O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, afastou a condenação da Furacão 2000 pela produção da música "Tapinha". Os artistas tinham sido condenados em R$ 500 mil em decisão que considerou que a música teria causado danos morais difusos, em razão de ofensa à dignidade das mulheres.
Para Barroso, porém, não é possível avaliar com os olhos de hoje uma música que foi composta há mais de 20 anos. Ainda ressaltou que se o julgamento não considerar o contexto temporal em que a obra foi produzida, terá com o resultado a imposição de responsabilidade civil com base em critérios que ainda não estavam plenamente definidos ao tempo em que a música foi composta.
"Na época em que 'Tapinha' foi lançada, a possível ofensividade da letra não causou grande comoção pública. Pelo contrário: a produção artística logo se tornou um sucesso, inclusive em âmbito internacional."
O caso trata de recursos extraordinários interpostos contra acórdão do TRF da 4ª região que, em sede de embargos de divergência, manteve a condenação da sociedade Furação 2000 Produções Artísticas ao pagamento de indenização, estipulada em R$ 500 mil. O acórdão entendeu a veiculação de música intitulada "Tapinha" teria causado danos morais difusos, em razão de ofensa à dignidade das mulheres.
A Furação 2000 alegou que o acórdão, ao manter sua condenação ao pagamento de danos morais, teria violado os arts. 5º, II, IX, XIII; 170, parágrafo único; 220, caput e § 2º, todos da Constituição.
Já o MPF questionou o afastamento da condenação da União a obrigações de fazer consistentes na inclusão, em contratos de concessões de exploração de meios de comunicação, de cláusulas que imponham a observância de parâmetros de erradicação da violência e promoção da dignidade da mulher estabelecidos em convenção internacional e na elaboração de diretrizes adequadas de difusão que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher.
Liberdade de expressão
Ao analisar o caso, Barroso ressaltou que ao considerar que a música "Tapinha" corresponde a conteúdo que extrapola os limites da liberdade de expressão artística, o Tribunal de origem divergiu da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal.
Isso porque, em razão da posição preferencial de que desfruta a liberdade de expressão artística, em caso de dúvida acerca da licitude de determinado conteúdo, deve-se adotar a interpretação que prestigia em maior extensão tal direito fundamental.
"Vale dizer: se houver alguma forma de interpretar a produção artística de modo a preservar sua dimensão de legítima manifestação cultural, sua veiculação não deve ensejar a responsabilidade civil de seu titular."
Para Barroso, a música "Tapinha", embora possa ser considerada de mal gosto ou ofensiva por determinados grupos sociais, pode ser também lida como expressão de afronta à repressão sexual e defesa do empoderamento feminino. "Precisamente nesse contexto, já foi interpretada por outros cantores de sucesso na música popular brasileira, como Caetano Veloso e Fernanda Abreu", ressaltou.
Estilo musical - Funk
Segundo o ministro, a produção artística não pode ser interpretada de forma isolada do contexto em que alcançou sucesso e projeção. S. Exa. exemplificou que o funk é constantemente alvo de preconceito, repressão e censura.
Na visão de Barroso, ainda que se possa considerar que as letras são controversas e sexualizadas, não se pode negar que o respeito à liberdade artística no funk é parte do movimento de combate ao racismo e preservação da cultura do povo negro no país.
Outros tempos
Por fim, Barroso ressaltou que não é possível avaliar com os olhos de hoje uma música que foi composta em 2001 – há mais de 20 anos atrás.
"Não há dúvida de que avançamos muito desde então na repressão à violência contra a mulher e no combate a outras formas de discriminação. No entanto, se o julgamento não considerar o contexto temporal em que a obra foi produzida, terá com o resultado a imposição de responsabilidade civil com base em critérios que ainda não estavam plenamente definidos ao tempo em que a música foi composta."
O ministro ainda ressaltou que adotar essa postura jurisdicional inibiria artistas de tratarem de temas controversos em suas obras, causando efeito silenciador indesejável para toda a sociedade.
"Isso sem falar nas inúmeras condenações ao pagamento de indenizações em razão de produções com conteúdo misógino, racista e homofóbico que, embora tenham feito sucesso no passado, jamais seriam toleradas pela sociedade plural e aberta que temos nos dias de hoje."
Diante disso, negou provimento ao recurso do MPF e deu provimento ao recurso da Furacão 2000 para reformar o acórdão recorrido, afastando a condenação ao pagamento de indenização por danos morais.
- Processo: RE 1.278.070
Confira a decisão.
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Relembre a letra da música:
Vai Glamurosa
Cruze os braços no ombrinho
Lança ele pra frente
E desce bem devagarinho
Dá uma quebradinha
E sobe devagar
Se te bota maluquinha
Um tapinha eu vou te dar
Porque
Dói, um tapinha não dói
Um tapinha não dói
Um tapinha não dói
Só um tapinha
Em seu cabelo vou tocar
Sua boca vou beijar
Tô visando tua bundinha
Maluquinho pra apertar