Nesta quarta-feira, 28, terminou o XI Fórum Jurídico de Lisboa. Autoridades estiveram presentes em Portugal para debaterem o tema "Governança e constitucionalismo digital". Ao encerrar o evento, ministro Gilmar Mendes citou o 8 de janeiro, dia da infâmia, para exemplificar como os desdobramentos concretos causados pelo "novo digital" são "eloquentes demais para serem colocados para debaixo do tapete".
Gilmar ressaltou no discurso que ficou muito bem evidenciado que os desafios que a ambiência digital apresenta à governança são significativos – e palpáveis.
"Algoritmos, Inteligência Artificial Generativa e desenvolvimentos que tais não podem continuar a receber dos juristas uma abordagem 'blasé'. Por mais que a representação mental dessas instâncias cause alguma dificuldade àqueles que nasceram na era analógica, os desdobramentos concretos causados pelo novo 'digital' são eloquentes demais para serem colocados para debaixo do tapete."
Para o ministro, "é difícil imaginar algo mais concreto do que a destruição do Supremo Tribunal Federal, do Palácio do Planalto e de partes do Congresso Nacional do Brasil, em 8 de janeiro de 2023". "Oportunidade em que o Brasil apresentou ao mundo mais uma jabuticaba: o golpe por terceirização", citou.
Segundo Gilmar, a brutalidade daquelas cenas foi antecedida da circulação de conteúdo online produzidos por grupos extremistas nos dias que antecederam os atos terroristas.
"Toda essa orquestração virtual deu-se livremente; os intermediários que difundiram esses conteúdos não adotaram medida alguma para lidar com os riscos sistêmicos gerados por publicações abertamente imbuídas do propósito de abolir o Estado Democrático de Direito."
Veja a íntegra do discurso:
Senhoras, Senhores,
Quando de minha fala na Mesa de Abertura, mencionei a vocação inata do Fórum Jurídico de Lisboa para pensar os problemas contemporâneos em chave propositiva. Nesta 11ª edição não sucedeu de modo diverso.
Ficou muito bem evidenciado que os desafios que a ambiência digital apresenta à governança são significativos – e palpáveis. Algoritmos, Inteligência Artificial Generativa e desenvolvimentos que tais não podem continuar a receber dos juristas uma abordagem "blasé". Por mais que a representação mental dessas instâncias cause alguma dificuldade àqueles que nasceram na era analógica, os desdobramentos concretos causados pelo novo "digital" são eloquentes demais para serem colocados para debaixo do tapete.
A propósito, é difícil imaginar algo mais concreto do que a destruição do Supremo Tribunal Federal, do Palácio do Planalto e de partes do Congresso Nacional do Brasil, em 8 de janeiro de 2023, oportunidade em que o Brasil apresentou ao mundo mais uma jabuticaba: o golpe por terceirização. A brutalidade daquelas cenas foi antecedida da circulação de conteúdos on-line produzidos por grupos extremistas nos dias que antecederam os atos terroristas. Toda essa orquestração virtual deu-se livremente; os intermediários que difundiram esses conteúdos não adotaram medida alguma para lidar com os riscos sistêmicos gerados por publicações abertamente imbuídas do propósito de abolir o Estado Democrático de Direito.
Ninguém poderia seriamente sustentar que esse putsch terceirizado ocorreria sem a complacência das grandes plataformas de tecnologia, que convenientemente fornecem ao populismo autoritário a oportunidade de se portar como leão entre ovelhas – o que Camões alertava ser sinal de covardia (Lusíadas, Canto I, n. 68).
As intervenções produzidas ao longo desta 11ª edição do Fórum convergiram na compreensão de que a solução para esse problema passa pelo reforço da dimensão procedimental do direito fundamental à autodeterminação informativa. O prognóstico parece tanto mais acertado porque igualmente correta é a premissa contextual na qual se assenta: revelou-se implausível esperar auto-regulação por parte daqueles que lucram com o caos.
Que essa e tantas outras conclusões e propostas construtivas tenham sido vocalizadas neste 11º Fórum é algo que não me surpreende. Soluções para problemas complexos requerem diálogo franco, produtivo e sincero. E estamos em Portugal, meus caros. Foi ninguém menos que o Excelentíssimo Marcelo Rebelo de Sousa, apoiado em Miguel Torga, que asseverou, quando da posse na Presidência dessa Nação de quase nove séculos: a gente de Portugal é "a própria inquietação encarnada. Foi ela que" os fez "transpor todos os limites espaciais e conhecer todas as longitudes humanas".
Essas palavras contêm profunda verdade. Verdade, entretanto, tripudiada por quem se dispõe a atualizar a figura camoniana do "Velho do Restelo", ao indagar o porquê de este Fórum se dar em Portugal. As lamúrias que tais capideiros de gente viva tecem às naves que partiram para cruzar o mar os impedem de perceber que não é o Brasil que precisa de Lisboa, e sim – como mais uma vez pontificou o eminente Marcelo Rebelo de Sousa – o mundo que se faz cada vez mais necessitado da vivacidade do povo português: de sua cultura, de sua "vocação para o abraçar cordialmente".
Fomos mais uma vez muito bem abraçados por nossos irmãos portugueses; com um não menos afetuoso abraço também aqui me despeço.
Muito obrigado!
O evento
O XI Fórum Jurídico de Lisboa ocorre nos dias 26, 27 e 28 de junho, sob o mote principal "governança e constitucionalismo digital". O evento é organizado pelo IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, pelo ICJP - Instituto de Ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pelo CIAPJ/FGV - Centro de Inovação, Administração e Pesquisa do Judiciário da FGV Conhecimento.