Migalhas Quentes

CNJ abre PAD contra magistrados por manifestação política na internet

Para Salomão, há indícios de falta de cautela e excessos sobre liberdade de expressão por parte dos magistrados em redes sociais.

5/9/2023

CNJ, por unanimidade, decidiu nesta terça-feira, 5, pela instauração de PAD contra dois magistrados que se manifestaram politicamente nas redes sociais.

O Conselho julgou três casos semelhantes que se desdobraram a partir de momento de acirramento do processo eleitoral, em que, segundo explicou o corregedor Nacional, ministro Luis Felipe Salomão, houve muita manifestação de magistrados nas redes sociais.

"Naquela ocasião, foram adotadas algumas providências. Agora, chegou a hora de enfrentá-las aqui", disse o corregedor. "Acho que o pior já passou. Foi importante para uma conscientização da magistratura, e agora teremos que apreciar os fatos que dali se desdobraram."

Em dois dos casos analisados, os conselheiros decidiram pela instauração do PAD. Em um terceiro, houve pedido de vista.

Seguindo voto do corregedor, Salomão, CNJ abre PAD contra magistrados por manifestação política.(Imagem: Rômulo Serpa/Agência CNJ)

Desembargador trabalhista

O primeiro caso analisado partiu de uma associação trabalhista, a Abrat, contra o desembargador Antônio Francisco Montanagna, do TRT-15, por publicação de conteúdo sobre o processo eleitoral na rede social.

Uma das publicações no Facebook envolveria os então candidatos à presidência Lula e Bolsonaro,  relacionados a temas como religião e aborto. Outra publicação exaltava o pix: “Quando voltar a pagar R$ 18 em transação bancária, faz o 'L'.

A defesa do desembargador, representada pelo advogado Cristiano Sofia Molica, afirmou, em sustentação oral, que o magistrado repudia as publicações, e que foram feitas por sua filha, após ele emprestar seu celular.

O corregedor-Geral, ministro Luis Felipe Salomão, destacou que liberdade de expressão não é direito absoluto, e que os magistrados devem se pautar sobre os princípios da magistratura.

“Publicações feitas por magistrados em redes sociais, mesmo que privadas, devem observar o provimento 135/22 e a resolução 305/19, na medida em que seus deveres não se esvaem com o fim do expediente forense."

Assim, considerou que configura infração disciplinar a conduta consistente em publicar diversas mensagens nas redes sociais que manifestem conteúdo incontestavelmente políticos, "em circunstância agravada pelo potencial de influência que as mídias sociais ostentam atualmente, e que o cargo que ele ocupa detém”.

No ponto em que o advogado afirma que foi a filha que fez as postagens, destacou o corregedor que somente a instrução, com a colheita da prova, vai poder dissipar essa suposta dúvida. "Até aqui, não há nenhum elemento que demonstre essa afirmação feita pelo combativo dr. advogado."

O corregedor concluiu pela abertura do PAD, mas sem necessidade de afastamento, por entender que, ao longo da instrução, será apreciada suposta violação de deveres funcionais.

Juíza do Amazonas

Outro caso julgado envolve a juíza Rosália Guimaraes Sarmento, do TJ/MA. O corregedor, ministro Salomão, destacou que foram feitas sucessivas publicações de cunho eleitoral em suas redes sociais.

Algumas diziam o seguinte:

"Sou juíza de Direito há 18 anos. As cenas de Roberto Jefferson atirando contra polícia se gabando desse feito em vídeos compartilhados por ele mesmo sinalizam que o Estado Democrático de Direto, sob o bolsonarismo, está em grande risco. Dia 30, vote 13. Salve o Brasil."

A juíza ainda teria dito "estou com Lula" e que era preciso "afastar o Bolsonaro da cadeira na qual ele já fez tanto mal ao Brasil”. “Bolsonaro apoia o crime, Bolsonaro odeia pobre, Bolsonaro ditador."

"No caso concreto, a magistrada, pelo que se extrai de uma análise preliminar, não observou a cautela exigida e ultrapassou os limites de sua liberdade de expressão ao publicar em suas redes sociais do Twitter mensagens com conotação política, uma vez postadas em período próximo ao eleitoral, e sob tal contexto."

"Creio que a abertura do procedimento se impõe", concluiu. O ministro foi acompanhado por unanimidade.

Pedido de vista

Em um terceiro caso analisado pelo colegiado sobre o mesmo tema, a desembargadora Maria Do Carmo Cardoso, do TRF da 1ª região, teria mencionado, nas redes sociais, o seguinte:

“Copa a gente vê depois. 99% do Brasil vivem na Europa. O técnico é petista, e a “globolixo” é de esquerda. Nossa seleção verdadeira está na frente dos quarteis."

Diante das circunstâncias, foi determinado o bloqueio da conta da representada e, posteriormente, conforme explicou o corregedor, foram verificadas algumas outras postagens.

O ministro, mais uma vez, propôs a abertura de procedimento, sem a necessidade de afastamento.

Em defesa da magistrada, o advogado André Luís Callegari realizou sustentação. Afirmou, entre outros pontos, que a rede social da magistrada era fechada, e que, portanto, não tinha conotação de publicidade, sendo restrito a grupo familiar e sucinto de amigos. Ademais, disse que o que houve foi uma 'repostagem', e que, embora possa ter divulgado, a autoria do comentário não é dela. Por fim, questionou a conotação política na frase “Nossa seleção verdadeira está na frente dos quarteis”.

Ministro Salomão observou, por sua vez, não haver dúvida da conotação política/eleitoral da publicação, sobretudo porque cita "petista" e "de esquerda", e que pouco importa se é postagem ou repostagem. "O fato é que ela veiculou, nas suas redes sociais – e é isso o que nós combatemos – manifestação de natureza política."

"Para além de parecer uma questão simples, ela tem uma implicação muito grande. Porque o Judiciário, como nós sabemos, tem uma questão da imagem. E quando, nas redes sociais, se extrapola para uma conduta que, na vida pública normal, seria vedada – ninguém vai para um comício proferir palavras como essa – tampouco na rede social, privada ou pública, pouco importa, é vedada a conduta, no meu modo de perceber."

Ato contínuo, o conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello pediu vista. Ele observou que sempre foi rigoroso com relação às manifestações em redes sociais, mas, neste caso, viu algumas atenuantes, de modo que paralisou julgamento para melhor análise do processo.

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