O ministro Luís Roberto Barroso tomou posse na presidência do STF em sessão solene nesta quinta-feira, 28. Em discurso emocionante, Barroso falou sobre gratidão, Justiça e Brasil. Ainda ressaltou os três pilares de sua gestão à frente da Corte: conteúdo, comunicação e relacionamento.
"Ninguém é dono da verdade, ninguém tem um monopólio do bem e da virtude. A vida na democracia é a convivência civilizada dos que pensam diferente. E quem pensa diferente de mim não é meu inimigo, mas meu parceiro na construção de uma sociedade aberta, plural e democrática."
Confira a íntegra do discurso.
Homenagens
Em seu discurso em nome dos ministros, o decano, ministro Gilmar Mendes, rememorou palavras do ministro Celso de Mello acerca do significado contido nas cerimonias de posse na presidência do STF: "Mais do que a celebração de um ritual, que se renova desde 28 fevereiro de 1891, esta cerimônia expressa o símbolo da continuidade e da perenidade dessa Corte Suprema."
Gilmar ressaltou que a Corte suportou "durante um par de anos", as ameaças de um populismo autoritário, desprovido de qualquer decoro democrático e citou o 8 de janeiro, como o "ápice nesse inventário das infâmias golpistas".
"Por tudo isso, a presente cerimônia simboliza mais do que a continuidade de uma linhagem sucessória institucional, ela assume um colorido novo. Ministro Luís Roberto Barroso, a posse de V. Exa. na presidência desse Tribunal torna palpável a certeza de que sim, o STF sobreviveu."
Ao discursar, a subprocuradora-Geral interina, Elizeta Ramos, ressaltando estar honrada com novo presidente, "dada sua vocação humanista, sua experiência, seu preparo acadêmico e firme e gentil liderança". "Conte com uma atuação socialmente efetiva do Ministério Público", destacou.
Pelo CFOAB, Beto Simonetti destacou que confia no ministro Barroso para que possa solucionar as questões que se impõe ao Judiciário, garantir a segurança jurídica, concretizar a harmonia entre os Poderes e entre as funções essenciais à Justiça e impulsionar o diálogo institucional. "Homem de espírito público, prestou valorosas contribuições à advocacia."
O ministro Barroso dividiu o discurso em três partes: gratidão, Judiciário e Brasil.
Gratidão
Ao iniciar, agradeceu seus pais, filhos e amigos. Agradeceu também a indicação de Dilma Rousseff. "Me indicou para o cargo da forma mais republicana que um presidente pode agir: não pediu, não insinuou, não cobrou." Agradeceu, ainda, a educação que recebeu durante o caminho que trilhou.
"Sou convencido por experiência própria que a coisa mais importante que um país pode fazer por seus filhos é assegurar educação de qualidade e universal para todos, em todo o ensino básico, e com uma combinação de mérito e justiça distributiva social e racial no ensino superior. Três prioridades na vida de um país hão de ser: educação, educação de qualidade e educação para todos."
Emocionado e emocionando, agradeu à ministra Rosa Weber. Barroso ressaltou que suceder a ministra Rosa Weber não é uma tarefa fácil. "Suceder, porque substituí-la seria impossível. Tornamo-nos amigos queridos desde o primeiro dia que cheguei. Como juíza, sua carreira foi impecável. Uma vida completa. Por onde passou, deixou a marca da sua capacidade e uma legião de administrador."
"Ministra Rosa Weber, sei que seu espírito reservado não é afeito a honrarias, mas em nome da nação agradecida, em nome dos que sabem distinguir as grandes figuras da história deste Tribunal, eu a reverencio pelos imensos serviços prestados ao Brasil. Que V. Exa. seja perenemente bendita."
Judiciário
Ao falar sobre Justiça, ministro Barroso explicou que a Constituição estrutura o Estado, demarca competência dos Poderes e define direitos e garantias dos cidadãos. Todas as Constituições democráticas fazem isso. Porém, disse que a Constituição brasileira vai bem além: contempla também o sistema econômico, tributário, previdenciário, educação, preservação ambiental, cultura, meios de comunicação, proteção às comunidades indígenas, família, criança, adolescente, idoso e muito outros temas.
"Incluir uma matéria na Constituição é, em larga medida, retirá-la da política e trazê-la para o Direito. Essa é a causa da judicialização ampla da vida no Brasil. Não se trata de ativismo, mas de desenho institucional. Nenhum tribunal do mundo decide tantas questões divisivas da sociedade."
Ainda, Barroso resslatou que contrariar interesses e visões de mundo é parte inerente do papel e sempre estarão expostos à critica e à insatisfação, "e isso faz parte da vida democrática". "Por isso, a virtude de um tribunal, jamais poderá ser medida em pesquisa de opinião. Nada obstante, é imperativo que o tribunal haja com autocontenção e em diálogo com outros Poderes e com a sociedade. Numa democracia não há Poderes hegemônicos."
Barroso ainda falou sobre vencer os desafios da inclusão social, da luta contra as desigualdades injustas e do aprimoramento da representação política. Destacou que cabe ao Tribunal a proteção dos direitos fundamentais, e destacou: "o que vale verdadeiramente a vida são nossos afetos".
"Nessa matéria, temos procurado empurrar a história na direção certa. Temos sido parceiros da ascensão das mulheres, na luta envolvente por igual respeito e consideração no espaço público e privado, bem como na luta contra a violência doméstica e sexual. Também temos atuado, sempre com base na Constituição, em favor do heroico esforço da população negra do país, o reconhecimento e iguais oportunidades, validando as ações afirmativas imprescindíveis para superar o racismo estrutural que a escravização e sua abolição sem inclusão acarretaram. Do mesmo modo, a comunidade LGBTQIA+ obteve, neste Tribunal, o reconhecimento de importantes direitos, com destaque para a equiparação homoafetivas às uniões estáveis convencionais, tendo por desdobramento a possibilidade do casamento civil."
Segundo Barroso, há quem pense que a defesa dos Direitos Humanos, da igualdade da mulher, da proteção ambiental, das ações afirmativas, do respeito à comunidade gay, da inclusão das pessoas com deficiência e da preservação das comunidades indígenas são causas progressistas. "Não são. São causas da humanidade, da dignidade humana, do respeito e consideração por todas as pessoas. Poucas derrotas do espírito são mais tristes do que alguém se achar melhor do que os outros."
O ministro ainda analisou a produtividade da Justiça brasileira, como uma das mais produtivas do planeta.
"Há dois pontos que temos de melhorar: aumentar a participação de mulheres nos tribunais com critérios de promoção que levem em conta a paridade de gênero; e ampliar a diversidade racial. Além disso, aumentar a eficiência e celeridade da tramitação processual do Brasil. Para esse fim, venho mapeando os gargalos e pontos de congestionamento do Judiciário. Aqui, não há lugar para celebração. Precisamos melhorar a qualidade do serviço que prestamos à sociedade brasileira."
Brasil
Falando sobre a última parte de seu discurso, Barroso ressaltou que a democracia venceu é preciso trabalhar pela pacificação do país. "Acabar com os antagonismos artificialmente criados para nos dividir. Um país não é feito de nós e eles. Somos um só povo, do pluralismo das ideias, como é próprio da sociedade livre e aberta."
"O sucesso do agronegócio não é incompatível com a proteção ambiental. Pelo contrário. Combate eficiente à criminalidade, não é incompatível com o respeito aos Direitos Humanos. O enfrentamento à corrupção não é incompatível com o devido processo legal. Estamos todos no mesmo barco, e precisamos trabalhar para evitar tempestades e conduzi-lo a um porto seguro. Se ele naufragar, o naufrágio é de todos, independentemente de preferência políticas."
Por fim, Barroso afirmou que, no interesse da Justiça, pretende ouvir a todos.
"Ninguém é dono da verdade, ninguém tem um monopólio do bem e da virtude. A vida na democracia é a convivência civilizada dos que pensam diferente. E quem pensa diferente de mim não é meu inimigo, mas meu parceiro na construção de uma sociedade aberta, plural e democrática."
Viver é andar numa corda bamba
Ao encerrar o discurso, Barroso relembrou de sua sabatina e de uma parábola que usou.
"Na vida nós estamos sempre nos equilibrando. Viver é andar numa corda bamba. A gente se inclina um pouco para um lado, um pouco para o outro e segue em frente. É assim para todo mundo, não importa se você está no palco ou na plateia. Às vezes, alguém olhando de fora pode ter a impressão de que o equilibrista está voando. Não é grave, porque a vida é feita de certas ilusões. Mas o equilibrista tem de saber que ele está se equilibrando. Porque se ele achar que está voando, ele vai cair. E na vida real não tem rede."
Assim, Barroso ressaltou que pretende atuar, à frente do STF e do Poder Judiciário brasileiro, da forma como acha que a vida deve ser vivida: com valores, com empatia, com bom humor sempre que possível e, sobretudo, com humildade.
"Assumo a presidência do Supremo e do CNJ sem esquecer que sou, antes de tudo, um servidor público. Um servidor da Constituição. Que eu possa ser abençoado para cumprir bem essa missão."