Nesta terça-feira, 1º, o STF julgou inconstitucional a tese da legítima defesa da honra para crimes de feminicídio. Por unanimidade, a Corte concluiu que a referida tese viola princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
O plenário já havia formado maioria pela inconstitucionalidade da tese na sessão de 30 de junho, antes do recesso Judiciário. Nesta tarde, votaram as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.
Caso
O PDT - Partido Democrático Trabalhista acionou o STF para questionar a constitucionalidade da tese jurídica da "legítima defesa da honra". Na ADPF, a legenda argumenta que, com base na interpretação de dispositivos do CP e do CPP, Tribunais do Júri têm aplicado a tese e absolvido feminicidas.
De acordo com partido, a tese da legítima defesa da honra admite que uma pessoa, normalmente um homem, mate outra, normalmente uma mulher, para proteger sua honra, em razão de uma traição em relação afetiva.
O partido sustenta que qualquer interpretação de dispositivos infraconstitucionais que admita a absolvição de assassinos de mulheres por "legítima defesa da honra" não é compatível com os direitos fundamentais à vida e à não discriminação das mulheres nem com os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade.
Voto do relator
O julgamento foi iniciado no semestre passado, quando ocorreram as sustentações orais e o voto do relator, ministro Dias Toffoli. S. Exa. manteve o posicionamento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.
O ministro incluiu no voto dado na liminar que, diante da impossibilidade de o acusado beneficiar-se da própria torpeza, fica vedado o reconhecimento da nulidade na hipótese de a defesa ter se utilizado da tese com esta finalidade.
Na ocasião, os ministros André Mendonça, Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso acompanharam o entendimento do relator.
Dignidade humana
Nesta tarde, o decano, ministro Gilmar Mendes acompanhou o posicionamento apresentado pelo relator.
Em seguida, a ministra Cármen Lúcia votou no mesmo sentido da maioria. Segundo S. Exa., o caso trata da “dignidade humana no sentido próprio, subjetivo e concreto, de uma sociedade que ainda hoje é machista, sexista e misógina e mata mulheres apenas por elas quererem ser o que elas são: mulheres, donas de sua vida”.
No mais, Cármen destacou que as leis mudam, as Constituições mudam, o direito muda. Contudo, segundo ela, os costumes que levam à aplicações absolutamente desumanas contra mulheres continuam a prevalecer. “Uma mulher é violentada a cada quatro minutos em 2023. Na pandemia, a violência contra a mulher aumentou loucamente", lamentou a ministra.
Na mesma vertente dos demais ministros, a presidente da Corte, ministra Rosa Weber votou pela inconstitucionalidade da tese. S. Exa. destacou que a luta das mulheres por seus direitos fundamentais e femininos avançou substancialmente durante o século XX, conquistando a atenção e o reconhecimento da comunidade internacional, em cujo âmbito foram editados documentos de maior impacto sociojurídico.
Rosa também relembrou que “a legislação penal imperial (1930) e o Código Penal Republicano (1990) extinguiram, ao menos no plano legal, o direito de o marido matar a esposa infiel. Contudo, embora essas codificações tenham sofrido forte influência da ideologia liberal prevalescente após as revoluções americanas e francesas, ainda sim preservaram grande parte da misoginia existente na cultura medieval ibérica”.
Por fim, para fundamentar seu voto, Rosa citou trecho de "Gabriela Cravo e Canela", obra de Jorge Amado ambientada em 1920, na qual o autor descreve os costumes sociais do período.
"O escritor baiano reconstrói, o universo nordestino do século XX, narrando as crônicas de uma sociedade predominantemente patriarcal, arcairca e autoritária. E como a ministra Cármen Lúcia acabou de sublinhar, não mudou muito, continua misógina e machista."
- Processo: ADPF 779