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Toffoli vota pela inconstitucionalidade da legítima defesa da honra

Plenário já decidiu, liminarmente, que a tese é inconstitucional. Agora, no julgamento do mérito, o relator incluiu vedação ao reconhecimento da nulidade na hipótese de a defesa ter se utilizado da tese com esta finalidade.

29/6/2023

Nesta quinta-feira, 29, o STF começou a julgar se a tese da legítima defesa da honra para crimes de feminicídio é inconstitucional. O plenário já decidiu, liminarmente, pela inconstitucionalidade da tese. Agora, julga o mérito.

A sessão desta quinta contou com as sustentações orais e o voto do relator, ministro Dias Toffoli. Ele manteve o posicionamento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero.

O ministro incluiu no voto dado na liminar que, diante da impossibilidade de o acusado beneficiar-se da própria torpeza, fica vedado o reconhecimento da nulidade na hipótese de a defesa ter se utilizado da tese com esta finalidade.

O julgamento prossegue na próxima semana.

Ministro Toffoli mantém voto pela inconstitucionalidade da legítima defesa da honra.(Imagem: Carlos Moura/SCO/STF)

Caso

O PDT - Partido Democrático Trabalhista acionou o STF para questionar a constitucionalidade da tese jurídica da "legítima defesa da honra". Na ADPF, a legenda argumenta que, com base na interpretação de dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal, Tribunais do Júri têm aplicado a tese e absolvido feminicidas.

De acordo com partido, a tese da legítima defesa da honra admite que uma pessoa, normalmente um homem, mate outra, normalmente uma mulher, para proteger sua honra, em razão de uma traição em relação afetiva.

O partido sustenta que qualquer interpretação de dispositivos infraconstitucionais que admita a absolvição de assassinos de mulheres por "legítima defesa da honra" não é compatível com os direitos fundamentais à vida e à não discriminação das mulheres nem com os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade.

Sustentações

Pela AGU, a advogada Alessandra Lopes da Silva Pereira disse me sustentação oral que inexiste injusta agressão à honra capaz de elidir a proteção decorrente do direito à vida e à integridade da vítima. E ainda chamou a tese de "lógica descabida". "Inverte os polos do processo penal e de forma simbólica inclui a vítima reduzida à condição de objeto no rol dos culpados."

Sustentando pela Associação Brasileira das Mulheres de Carreira Jurídica, o advogado Eric Diniz Casimiro ressaltou na tribuna que as mulheres ainda não conquistaram seu direito à vida. "É urgente e precisa ser implementado mediante políticas públicas de prevenção e enfrentamento a essa violência de gênero."

Thaise Mattar Assad falou pela Abracrim - Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas ressaltando o "quão repugnante" é a tese da legítima defesa da honra. No entanto, ressaltou que não se pode "admitir a flexibilização de direitos e garantias fundamentais, não podemos admitir a mitigação da plenitude de defesa". "Em nome de um processo penal constitucional" pediu a reanálise dos ministros, e "em nome de direito de defesa" a improcedência da ação.

O advogado Victor Minervino Quintiere, representando a Anacrim - Associação Nacional de Advocacia Criminal, lembrou do projeto e lei 2.325/21, em que o Senado analisa o uso da tese da "legítima defesa da honra" como argumento para a absolvição de acusados de feminicídio. E, assim, considerou que não seria hora de o STF julgar a procedência da ação.

Os dois advogados que representaram a advocacia criminal ressaltaram que a discussão é muito ampla, e lembraram o Tribunal do Júri, questionando se a inconstitucionalidade da norma colocaria em risco o exame individualizado dos fatos. Ressaltaram, ainda, que há dados de que o Júri condena mais pessoas que usam a teoria.

Augusto Aras, PGR, se manifestou pela procedência dos pedidos, a fim de que seja conferida interpretação conforme a Constituição aos dispositivos do CP e do CPP objetos da ação. "É preciso que não esqueçamos que a realidade constitucional deve ser adequada à Constituição jurídica. Um bem nunca se perde e quem ama não mata."

Traição, ciúme e paixão

Ao iniciar seu voto, o relator, ministro Dias Toffoli ressaltou que salta ao olhos que a legítima defesa da honra, na realidade, não configura legítima defesa.

"Tenho que a traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas, sendo que tanto homens quanto mulheres estão suscetíveis de praticá-la ou de sofrê-la. Seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo que se falar em um direito subjetivo de contra ela agir com violência."

Para o ministro, foi imbuído desse espírito e para evitar que a autoridade judiciária absolvesse o agente que agiu movido por ciúme ou outras paixões e emoções que o legislador ordinário inseriu no atual Código Penal a regra do art. 28, segundo a qual não excluem a imputabilidade penal a emoção ou a paixão.

"A honra refere-se a um atributo pessoal, íntimo e subjetivo, cuja tutela se encontra delineada na Constituição, por exemplo, na previsão do direito de resposta, e no Código Penal, Capítulo V, que prevê os tipos penais da calúnia, da difamação e da injúria. Portanto, aquele que se vê lesado em sua honra tem meios jurídicos para buscar sua compensação. Portanto, aquele que pratica feminicídio ou usa de violência, com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional de forma covarde e criminosa."

Recurso desumano e cruel

Segundo considerou o ministro, a chamada "legítima defesa da honra" corresponde, na realidade, "a recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões contra mulher para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões, contribuindo imensamente para a naturalização e a perpetuação da cultura de violência contra as mulheres no Brasil".

"A ideia que subjaz à 'legítima defesa da honra' - perdão do autor de feminicídio ou agressão praticado contra a esposa ou companheira adúltera - tem raízes arcaicas no direito brasileiro, constituindo um ranço, na retórica de alguns operadores do direito, de institucionalização da desigualdade entre homens e mulheres e de tolerância e naturalização da violência doméstica, as quais não têm guarida na Constituição de 1988."

Anacronismo

O ministro refletiu que foi no discurso jurídico acerca da legítima defesa que se abriu espaço para a tolerância em relação aos homicídios cometidos por homens contra esposas consideradas adúlteras, "visando à tutela da honra masculina, a qual era reforçada pela lei civil, que, trazendo conceitos como 'mulher honesta' e 'mulher já deflorada', conferia tratamento extremamente desigual entre os gêneros".

"Percebe-se, portanto, o anacronismo da ideia de legítima defesa da honra, a qual remonta a uma concepção rigidamente hierarquizada de família, na qual a mulher ocupa posição subalterna e tem restringida sua dignidade e sua autodeterminação. Segundo essa percepção, o comportamento da mulher, especialmente no que se refere à sua conduta sexual, seria uma extensão da reputação do 'chefe de família', que, sentindo-se desonrado, agiria para corrigir ou cessar o motivo da desonra."

Ainda, o ministro ressaltou que se trata de tese violadora dos direitos à vida e à igualdade entre homens e mulheres, também pilares da ordem constitucional. A ofensa a esses direitos concretiza-se, sobretudo, no estímulo à perpetuação da violência contra a mulher e do feminicídio, ressaltou Toffoli. Para ele, o acolhimento da tese da legítima defesa da honra tem a potencialidade de estimular práticas violentas contra as mulheres ao exonerar seus perpetradores da devida sanção.

Tribunal do Júri

Crítico do Tribunal do Júri, o ministro considerou que a Constituição garante aos réus submetidos ele, plenitude de defesa, no sentido de que são cabíveis argumentos jurídicos e não jurídicos – sociológicos, políticos e morais, por exemplo -, para a formação do convencimento dos jurados.

"Não obstante, para além de um argumento atécnico e extrajurídico, a 'legítima defesa da honra' é estratagema cruel, subversivo da dignidade da pessoa humana e dos direitos à igualdade e à vida e totalmente discriminatória contra a mulher, por contribuir com a perpetuação da violência doméstica e do feminicídio no país. Logo a legítima defesa da honra, nessa perspectiva, não cabe ser invocada como argumento jurídico ou não jurídico inerente à plenitude de defesa própria do Tribunal do Júri."

Com efeito, para o ministro, é inaceitável que o acusado de feminicídio seja absolvido com base "na esdrúxula tese da 'legítima defesa da honra'".

"Dessa forma, caso a defesa lance mão, direta ou indiretamente, da tese inconstitucional de legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese), seja na fase pré-processual, processual ou no julgamento perante o tribunal do júri, caracterizada estará a nulidade da prova, do ato processual ou até mesmo dos debates por ocasião da sessão do júri (caso não obstada pelo Presidente do Júri), facultando-se ao titular da acusação recorrer de apelação na forma do art. 593, III, a, do Código de Processo Penal."

Diante disso, julgou parcialmente procedente a ação para:

(i) firmar o entendimento de que a tese da legítima defesa da honra é inconstitucional, por contrariar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proteção à vida e da igualdade de gênero (art. 5º, caput, da CF);

(ii) conferir interpretação conforme à Constituição aos arts. 23, inciso II, e 25, caput e parágrafo único, do Código Penal e ao art. 65 do Código de Processo Penal, de modo a excluir a legítima defesa da honra do âmbito do instituto da legítima defesa e, por consequência,

(iii) obstar à defesa, à acusação, à autoridade policial e ao juízo que utiliza, direta ou indiretamente, a legítima defesa da honra (ou qualquer argumento que induza à tese) nas fases pré-processual ou processual penais, bem como durante o julgamento perante o tribunal do júri, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

(iv) diante da impossibilidade de o acusado beneficiar-se da própria torpeza, fica vedado o reconhecimento da nulidade na hipótese de a defesa ter se utilizado da tese com esta finalidade.

Após o voto, a sessão foi suspensa.

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