Não se mostra razoável fixar alimentos em valor baixo para que pai possa oferecer conforto à namorada ou à sua genitora.
Foi o que destacou a juíza de Direito Felícia Jacob Valente, da 3ª vara de Família e Sucessões de SP, ao ressaltar, ainda, o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero do CNJ e a "economia de cuidado" da mãe.
No caso em questão, criança, representada por sua genitora, ingressou com uma ação de alimentos contra o pai. Em sua contestação, ele alegou não ter condições de arcar com o valor solicitado, uma vez que já destina 70% do salário-mínimo para sua outra filha, além de ajudar sua namorada a pagar um aluguel no montante de R$ 1 mil. Adicionalmente, contribui financeiramente para as despesas da casa e do carro de sua mãe.
Diante desse cenário, o genitor argumentou que a mãe de sua filha também tem a obrigação de contribuir para o sustento da criança. Nesse sentido, ele propôs o pagamento de R$ 925 a título de pensão alimentícia, ao mesmo tempo em que solicitou a condenação da mãe por litigância de má-fé e impugnou o benefício da gratuidade de Justiça concedido a ela.
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Ao analisar o caso, a magistrada ressaltou que a autora é criança presumidamente hipossuficiente e sua genitora apenas a representa, sendo que os rendimentos por ela auferidos não justificam a revogação da gratuidade à incapaz.
"Economia do cuidado"
Quanto aos argumentos do pai, a juíza destacou que, segundo o protocolo de julgamento com perspectiva de gênero do CNJ consta um tópico denominado "divisão sexual do trabalho" no qual são lançadas as perspectivas históricas para julgamento do feito conforme as condições político, sociais e econômicas de nossa sociedade.
Ela destacou o trabalho feito pela mãe denominado "economia de cuidado", que consiste em muitas horas e tempo dedicado ao cuidado com a casa e com pessoas, como dar banho, fazer comida, faxinar a casa, comprar os alimentos que serão consumidos, cuidar das roupas (lavar, estender e guardar), prevenir doenças com boa alimentação e higiene em casa e remediar quando fica ou está doente, além de fazer café da manhã, almoço, lanches e jantar e educar.
"A economia do cuidado é essencial para a humanidade. Todos nós precisamos de cuidados para existir. Embora tais tarefas não sejam precificadas, geram um custo físico, profissional, psíquico e patrimonial de quem os exerce. No caso in comento, como já dito, é a genitora do menor quem arca com todas estas tarefas e referida contribuição não pode ser menoscabada."
Valor módico
Além disso, a magistrada repreendeu o argumento de que o pai ajuda com o aluguel da namorada e despesas da casa de sua genitora. Segundo a juíza, "não se mostra razoável fixar os alimentos devidos à filha do réu em valor módico para que ele possa oferecer conforto à namorada ou à genitora dele".
"Pessoas adultas têm o dever de se sustentar e se o réu quer conceder benefícios à sua mãe ou namorada, pode e deve fazê-lo, mas não à custa de sua filha."
A juíza também chancelou a alegação de que o pai tem outra filha. "Inegável o dever de sustento deste outro filho, mas se o réu tem outro filho, isso não constitui motivo para fixar o valor dos alimentos em valor tão modesto quanto ele pretende, especialmente considerando os rendimentos que ele aufere."
"Em outras palavras, a escolha de vasta prole não pode ser suscitada como motivo para fixar os alimentos em valor que não atenda às necessidades mínimas do infante pois além de fomentar a paternidade irresponsável, transferiria para a genitora a quase totalidade da obrigação financeira que é de ambos (pai e mãe)."
Opção de renda suficiente
Por fim, a juíza ainda salientou que é dever dos genitores em buscar a obtenção de renda suficiente para garantir as necessidades básicas de sua prole, em atenção aos direitos fundamentais da criança e do adolescente, assim como ao princípio da paternidade responsável e do planejamento familiar.
"Assim, ao escolher ter vasta prole, o esforço deve vir do réu em alçar seus rendimentos de maneira a atender minimamente as necessidades de todos os filhos."
Diante disso, fixou os alimentos em 16,5% dos rendimentos líquidos do genitor. Na hipótese de ausência de vínculo empregatício, ele terá de pagar o mesmo percentual sobre o seguro-desemprego e, em permanecendo a perda do vínculo empregatício, deve pagar a importância de 100% do salário-mínimo vigente.
- Processo: 1018311-98.2023.8.26.0007
O caso, patrocinado pelo advogado Bruno Campos de Freitas, tramita em segredo de Justiça.