STF garantiu a continuidade de ações penais nos casos em que a vítima de violência doméstica não comparecer à audiência de retratação. O Supremo também proibiu que as audiências de aval a acusações nestes casos sejam de ofício, podendo ocorrer, apenas, por pedido das vítimas.
O julgamento ocorreu em plenário virtual que se encerrou nesta segunda-feira, 21.
Entenda
A discussão diz respeito ao art. 16 da lei Maria da Penha (lei 11.340/06), que prevê que, nas ações penais públicas condicionadas à representação da vítima (lesão corporal leve e lesão culposa), a renúncia só será admitida perante o juiz, em audiência especialmente designada para essa finalidade, antes do recebimento da denúncia e após ouvido o Ministério Público.
No STF, a Conamp - Associação Nacional dos Membros do MP explica que o não comparecimento da vítima a essa audiência tem sido interpretado como renúncia tácita, com a extinção da punibilidade do agressor e o arquivamento do processo. Essa interpretação estaria levando compulsoriamente mulheres e meninas vítimas desse tipo de violência ao Poder Judiciário, caracterizando um processo de revitimização e resultando na impunidade de milhares de homens autores de crimes cometidos nesse contexto.
Para a entidade, esse entendimento contraria os princípios da dignidade da pessoa humana e do devido processo legal, além de retirar do Ministério Público a titularidade exclusiva para promover ação penal pública, inclusive as relativas a crimes cometidos em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.
No voto, ministro Edson Fachin, relator do caso, explicou que o art. 16 da lei Maria da Penha não deve ser interpretado de forma isolada, uma vez que ele integra o conjunto de normas que preveem o atendimento por equipe multidisciplinar.
Em seguida, S. Exa. pontuou que a função da audiência perante o juiz não é meramente avaliar a presença de um requisito procedimental, mas permitir que a vítima, assistida necessariamente por equipe multidisciplinar, possa livremente expressar sua vontade. “É a vítima que, assistida por equipe multidisciplinar, deve se manifestar livremente. Não cabe ao juiz delegar a realização da audiência para outro profissional, nem cabe o juiz designar, de ofício, a audiência.”
Para ele, qualquer outra finalidade, ou qualquer estereótipo criado pelo Poder Judiciário para imaginar que a audiência é obrigatória viola o direito à igualdade, porque discrimina injustamente a vítima de violência. “Determinar o comparecimento é, portanto, violar a intenção da vítima; é, em síntese, discriminá-la”, concluiu.
Assim, julgou procedente a ação para reconhecer a inconstitucionalidade da designação de ofício da audiência. Também considerou inconstitucional dispositivo o qual reconhece que eventual não comparecimento da vítima de violência doméstica implica “retratação tácita” ou “renúncia tácita ao direito de representação”.
Leia o voto do relator.
A decisão foi unânime.
- Processo: ADIn 7.267