A União deverá pagar indenização por danos morais à Maria Thereza Fontella Goulart, viúva do ex-presidente da República João Goulart, por perseguição política e exílio sofridos por ela e seus filhos durante o regime militar.
Segundo o juiz Federal substituto Bruno Risch Fagundes de Oliveira, da 4ª vara Federal de Porto Alegre/RS, a viúva foi injustamente privada do exercício de sua cidadania, pois a vigilância ostensiva mantida sobre Jango refletiu diretamente em sua família.
A ex-primeira-dama ingressou com a ação narrando que o esposo tinha uma carreira bem-sucedida no ramo agropecuário e também na política, tendo sido deputado Federal, ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, vice-presidente eleito nos governos de Juscelino Kubitschek e de Jânio Quadros.
Contou que, em 1961, com a renúncia deste último, Jango assumiu a Presidência e foi deposto, em 1964, com o golpe de Estado promovido pelas Forças Armadas. Pontuou que, nesta época, seus filhos tinham seis e oito anos e que, em 1º/4/64, foram retirados às pressas da Granja do Torto e embarcados em avião da Força Aérea para Porto Alegre/RS, com bagagem mínima, deixando a maioria de seus pertences para trás.
Segundo ela, seu patrimônio, que incluía joias e roupas de marca, não foi mais rastreado, tendo sido saqueado logo após sua saída de Brasília/DF. O rebanho de gado de suas fazendas também foi roubado, além de seus ativos pessoais.
A viúva ainda relatou que foram obrigados a sair do Brasil, indo buscar exílio no Uruguai, onde viveram até 1973, quando um golpe de Estado também foi realizado no país.
A família foi, então, para a Argentina, mas, em 1975, iniciaram as atividades da Operação Condor e, no ano seguinte, um novo golpe de Estado instaurou-se naquele país.
Ela afirmou que as tensões aumentaram com a descoberta de um plano para sequestrar seus filhos, assim eles foram enviados para Londres, onde seu neto nasceu. Ela destacou o período de dificuldades, incertezas e saudades, que se agravou com o falecimento de Jango.
Em sua defesa, a União ressaltou que a autora não sofreu prisões, torturas ou agressões pelo Estado e que ela já afirmou, em outras ocasiões, que a vida no exterior era confortável até a instalação dos regimes ditatoriais. Alegou ainda que a viúva, em entrevista para um telejornal, teria admitido que, mesmo no exílio, não sofrera grandes privações econômicas.
Direito de personalidade
Ao analisar o caso, o juiz Federal substituto Bruno Risch Fagundes de Oliveira pontuou que o dano moral decorrente do exílio por motivação exclusivamente política envolve injusta privação dos direitos da cidadania.
Ele entendeu que a suspensão dos direitos políticos do então presidente destituído “transcendeu os limites de sua própria esfera de direitos, impactando diretamente sua esposa e mãe de seus dois filhos. O grupo familiar do ex-presidente, como um todo, teve de suportar os danos decorrentes de tal ato de exceção, que se iniciaram com a fuga do território nacional e tiveram desdobramentos ao longo de mais de uma década e meia de perseguição política, assim reconhecida no processo administrativo que tramitou na Comissão de Anistia do Ministério da Justiça”.
O magistrado destacou que a “documentação pública que integra o Arquivo Nacional demonstra que, mesmo fora dos limites do território nacional, o Estado brasileiro manteve, por meio de cooperação com outros países, controle e vigilância ostensiva sobre o ex-presidente João Goulart. No contexto fático ocorrido e historicamente reconhecido, tenho que o ilegítimo monitoramento do ex-Presidente durante todo o exílio, por motivação exclusivamente política, inexoravelmente se estendeu à sua esposa, pois indissociável a vigilância da vida privada de um e de outro”.
Ele entendeu estar caracterizado o dano aos direitos da personalidade da autora e condenou a União ao pagamento de indenização de R$ 79.200,00.
Informações: TRF da 4ª região.