A reforma tributária, promulgada recentemente por meio da PEC 45/19, promoveu alterações que facilitam a elevação do ITCMD - Imposto de transmissão causa mortis e doação.
As mudanças ainda não foram aplicadas no ano de 2024. Mas, diante da expectativa de aumento na carga tributária decorrente da reforma, contribuintes aceleraram a realização de planejamentos patrimoniais e sucessórios para que seus bens pessoais e familiares não sejam atingidos pela esperada elevação do imposto.
Para entender melhor este movimento, Migalhas ouviu especialistas.
O advogado Mário Luiz Delgado destaca que a mudança mais relevante foi a introdução da regra de progressividade das alíquotas. Antes da reforma, o ITCMD incide sobre heranças e doações, abrangendo diversos tipos de bens e direitos, com alíquotas que variam de 2% a 8%, de acordo com cada Estado. A cobrança para bens imóveis ocorre no Estado onde o imóvel está situado, enquanto para bens móveis, a cobrança é feita no Estado onde ocorre o inventário.
Agora, com a PEC 45/19, o tributo terá uma alíquota progressiva conforme o valor do quinhão, legado ou doação. Além disso, não haverá cobrança em doações para instituições sem fins lucrativos de relevância pública e social, incluindo entidades religiosas, organizações assistenciais e institutos científicos e tecnológicos.
Veja como ficou a redação do art. 155 da Constituição com a reforma:
“Art. 155.
§ 1º (...)
II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde era domiciliado o de cujus, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal;
(...)
VI – será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação;
VII – não incidirá sobre as transmissões e as doações para as instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos, e por elas realizadas na consecução dos seus objetivos sociais, observadas as condições estabelecidas em lei complementar."
O especialista alerta que essas mudanças podem resultar em um aumento da carga tributária para aqueles contribuintes domiciliados em Estados que optem por instituir a progressividade com alíquotas maiores do que atualmente praticam.
“A título de exemplo, podemos citar o Estado de São Paulo que até o momento adota a alíquota fixa de 4%, e que, com a progressividade instituída pela Reforma, poderá elevá-la ao patamar de 8%, resultando, assim, em um aumento na carga tributária a ser suportada pelos contribuintes nele domiciliados”, acrescentou
Para Mário Luiz Delgado, a implementação de alíquotas progressivas, variando conforme o valor do patrimônio, sinaliza uma tentativa do legislador de onerar os mais ricos.
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Na mesma vertente opinou o advogado Sylvio Fernando Paes de Barros Júnior, afirmando que a progressividade provavelmente resultará em elevação da carga tributária, especialmente nos Estados que adotam alíquotas fixas. “Dificilmente a progressividade implicará diminuição na carga tributária, sendo esperado que os Estados que adotam a alíquota fixa estabeleçam a progressividade por elevação. E quanto maior o patrimônio, maior será a elevação."
Os especialistas também abordam outro aspecto importante da PEC relacionado à competência para cobrança do imposto. Antes atribuída ao Estado onde ocorria o inventário ou arrolamento, permitindo que herdeiros buscassem tabelionatos em Estados com alíquotas menores, agora a competência é do Estado onde a pessoa falecida tinha domicílio ou onde o doador reside.
Doações em vida
Sylvio Fernando sustenta que devido à expectativa de aumento na carga tributária decorrente da reforma, contribuintes aceleraram a realização de seus planejamentos patrimoniais e sucessórios para que seus bens pessoais e familiares não fossem atingidos pela esperada elevação do imposto.
Dados do Colégio Notarial do Brasil, representante dos tabeliães do país, indicam que, desde a aprovação da reforma tributária pela Câmara dos Deputados, houve um aumento de 22% no número de doações em vida em comparação com o mesmo período do ano anterior.
A entidade registrou um aumento no número de doações, passando de uma média mensal de 11,6 mil em 2022 para mais de 14,2 mil atos em agosto de 2023, logo após a aprovação da PEC.
Em termos absolutos, o Colégio também observou um crescimento nas doações nos meses de julho (13.188) e agosto (14.295) de 2023 em comparação com os meses anteriores à aprovação da PEC, quando a média mensal de atos de doação era de 11.114 escrituras solicitadas.
Para Mário Luiz Delgado, o crescimento do número de doações reflete o receio generalizado em relação ao aumento da carga tributária que virá com a progressividade. "Imagino que em 2024 o movimento de transmissões patrimoniais seja ainda maior", acrescentou o advogado.
Doador residente no exterior
Doadores residentes no exterior também são afetados pela reforma, que estabelece regras transitórias até a regulamentação da situação prevista na Constituição sobre doadores no exterior ou pessoas falecidas com bens no exterior.
No cenário de doadores no exterior, a responsabilidade pelo ITCMD recai sobre o Estado de domicílio do donatário. Se o donatário também residir no exterior, a cobrança será atribuída ao Estado onde o bem estiver localizado.
Quando se trata de heranças envolvendo bens fora do Brasil, o imposto pode ser exigido pelo Estado onde a pessoa falecida tinha domicílio. Caso a pessoa falecida resida no exterior, o ITCMD será devido ao Estado onde o herdeiro ou legatário tem domicílio.
Sylvio Fernando destaca que, antes da reforma, o STF já havia decidido que as leis estaduais que disciplinavam a cobrança do ITCMD de bens no exterior eram inconstitucionais. Agora, de acordo com o especialista, com a nova legislação, a decisão do Supremo perde o objeto, permitindo que os Estados disciplinem essa cobrança independentemente de lei complementar.
Aplicação
Por fim, Mário Luiz Delgado esclareceu que o ITCMD é um imposto estadual, ou seja, a modificação em sua forma de cobrança requer uma alteração na legislação estadual, competência exclusiva de cada Estado da Federação.
Dessa forma, diante das mudanças propostas pela reforma, o advogado destacou a necessidade de aguardar uma proposta de alteração legislativa, a qual deve respeitar os princípios da anterioridade anual e nonagesimal. Em outras palavras, as novas alíquotas só poderão ser aplicadas no ano subsequente à sua aprovação, com um prazo mínimo de 90 dias de antecedência.
O advogado acredita que se a alteração for aprovada até final de setembro, herdeiros e doadores terão até 31 de dezebro de 2024 para utilizarem as alíquotas atuais.