Promoção de inovação, segurança jurídica e direito à proteção por patentes de invenção foram os temas abordados no evento “Temas Relevantes do Direito de Patentes”, promovido pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (EMERJ). A EMERJ é uma instituição de ensino pioneira, destinada à formação e aperfeiçoamento de magistrados e à disseminação do conhecimento jurídico.
Na abertura do encontro, que ocorreu na terça-feira 5/9/2023, o Diretor Geral da EMERJ, Desembargador Marco Aurélio Bezerra de Melo, destacou que o direito de patente é fundamental para garantir investimentos em inovação, pois possui “uma função social relevantíssima, não só de fomento ao desenvolvimento tecnológico do país, e criação de renda, empregos, engrandecimento do nosso país, mas também de combate ao abuso do direito, que é muito explícito, e que deve ser por todos nós enfrentado, que é a concorrência desleal.”
O Presidente Executivo da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (ABINEE), Humberto Barbato, apresentou dados sobre o setor – que engloba as empresas nacionais e estrangeiras instaladas no Brasil – e falou sobre a ligação intrínseca das patentes com a produção elétrica, eletrônica e de telecomunicações. Barbato ressaltou que o Brasil tem enorme potencial para desenvolver novos produtos. A maior parte das patentes vigentes no país é da indústria de elétrica, eletrônica e telecomunicações, que “prioriza o licenciamento de patentes simultâneo para todos os fabricantes, compartilhando suas tecnologias mediante pagamento de royalties, continuamente reinvestidos em P&D”.
Só há investimento, ressaltou Barbato, “porque a indústria confia que o Poder Judiciário vai garantir os direitos de propriedade, na extensão da proteção conferida pela patente, prontamente sustando as violações”. Do contrário, “amplia-se o risco de afugentar o registro de inovações e de se reduzir as inovações e investimentos no país”. O Poder Judiciário, segundo o Presidente Executivo da ABINEE, “tem sabido da importância que a indústria lhe confere no que tange à concessão de liminares para a indústria nacional e estrangeira instalada no Brasil. “São as liminares que permitem o pronto combate aos que violam as patentes e a manutenção do equilíbrio dos contratos de licença celebrados com fabricantes honestos, garantindo a produção nacional, os empregos, e as opções para os consumidores brasileiros”, afirmou o dirigente.
Ainda durante a mesa de abertura, o presidente da Associação Brasileira da Propriedade Industrial (ABPI), Gabriel Leonardos, destacou: “eu preferi concentrar, aqui, a minha breve intervenção nessa abertura para apenas falar muito rapidamente sobre a questão das patentes essenciais.” Segundo ele, “há uma questão delicada, de como caracterizar a patente essencial, que, a rigor, é uma autodeclaração". O titular da patente faz a autodeclaração dizendo: "essa minha patente é essencial e, logo, me comprometo a conceder licenças FRAND". Mas essa autodeclaração é um pouco você estar fazendo um cheque para si mesmo, porque você passa a ter direito de receber royalties. E não há nenhum órgão independente, como, por exemplo, o INPI – e não se está propugnando que exista, mas o fato é que não há nenhum órgão independente – atestando que aquela patente é essencial mesmo. Então é claro que se há uma objeção fundamentada, no processo, de que aquela patente não seria tão essencial assim, isso tem que ser examinado.”
Para o vice-presidente do Conselho Consultivo da EMERJ, Desembargador Cláudio Luís Braga dell’Orto, que ministrou palestra sobre o direito conferido pelo ordenamento jurídico aos titulares de patentes, a proteção constitucional às invenções tem o objetivo de “tutelar e incentivar” o investimento em pesquisa e inovação, dando impulso ao desenvolvimento social: “A indústria tem que ter a garantia de que há uma concorrência que observa regras. Não posso ser um empresário que fabrica um produto sem remunerar a tecnologia que eu vou utilizar no processo produtivo, sem remunerar todas as patentes que eu vou envolver. Isso seria danoso para todo o sistema concorrencial”, disse.
E prosseguiu: “Ninguém tem dúvida da relevância da proteção da patente, da necessidade de remuneração, porque essa remuneração é que vai permitir o investimento futuro e o desenvolvimento. Falou-se aqui que só temos o 5G porque houve o 4G e houve o pagamento dos royalties referentes ao 4G, que produziram e incentivaram a pesquisa.”
O Desembargador reforçou, ainda, que “a concorrência desleal é talvez um dos grandes problemas que enfrenta a indústria de tecnologia, basicamente. [...] Eu não posso ser um empresário que pretenda fabricar um produto sem remunerar a tecnologia que eu vou utilizar naquele processo produtivo, sem remunerar todas as patentes que eu vou envolver naquele meu processo, porque isso seria muito danoso para todo o sistema concorrencial.”
A Desembargadora Federal aposentada Liliane Roriz, sócia de Licks Attorneys e Presidente da Comissão de 5G, Padrões Técnicos e Inovação Tecnológica da OAB-RJ, participou como um dos debatedores e abordou as competências no julgamento de questões de propriedade intelectual. Segundo ela, o sistema “bifurcado”, que é de competência federal para as ações de nulidade, e estadual para as ações de infração, tem regras claras e deve ser respeitado. Durante o debate, apresentou dados inéditos de um estudo sobre a segurança jurídica do sistema brasileiro de patentes nos últimos 10 anos (jan/2013 - ago/2023). O estudo demonstra que o INPI concedeu 143.300 patentes no período, anulando apenas 230. Já a Justiça Federal recebeu 434 ações de nulidade de patentes no período estudado, anulando 50, o que corresponde à 0,034 das 143,300 patentes concedidas pelo INPI.
Foi abordado, ainda, o uso da nulidade de patente como “matéria de contra-ataque”, que ocorre quando, depois de proposta a ação de infração, e só porque a ação de infração foi proposta, leva-se a questão para a Justiça Federal. “Eu até tenho chamado essa nulidade de contra-ataque como nulidade por vendeta.”
O advogado Marcelo Mazzola fechou o debate do tema trazendo um contraponto sobre a questão da tutela das patentes essenciais: “Diferentemente daquela patente que foi concedida pelo INPI, numa patente essencial, aquele titular a autodeclarou, como o Dr. Gabriel Leonardos falou, o que é um cheque em branco, ele está se dando um cheque, se autodeclarou.” Segundo ele, “na patente essencial, a gente está discutindo o que? O quanto. É o quanto. Quanto de dinheiro?”
A segunda palestra foi ministrada pela Juíza Federal Caroline Tauk, que abordou os aspectos processuais do direito de patentes e analisou casos que demonstram a relevância da observância ao direito de patente. Um deles foi a decisão judicial brasileira, que acabou repercutindo sobre outros mercados mundiais, sobre o portfólio de patentes 5G da Ericsson, que levou a Apple a fechar um acordo de licenciamento de patentes. Destacado na palestra, o caso da Ericsson é um exemplo da ação do Judiciário impedindo a violação de patentes, agindo prontamente para impedir a violação dos direitos de patente, tendo marcado ainda a primeira vez que o Superior Tribunal de Justiça abordou a questão da possibilidade de proteção imediata (liminar) de patentes essenciais a padrões técnicos (a exemplo do padrão 5G):
“Pouco depois dessa decisão, a Apple e a Ericsson fazem um acordo que acaba resolvendo entre eles a questão dos royalties, e esse acordo força um acordo global entre a Ericsson e a Apple. A gente tinha essas ações no mundo todo. O Brasil foi pioneiro nesse julgamento, então, foi um caso importante porque, a partir desse acordo, diversos outros países encerraram seus processos também com esse mesmo acordo. Foi um caso bastante emblemático.”
Abel Gomes, Desembargador Federal aposentado e membro do Fórum Permanente de Direito Penal e Processual Penal da EMERJ, debateu sobre a questão da competência para os julgamentos de patentes. Segundo ele, o julgador deve observar um standard circunstancial de elementos probatórios que orientem a decisão sobre tutela antecipada, consistente no fato de a arguição de nulidade como matéria de defesa ser trazida como resposta à ação de infração; ter havido contrato anterior entre o infrator e o titular da patente; e o próprio fato de o INPI ter concedido a patente, exemplificou. Ademais, o só fato de não ter ajuizado a ação de nulidade, antes do uso ilícito da patente, já demonstra a má-fé daquele que, se acredita que a patente é nula, exerce arbitrariamente suas razões violando-a.
O advogado Rodolfo Barreto, sócio de Licks Attorneys e Coordenador da Comissão de 5G, Padrões Técnicos e Inovação Tecnológica da OAB-RJ, lembrou da importância do olhar cuidadoso em relação aos processos que envolvem patentes que cobrem tecnologias patenteadas incluídas em padrões técnicos. “Existe muito misticismo em volta deste conceito de patentes essenciais”, disse ele, explicando que muitas questões que são levantadas contra a proteção dessas patentes podem ser deturpadas – a exemplo da autodeclaração, que não é usada como prova de violação, mas na verdade existe para dar transparência para terceiros que decidam adotar o padrão. Destacou ainda que os titulares de patentes essenciais que se veem obrigados a buscar o Judiciário costumam apresentar um extenso arcabouço probatório que vai muito além de pareceres técnicos e que podem, segundo ele, auxiliar na tomada de decisões pelos julgadores, indicando um maior ou menor grau de probabilidade de infração da patente, a ser considerado na aferição dos requisitos para a concessão de liminares.
Encerrando o evento, Rodolfo destacou que a atuação do Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro nessa matéria é enaltecida mundo afora e percebida como uma atuação cuidadosa e de excelência: “O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é visto internacionalmente como padrão ouro de cuidado nesse aspecto decisional, de administração da justiça em sede de demandas dessa natureza. Acho que falo por todos os advogados que participaram deste painel, do anterior e da abertura, que é motivo de orgulho para nós que essa produção jurisprudencial do TJ do Rio de Janeiro seja reconhecida mundialmente.”