Na última semana, o STF decidiu que a alteração no CPP que instituiu o juiz das garantias é constitucional. Ficou estabelecido que a regra é de aplicação obrigatória, mas cabe aos Estados, o Distrito Federal e a União definir o formato em suas respectivas esferas. Para o colegiado, as regras são uma opção legítima do Congresso Nacional visando assegurar a imparcialidade no sistema de persecução penal.
A Corte concedeu o prazo de 12 meses, prorrogáveis por outros 12, para que leis e regulamentos dos tribunais sejam alterados para permitir a implementação do novo sistema a partir de diretrizes fixadas pelo CNJ. O prazo começa a contar a partir da publicação da ata do julgamento.
Para destrinchar os efeitos jurídicos da decisão, Migalhas escutou o advogado Marcelo Ribeiro, sócio do escritório Lefosse Advogados.
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Migalhas: O que foi o julgamento do juiz de garantias?
Marcelo: Tratou-se de uma decisão do STF em um conjunto de ADIns (6.298, 6.299, 6.300 e 6.305) que questionavam diversos dispositivos do chamado pacote anticrime e que estavam suspensos por decisão liminar.
Migalhas: O que faz o juiz de garantias?
Marcelo: O juiz de garantias insere-se em um modelo jurídico em que o julgador passa a ser o responsável pelo acompanhamento das investigações criminais e pelas medidas sujeitas à chamada reserva de jurisdição, como as quebras de sigilo fiscal, bancário, interceptações telefônicas até o recebimento da denúncia ou da queixa.
Depois de oferecida a denúncia o caso passa para outro julgador, que será responsável pela instrução. Trata-se do juiz de instrução e julgamento, e que não se vincula ao decidido pelo juiz de garantias.
O racional, ou um dos principais racionais dessa divisão de trabalhos, é evitar que o juiz no curso da investigação e no contato direto com a produção da prova seja influenciado indevidamente durante esse processo.
Migalhas: Quais os efeitos jurídicos dessa decisão?
Marcelo: Vários dispositivos foram questionados. De uma maneira sucinta, foram considerados inconstitucionais vários dispositivos ou interpretações específicas do pacote anticrime. Nessa lei, queria ser afastada a produção de prova pelo juiz e mesmo a revisão dos arquivamentos feitos pelo Ministério Público, quando do encerramento de investigações. O STF, no entanto, manteve a possibilidade de o juiz determinar excepcionalmente produção de prova, estabeleceu interpretação de que todos os atos praticados pelo Ministério Público se submetam ao controle pelo juiz de garantias. Na revisão dos arquivamentos, também se manteve a inovação trazida ao pacote anticrime: a vítima, seu representante legal e o juiz poderão recorrer, em casos de ilegalidade.
Migalhas: A decisão é de vigência imediata?
Marcelo: Especificamente, a implantação do modelo do juiz de garantias, não. O STF deu o prazo de 12 meses, prorrogável por igual período, para a efetiva promoção do juiz de garantias, que era um dos pontos de controvérsia.
A despeito de poder ser considerado elástico, esse tempo permite uma amadurecida estruturação nos âmbitos administrativo, legislativo e orçamentário, o que é tão relevante quanto o próprio instituto.
Migalhas: O que altera no dia a dia?
Marcelo: Em termos de gestão de casos, as mudanças dependem um pouco dos modelos que os tribunais, com as diretrizes do CNJ, adotarão. De todo modo, considerando, sobretudo, o avançado quadro de digitalização dos processos judiciais, não se acredita que a introdução do juiz de garantias trará dificuldades.
Por outro lado, a atuação profissional, de fato, terá uma possibilidade de contar com um maior distanciamento do juiz do caso, o que pode afastar as alegações de parcialidade, ou mesmo de “encantamento” pelo caso sob sua supervisão na investigação quando do julgamento.
Para as partes, tanto para acusação quanto para a defesa, poderá ser exigida, principalmente nos casos mais complexos, uma articulação mais aprofundada dos fatos, uma vez que não se poderá contar com nenhum conhecimento prévio do juiz de instrução e julgamento sobre os fatos submetidos a ele por meio de denúncia ou queixa.