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Insalubridade na função do policial militar

O texto analisa a evolução histórica das normas sobre insalubridade e periculosidade no trabalho, destacando a proteção aos policiais militares.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Atualizado em 7 de janeiro de 2025 12:09

1 Introdução

No mundo contemporâneo, a humanidade vivencia a reconfiguração do pensamento ocidentalizado, cujas relações sociais estão, cada vez mais, estruturadas através de dispositivos tecnológicos interligados via internet. Nesse cenário sociomidiático, as relações interpessoais são delineadas pelo processo interacional de referência midiatizado. A sociedade vivencia os desdobramentos da midiatização e a emergência de novos formatos de sociabilidade, valores, costumes e tendências comportamentais, cuja vida coletiva é regida por leis e normas, tal como é definido no Estado Democrático de Direito (Cataldi, 2022).

O Direito é uma ciência que está em constante devir, cuja natureza é representada pelo constante vir-a-ser, por representar a aplicabilidade do rigor da lei. Isto é, o Direito pode ser compreendido como sendo um fruto das Ciências Jurídicas. A tal ponto que o Direito tem sua relação intrínseca com a lei, assim como a alma está atrelada à alma (França e Coelho, 2023). Portanto, a lei é a aplicabilidade prática, matéria e substancial do Direito, pois o contexto sociocultural e político-econômico do Direito dá margem para o entendimento jurídico pautado na moldura do ordenamento jurídico.

A justificativa da realização desta pesquisa decorre do fato de haver lacunas normativas acerca da legislação pertinente à temática da insalubridade e periculosidade na atividade do policial militar. Contudo, a formulação de um problema pra introduzir o objeto desse estudo nas Ciências Jurídicas recai sobre as múltiplas definições e variadas doutrinas, que ora divergem e em outros momentos convergem em plena sintonia acerca da normatização jurídica do adicional de periculosidade aos agentes de segurança pública estadual: Polícia Civil, Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militar.

A relevância social em inserir a temática proposta nas arenas centrais das Ciências Jurídicas representa um esforço de dar visibilidade ao fato de ser dever do Estado garantir a ordem e a pacificação social, através de políticas públicas e legislações específicas que visam o enfrentamento ao aumento da violência urbana e os crimes violentos. A segurança pública é um direito de todos os brasileiros, tal como determina a CF/88.

O principal objetivo deste trabalho é analisar a possibilidade de percebimento e cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade aos policiais militares. A metodologia adotada será uma análise de revisão bibliográfica da literatura, com ênfase em livros e artigos mais atuais sobre o tema abordado.

Nesse cenário delineado, a Polícia Militar tem um papel relevante na segurança pública, cuja atuação do policial remete à preservação da ordem pública, no enfrentamento à criminalidade, ao perigo e ao dano. Cabe ao policial militar a missão de enfrentamento ostensivo à violência, marginalidade e criminalidade. Portanto, esse estudo busca responder à seguinte questão de pesquisa: À luz do ordenamento jurídico brasileiro, quais são os limites e admissões para a normatização do adicional de insalubridade e periculosidade para os policiais militares?

2 Periculosidade e insalubridade

A luta pela sobrevivência através do ofício é tão antiga quanto a existência da civilização. Nesta batalha, em que há relações de hierarquia entre empregador e empregado, a saúde do trabalhador é um bem incalculável e considerado um direito humano (Martins Filho, 2022). Em toda a história da humanidade, sempre existiu o trabalho considerado perigoso, insalubre e penoso, mas houve progressos no reconhecimento das questões da saúde e proteção do trabalhador.

O histórico do problema pode ser encontrado no ano de 1713, citando Bernardino Ramazzini, considerado pai da medicina do trabalho, que escreveu a intitulada "De morbis artificum diatriba" (As doenças de Trabalhadores), em que há relatos da experiência deste médico de operários; e uma segunda edição da obra relacionando 54 profissões do período. No trabalho deste médico italiano traduzido por Cataldi (2022), é possível ter uma visão sobre a determinação social da doença, através das suas contribuições metodológicas, de como abordou a relação saúde-doença dos trabalhadores, sistematizando o estudo das doenças e das profissões, bem como as relações do trabalho e do meio-ambiente, com ênfase na prevenção primária.

Portanto, há aproximadamente 300 anos já havia uma preocupação bem atual sobre as doenças adquiridas no trabalho e o risco oriundo de determinadas profissões. O próprio França e Coelho (2023, p.19) comenta que:

[...] os governos bem constituídos têm criado leis para conseguirem um bom regime de trabalho, pelo que é justo que a arte médica se movimente em favor daqueles que a jurisprudência considera com tanta importância, e empenhe-se [...] em cuidar da saúde dos operários, para que possam, com a segurança possível, praticar o ofício a que se destinaram.

Cataldi (2022, p.237), já comprovava a existência de trabalhos insalubres, antes da Revolução Industrial, ao dizer que:

[...] o variado campo semeado de doenças para aqueles que necessitam ganhar salário e, portanto, terão de sofrer males terríveis em consequência do ofício que exercem, prolifera, [...] devido a duas causas principais: a primeira, e a mais importante, é a natureza nociva da substância manipulada, o que pode produzir doenças especiais pelas exalações danosas, e poeiras irritantes que afetam o organismo humano.

A Revolução Industrial inglesa transformou os métodos de produção e, consequentemente, o trabalho, expondo a fragilidade do homem a novos riscos e doenças relacionadas às atividades econômicas. Mutilações, doenças ocupacionais, relações de trabalho injustas entre o empregado e empregador se intensificaram a ponto de utilizarem crianças e mulheres para aumentarem a produção a um custo menor. Martins Filho (2022, p.33) relata que muitos "obreiros perderam o controle do processo produtivo, antes artesanal, uma vez que passaram a trabalhar para um patrão que determinava regras e detinha as ferramentas (máquinas), a matéria prima e o lucro". A Inglaterra passou a ser um império econômico e tecnológico que além de exportar manufaturas, influenciou costumes de consumo às colônias exportadoras de matérias-primas, as quais, em sua grande maioria, ainda se utilizavam do trabalho escravo.

As máquinas agora determinavam a economia e as condições de trabalho, e necessitavam de energia proveniente do carvão extraído das minas inglesas. França e Coelho (2023) explica que os obreiros das minas inglesas Emile Zola de carvão, de tão expostos às condições insalubres e perigosas, causaram um clamor na sociedade, fazendo com que o Estado percebesse a importância da vida, pelos inúmeros acidentes e doenças nestes trabalhadores. Geralmente, todos os membros de uma família trabalhavam nas minas de carvão, e quando estes adoeciam não tinham garantias contratuais nem tratamentos assegurados, podendo ainda ser vendidos ou comprados por dívidas, o que poderia ser caracterizado como escravidão.

O Estado Inglês deixou de ser abstencionista para ser intervencionista nas relações de trabalho através dos primeiros decretos, entre 1774 e 1779, que objetivavam proteger os trabalhadores das minas de carvão. Cataldi (2022) relacionou os problemas de saúde na Revolução Industrial com os direitos humanos. A situação da população nas grandes cidades no período era de pobreza, devido à migração estimulada do campo para as cidades com fins de aumentar a mão de obra para a indústria. Esse sistema de exploração capitalista, decorrente da industrialização, motivou as lutas por melhores condições de trabalho. Os trabalhadores e suas formas de organizações reagiam aos métodos adotados na época de produção e passaram a reagir com relação às condições precárias e desumanas das indústrias. O Manifesto Comunista, em 1848, de Marx e Engels foi o resultado desse processo, acobertado por intelectuais e políticos que no campo sindical procuravam a regulação dos mercados.

O resultado dessa motivação da sociedade foi a resposta dada pelo Estado, ainda no séc. XIX, através dos primeiros decretos (entre 1774 e 1779) e outras leis protetivas que surgiram posteriormente e projetaram as políticas sociais. Meirelles (2022) comenta que apenas no século XX, em 1917, com a promulgação de uma nova Constituição do México, é que se deu o reconhecimento histórico aos direitos sociais na qualidade de direitos fundamentais e liberdades individuais em uma nação: Direito ao trabalho, à saúde, à educação e à previdência social.

Confira a íntegra do artigo.

Ricardo Nascimento Fernandes

Ricardo Nascimento Fernandes

Militar da Reserva, Professor Doutorando em Filosofia do Direito, Advogado Especialista em Direito Processual Civil, Direito Administrativo, Direito da Pessoa com Deficiência e Concurso Público, Escritor e Palestrante.

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Ana Paula Gouveia Leite Fernandes

Administradora e Advogada; Especialista em Concurso Público, Direito do Trabalho e Previdenciário.

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