O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a instauração de IAC no STF, com o objetivo de que seja uniformizada a jurisprudência e criado precedente obrigatório da Corte em matéria trabalhista. O pedido trata dos limites de teses fixadas pelo Tribunal para fins de propositura da reclamação constitucional nos casos em que a Justiça do Trabalho identificar fraude à caracterização do vínculo empregatício. Segundo Aras, há divergência de entendimento sobre o tema entre as turmas do STF, o que causa insegurança jurídica. O IAC foi proposto nos autos da Reclamação 60.620.
O incidente tem o objetivo de discutir se o uso da reclamação na hipótese afrontaria os paradigmas firmados pelo STF na APDF 324, no RE 958.252, nas ADIns 5.625 e 3.961 e na ADC 48. Os precedentes citados reconhecem a validade da terceirização de atividade-fim em geral e, especificamente, a licitude da figura do transportador autônomo nas atividades de transporte de cargas e de contratos de parceria entre salões de beleza e profissionais do setor.
Segundo Aras, a divergência jurisprudencial sobre o tema entre as turmas do STF tem gerado decisões contraditórias em casos idênticos e “provoca um quadro de insegurança jurídica e violação da isonomia”. Para a 1ª turma, os precedentes permitem o uso da reclamação para questionar as decisões da Justiça do Trabalho que reconhecem a fraude ao vínculo empregatício, com base no revolvimento de fatos e provas do processo de origem.
Já a 2ª turma, tem tomado decisões no sentido de que a ação é incabível nessas hipóteses, uma vez que não há aderência estrita entre esse caso e os precedentes firmados pela Corte, além da impossibilidade de realização ampla de instrução probatória na via da reclamação constitucional.
Relevância jurídica e social
Na avaliação de Aras, a uniformização da jurisprudência é importante para a segurança jurídica. Ao defender o cabimento do IAC, o PGR apontou a importância constitucional da reclamação como um mecanismo voltado a preservar a competência e a autoridade das decisões do STF.
“O Supremo construiu jurisprudência estável no sentido da necessidade de máximo rigor na verificação dos pressupostos específicos da reclamação. Exige-se o ajuste exato entre os atos questionados e os julgados paradigmas”, pontuou.
Segundo ele, também há relevante repercussão social do tema, ao passo em que as demandas envolvendo a declaração de vínculo de emprego são destaque entre os casos que tramitam na Justiça do Trabalho. Aras explica que entre 2019 e junho de 2023, mais de 780 mil casos envolvendo pedidos de reconhecimento de vínculo empregatício chegaram à Justiça especializada. Os números indicam o grande potencial de ampliação da discussão no STF, caso atalhado o caminho processual diante do alargamento dos precedentes para fins de reclamação.
“A solução a ser conferida pelo presente incidente será capaz de causar repercussões significativas no comportamento processual”, elucidou.
Mérito
Aras observou que não existe em nenhuma das teses fixadas e tomadas como paradigmas para a reclamação constitucional a validação da terceirização nas hipóteses de fraude ao vínculo de emprego, ou que a Justiça do Trabalho não possa reconhecer práticas fraudulentas no âmbito da terceirização. Ao contrário, a visão do STF é de que a terceirização “somente se legitima quando não estiver sendo utilizada como instrumento para burlar o vínculo de emprego”.
No entendimento do PGR, é inadmissível o uso da reclamação na hipótese dos autos, sendo as teses apontadas como paradigmas restritas e sem similaridade com a reclamação 60.620. “A discussão em torno de eventual desacerto por parte da Justiça do Trabalho há de ser implementada pelas vias recursais ordinárias, as quais possibilitam a reforma das decisões pela reapreciação dos fatos e das provas objeto da instrução processual”, esclareceu.
O PGR ainda alertou para a importância de que as questões relativas às fraudes do regime de emprego sejam enfrentadas por meio das vias corretas. “Na prática trabalhista, são conhecidas diversas modalidades de fraudes, dotadas de complexidade, que exigem análise própria e em cotejo com os elementos configuradores da relação de emprego”, observou.
IAC
Previsto no CPC, o IAC - incidente de assunção de competência tem a capacidade de viabilizar o julgamento de um caso por órgão colegiado de maior composição, como o plenário, no caso do STF. Além disso, pode prevenir ou compor a divergência interna identificada no Tribunal e formar precedente obrigatório que vinculará as decisões da própria Suprema Corte, seus órgãos e dos juízos a ela subordinados.
Para o PGR, a discussão do tema deve ficar concentrada no instrumento a fim de que o resultado do seu julgamento seja reproduzido de maneira uniforme. Por isso, sugeriu a suspensão do trâmite das reclamações constitucionais que versem sobre a questão de direito discutida no IAC até que o STF decida a matéria em forma de precedente vinculante. A medida deve garantir o julgamento de todos os casos de forma isonômica, promovendo segurança jurídica para as partes.
- Processo: Rcl 60.620
Informações: MPF.