no desaparecimento do trabalhador, além de indicar que faltaram diligências para investigar o caso.
“A investigação interna foi arquivada sem esclarecimento dos fatos nem a sanção das pessoas responsáveis”, concluiu a Comissão Interamericanas de Direitos Humanos ao enviar, em maio de 2023, o caso para julgamento da Corte IDH.
A instituição concluiu ainda que a liderança rural “foi assassinada por um agente da polícia, com o desaparecimento dos seus restos, e que as autoridades atuaram com o consentimento ao não levar a cabo uma investigação com buscas imediatas e diligências”.
Para a comissão, a impunidade pela morte de Almir Muniz teve o efeito de amedrontar o movimento de trabalhadores rurais e, por isso, “o Estado brasileiro é responsável pela violação do direito à liberdade de associação” dos trabalhadores da região.
O advogado do Justiça Global, Eduardo Baker, disse que esse julgamento é o primeiro caso do Brasil envolvendo desaparecimento forçado no contexto da reforma agrária.
Representação do Brasil
O presidente da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas da Abracrim - Advocacia Criminal da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, Aury Lopes Jr., será o representante do Brasil no julgamento do dia 8.
Ele foi indicado como perito para depor sobre o ordenamento penal e processual penal brasileiro, em particular, as normas e a jurisprudência sobre concurso de pessoas, garantias penais e regras de citação.
"Em caso de condenação, o Estado brasileiro poderá ser obrigado a indenizar os familiares da vítima, bem como implantar diversas medidas tendentes a melhoria do funcionamento do sistema de justiça e também de políticas públicas de prevenção e apuração da violência agrária, combate a impunidade e efetivação da reforma agrária, entre outras", explica Aury Lopes Jr.
Os julgamentos terão transmissão ao vivo pelo canal da Corte no YouTube.
Informações: Agência Brasil.