Nesta sexta-feira, 30, por 5 votos a 2, o TSE tornou Jair Bolsonaro inelegível por oito anos. Os ministros concluíram que houve abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado.
Por não visualizar atuação direta do militar nos eventos investigados, o plenário absolveu Walter Souza Braga Netto, vice do ex-presidente.
Veja como votou cada ministro:
Relembre
Na ação, o PDT pede que o TSE declare inelegíveis o ex-presidente Jair Bolsonaro e Walter Souza Braga Netto, candidato a vice na chapa concorrente à reeleição à presidência da República em 2022. A legenda os acusa de cometerem abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, durante reunião do presidente Jair Bolsonaro com embaixadores estrangeiros, no Palácio da Alvorada, em 18 de julho de 2022.
No documento, o partido alega que os candidatos teriam cometido conduta vedada a agente público, abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação, já que a reunião foi transmitida, ao vivo, pela TV Brasil e pelas redes sociais YouTube, Instagram e Facebook, que mantiveram o conteúdo disponível na internet para visualização posterior.
Além disso, o fato de o encontro ter sido realizado na residência oficial da presidência da República e organizado por meio do aparato oficial do Palácio do Planalto e do ministério das Relações Exteriores também foi citado pela legenda como uma violação ao princípio da isonomia entre candidaturas, configurando o abuso do poder político.
Assim, no mérito, o PDT pediu a declaração da inelegibilidade de Jair Bolsonaro e de Walter Braga Netto e, liminarmente, que o TSE ordenasse a retirada do conteúdo do evento que foi veiculado e gravado pelas plataformas digitais.
O pedido de liminar foi atendido pelo relator, ministro Mauro Campbell, e referendado por unanimidade pela Corte Eleitoral em agosto do ano passado.
Voto do relator
Ao votar, inicialmente, ministro Benedito Gonçalves, relator do caso, rejeitou pedido da defesa do político de que a inclusão da "minuta golpista" na ação deveria ser anulada. Segundo S. Exa., apesar do documento ser posterior a abertura da ação, já teve o aval do TSE.
Em seguida, o relator asseverou que palavras e discursos podem causar danos à democracia. "Em razão da grande relevância e da performance discursiva para o processo eleitoral e vida política, não é possível fechar os olhos para os efeitos antidemocráticos de discursos violentos e de mentiras que coloque em xeque a credibilidade da Justiça Eleitoral", afirmou.
No mais, S. Exa. pontuou estar comprovado que o ex-presidente foi o idealizador do encontro com embaixadores e destacou trechos do discurso feito pelo político que mostravam suas ideias antidemocráticas. "Diversas partes do discurso revelam que o investigado investiu energia em convencer que seu relato merecia mais confiança que informações oficiais do TSE", disse.
"A reunião, portanto, teve nítida finalidade eleitoral mirando influenciar o eleitorado e opinião pública nacional e internacional. O uso da estrutura pública e das prerrogativas do cargo do presidente da República foi contaminada pelo desvio de finalidade em favor da candidatura da chapa investigada."
No voto, Benedito também disse que as Forças Armadas passaram a ocupar papel central na estratégia de Bolsonaro confrontar o TSE. Segundo o relator, no discurso aos embaixadores, o político mencionou por 18 vezes "Forças Armadas", enquanto a palavra democracia apareceu apenas quatro vezes.
O ministro ainda destacou que por meio das lives em 2021, Bolsonaro cultivou "o sentimento de que uma ameaça grave rondava as eleições de 2022, e que essa ameaça partida do TSE".
Benedito também asseverou que a conduta do político "violou ostensivamente deveres de presidente da República (art. 85 da CF/88), em especial, zelar pelo exercício livre dos poderes instituídos, e dos direitos políticos e pela segurança interna". Isto porque, segundo ele, Bolsonaro buscou vitimizar-se e incentivou "a dúvida na competência do corpo técnico e a lisura do comportamento de seus ministros".
"[Bolsonaro] despejou sobre as embaixadoras e embaixadores mentiras atrozes a respeito da governança eleitoral brasileira."
Além disso, afirmou que o conteúdo comunicado no discurso não tinha qualquer aptidão para dissipar pontos obscuros, servindo, ao contrário, para incitar um estado de paranoia coletiva diante da quantidade de informações falsas. "Os fatos foram extremamente nocivos para o ambiente democrático", asseverou.
Assim, o relator concluiu pela ocorrência de abuso de poder político praticado de forma pessoal por Bolsonaro. Isto porque, segundo S. Exa., o então parlamentar "concedeu, definiu e ordenou que se realiza-se em tempo recorde, evento estratégico para sua pré-campanha, no qual fez uso de sua posição de presidente da República para potencializar os efeitos da massiva desinformação a respeito das eleições brasileiras".
"O primeiro investigado de forma hábil [Bolsonaro], conseguiu se impor para parte do eleitorado como fonte confiável a respeito do sistema de vocação e exerceu esse papel com desprezo as informações técnicas e as verdades dos fatos. Mobilizando sentimentos negativos, acirrou tensões institucionais e instigou a crença de que a adulteração de resultados era uma ameaça que rondava o pleito de 2022."
Nesse sentido, votou condenação de Jair Bolsonaro à inelegibilidade de oito anos. Em seguida, votou pela absolvição do candidato a vice do então presidente, Walter Souza Braga Netto.
Votos dos demais ministros em 29/6
Primeiro a votar na sessão de ontem foi o ministro Raul Araújo. Nas questões preliminares, divergiu do relator apenas na juntada da "minuta do golpe" aos autos por entender que não foi obtido qualquer indício de que a minuta guarde relação com o evento impugnado. Para Araújo, poderia haver uma extrapolação da causa de pedir.
No mérito, Raul citou o princípio da intervenção mínima. Segundo o ministro, o Judiciário deve interferir no processo eleitoral apenas quando estritamente necessário para garantir a soberania do sufrágio popular.
E disse que é evidentemente possível que atos anteriores repercutam no pleito, todavia, em uma constatação lógica, fatos em circustâncias posteriores às eleições não podem ter o condão de influenciar no evento já ocorrido. Na avaliação de S. Exa., ainda que tivesse sido demonstrada a relação entre a minuta e a reunião, "o que sequer ocorreu", mesmo assim tais fatos não poderiam servir de base para a aferição da gravidade da conduta.
"A aferição de atos de abuso deve ser a partir de seus próprios contornos e não de desdobramentos."
Depois, passou a analisar a reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada. Araújo concluiu que houve propaganda eleitoral irregular e que foram veiculados fatos sabidamente inverídicos e carentes de qualquer tipo de prova idônea, que inclusive já foram desmentidos pelo TSE.
Porém, citou o princípio da liberdade de expressão e entendeu que Bolsonaro abordou temas, como o voto impresso, que podem ser discutidos. "Cada cidadão é livre para crer no que quiser. A todos é lícito questionar, duvidar, defender e propor sistemas de votação diferentes." Para o ministro, houve excessos verbais, mas inexistem elementos de suficiente gravidade.
A respeito da transmissão pela EBC, avaliou que a reunião foi um ato solene, cujo protagonista foi o presidente da República, o que justifica a atuação da empresa pública.
Por fim, julgou improcedente o pedido de inelegibilidade de Bolsonaro por avaliar que a conduta não justifica a medida extrema.
“Fato é que a intensidade do comportamento concretamente imputado a reunião não foi tamanha para justificar a inelegibilidade.”
Ministro Floriano de Azevedo Marques foi o próximo a votar, acompanhando o relator. Para S. Exa., houve quebra da liturgia presidencial, com claro objetivo eleitoral de Bolsonaro. "Se aproximou muito de um discurso de comício em praça do interior."
Salientou que a reunião ocorreu de improviso, na residência do ex-presidente, demonstrando que não se tratou de um mero ato regular de agenda presidencial.
"Ainda sobre o preparo, faço uma consideração. O primeiro investigado [Jair Bolsonaro] era já candidato à reeleição.”
Na avaliação de Floriano, ficou configurado o abuso de poder e o desvio de finalidade, pois, em seu entendimento, houve emprego eleitoral em benefício de Bolsonaro através dos meios que dispunha como chefe do Executivo. "Discurso teve claro objetivo de se colocar dentro da estratégia eleitoral."
Adiante, citou a decisão do TSE que cassou o mandato e tornou inelegível o deputado estadual eleito pelo Paraná, em 2018, Fernando Destito Francischini. Para o ministro, ambos os casos são semelhantes, não tendo como descaracterizar o precedente.
“Se um candidato a deputado fala o mesmo que o presidente da República é censurado e torna-se inelegível, e vamos combinar que o potencial de um deputado estadual do Paraná é menor do que o de presidente, como essa Corte vai decidir que o mesmo teor de discurso não é suficiente? Votar contrário seria dar uma pirueta, não vejo como descaracterizar o precedente.”
A seguir, a palavra foi passada para André Ramos Tavares. O ministro ressaltou que na era digital o caos informativo pode ser facilmente instalado e destacou que é ainda mais grave quando esse caos é planejado e advém de discurso do presidente da República.
"A desinformação é uma espécie de poder atômico, com enorme poder de destruição."
Da análise do discurso de Bolsonaro, entendeu que ocorreram ataques infundados e falsos contra a urna eletrônica e a Justiça Eleitoral, com divulgação ampla e irrestrita.
Assim como Benedito e Floriano, André concluiu que houve desvio de finalidade, caracterizando o abuso de poder.
“É inviável acolher a tese defensiva que não houve a divulgação de informação falsa. Total deslocamento da realidade. Apesar da existência de algum elemento fático, se fabricou uma nova camada, seja acerca do significado dos fatos, seja dos seus desdobramentos. Assim, é legítimo caracterizar o discurso como falso.”
Pela gravidade da conduta, também votou pela inelegibilidade de Bolsonaro por oito anos.
“Ao contrário do que alegado, a exposição não teve caráter diplomático. Observa-se isso sim a mera roupagem diplomática, comprovada inclusive pelas condições em que ocorreu a reunião.”
Votos dos últimos ministros
A sessão desta sexta-feira começou com o voto da ministra Cármen Lúcia, que anunciou logo no início que acompanharia o relator Benedito Gonçalves. Assim, foi formada maioria para declarar Bolsonaro inelegível.
Durante sua fala, a ministra citou os frequentes ataques de Bolsonaro ao Judiciário e seus membros, dentre eles ministros Barroso, Fachin e Moraes. Segundo S. Exa., é possível haver críticas ao Judiciário, mas não é possível um servidor público, em um espaço público, fazer "achaques" contra ministros como se não estivesse atingindo a própria instituição.
"Não há democracia sem Poder Judiciário independente."
Penúltimo a votar foi o ministro Nunes Marques. S. Exa. fez um resgate histórico do voto impresso e disse que o tema tem sido pauta no Congresso por mais de duas décadas. "O debate sobre impressão do voto é quase tão antigo quanto a urna eletrônica."
Na avaliação de Nunes, a atuação de Bolsonaro na reunião com embaixadores não se voltou a obter vantagens políticas com o discurso ou desacreditar o sistema.
Para o ministro, o investigado buscou promover confrontação pública com então o presidente do TSE, que corretamente usou toda a estrutura da entidade para rebater ponto a ponto as declarações a respeito do sistema eletrônico.
Por entender que a conduta do ex-presidente não enseja punição tão grave, Nunes Marques acompanhou a divergência e votou contra a inelegibilidade.
Último a se manifestar foi o presidente do Tribunal, ministro Alexandre de Moraes, que acompanhou integralmente o relator.
Em seu voto, disse que a Justiça Eleitoral não pode admitir extremismos criminosos e atentórios contra a democracia e o Estado Democrático de Direito.
De acordo com Moraes, Bolsonaro organizou e promoveu, com auxílio do cerimonial do Palácio, uma reunião com diplomatas para divulgar desinformação, com conteúdo eleitoreiro. E concluiu também que o desvio de finalidade foi patente.
"Toda produção foi feita para que TV Brasil divulgasse e para que a máquina de desinformação das redes sociais multiplicasse essa desinformação, para que chegasse ao eleitorado."
Em seguida, Moraes afirmou que as falas do político nada se assemelham com liberdade de expressão. "Não há aqui nada de liberdade de expressão. (...) Presidente da República que ataca a Justiça Eleitoral, ataca a lisura do processo eleitoral que o elege há 40 anos. Isso não é exercício de liberdade de expressão, isso é conduta vedada", asseverou.
“Não vamos admitir que essas milícias digitais tentem novamente desestabilizar as eleições. Desestabilizar as instituições democráticas a partir de financiamentos espúrios não declarados, a partir de interesses econômicos não declarados", concluiu o presidente da Corte.
- Processo: Aije 0600814-85.2022.6.00.0000
Leia o voto oral do relator.