Migalhas Quentes

Projeto quer reduzir jornada sem corte no salário; advogados analisam

A proposta prevê uma exceção para os casos em que a redução salarial seja pactuada entre trabalhadores e empregadores por meio de convenção coletiva de trabalho.

15/12/2023

Nesta semana, a CAS - Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou o projeto de lei 1.105/23, que viabiliza a redução da jornada de trabalho sem implicar em diminuição salarial para os trabalhadores. No entanto, a proposta prevê uma exceção para os casos em que a redução salarial seja pactuada entre trabalhadores e empregadores por meio de convenção coletiva de trabalho. Já há requerimento assinado para o projeto não ter caráter terminativo na comissão e ser votado no plenário do Senado.

Conforme ressaltado no relatório do senador Paulo Paim, a proposta abre perspectivas para a criação de novos postos de trabalho, contribuindo, por conseguinte, para a redução das taxas de desemprego e favorecendo uma distribuição de renda mais equitativa.

"Pesquisas demonstram que a redução da jornada traz ganhos de produtividade, estimula o crescimento econômico e aprimora a saúde mental e física dos trabalhadores. Diversos países já discutem um modelo laboral com redução da jornada de trabalho sem impactos nos salários, incluindo França, Alemanha, Espanha e Dinamarca."

A medida de redução de jornada não se aplica ao regime parcial de trabalho, sendo que a jornada poderá ser reduzida ao limite mínimo de 30 horas semanais.

Para compreender os impactos da proposta, Migalhas consultou especialistas em Direito do Trabalho. Confira abaixo a opinião deles sobre o texto.

Ricardo Calcini

O sócio-fundador de Calcini Advogados, professor e colunista do Migalhas, destaca que, independentemente da regulamentação legal, algumas empresas já adotam a jornada reduzida de quatro dias por semana. "Exemplos desta tendência são as companhias Zee.Dog, Shoot e Crawly", afirmou.

Segundo Ricardo Calcini, a redução da carga horária de trabalho pode impactar não apenas na saúde física e mental do trabalhador, mas também em seu convívio social. "Portanto, a ideia é muito bem-vinda, especialmente se houver a contrapartida de que o trabalhador se comprometa a manter 100% de sua produtividade na empresa."

O profissional destaca que a OIT - Organização Internacional do Trabalho, por meio da recomendação 116, preconiza a jornada de 40 horas semanais como norma social a ser alcançada. "Nesse cenário, a redução da jornada de trabalho, sem a diminuição do salário, pode ser um instrumento para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, conforme estabelecido na Carta Magna."

"Neste contexto, é bastante salutar a proposição de um projeto de lei que, fundamentado na redução de jornada com a manutenção do patamar salarial, promova melhorias na saúde física e mental, prevenindo a síndrome do esgotamento profissional, conhecida como Síndrome de Burnout."

Calcini conclui afirmando que, embora o Brasil seja o país que menos apoia a semana de quatro dias, mesmo sendo o que mais referencia o trabalho flexível ao longo do dia, é necessário que as empresas realizem testes para a implementação da jornada reduzida de quatro dias, a fim de criar gradualmente uma cultura organizacional e alcançar os resultados desejados.

Otavio Pinto e Silva

O advogado do escritório SiqueiraCastro lembra que a proposta aprovada no Senado faculta às partes a redução da jornada de trabalho diária ou semanal, sem redução do valor salarial, desde que feita mediante acordo ou convenção coletiva.

"O objetivo seria instituir no Brasil uma semana de trabalho mais curta, sem que isso afete os valores dos salários recebidos pelos trabalhadores. Mas o projeto de lei também aponta para a possibilidade de que a jornada reduzida venha a ser aplicada com a correspondente redução de salários, desde que negociada com os sindicatos representativos da categoria profissional dos trabalhadores envolvidos."

Na avaliação do especialista, os senadores pretendem estabelecer uma alternativa de gestão da jornada de trabalho nas empresas, a qual, de qualquer modo, sempre dependerá de negociação para ser implantada.

Ana Lúcia Pinke Ribeiro de Paiva

Do escritório Araújo e Policastro Advogados, Ana Lúcia destaca que o PL promove uma mudança importante na legislação trabalhista, garantindo a proteção dos trabalhadores e a aplicação dos princípios constitucionais para evitar situações prejudiciais ao trabalhador, como a redução salarial unilateral pelo empregador.

Considerando a tendência mundial do aumento da produtividade do trabalho devido à adoção de novas tecnologias, Ana Lúcia afirma que o projeto possibilita a redução da jornada sem prejuízo do alcance de resultados.

"Para além das questões jurídicas que se colocam com o PL, é importante garantir, por outro lado, que o equilíbrio dos recursos empresariais seja mantido, proporcionando, num país cujo custo das relações empregatícias típicas já é elevado, o contínuo interesse pelo investimento e desenvolvimento da economia."

Antonio Galvão Peres

Sócio do escritório Robortella e Peres Advogados e professor de Direito do Trabalho, Antonio avaliou que, salvo melhor juízo,  a alteração legislativa é impertinente e desnecessária.

De acordo com o profissional, o projeto basicamente afirma: (a) possível a redução de jornada com redução salarial por acordo ou convenção coletiva, o que já está na CF e na CLT, e (b) permite a redução de jornada sem prejuízo salarial por negociação individual ou coletiva. "Na segunda hipótese, como se trata de alteração claramente favorável ao trabalhador, já estaria autorizada pelo artigo 468 da CLT, não havendo sentido em regra específica."

"Em síntese, é uma suposta 'inovação' rigorosamente inútil. Além disso, na hipótese de redução por negociação coletiva, ensejará dúvida se incidiria - ou não - a garantia de emprego do artigo 611A, parágrafo terceiro, da CLT."

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