Ministro André Mendonça, nesta quarta-feira, 7, pediu vista e suspendeu julgamento que analisava marco temporal para a demarcação de terras indígenas no país.
Marco temporal é a tese que estabelece que os povos indígenas só têm direito à demarcação de suas terras se provarem que a ocupavam no dia da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988).
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Antes da vista, os ministros Edson Fachin (relator) e Alexandre de Moraes votaram contra o marco temporal, por considerar que a terra indígena deve ser definida por tradicionalidade. Já o ministro Nunes Marques divergiu, considerando que a falta de um marco causa insegurança jurídica.
A quem pertence a terra?
Em 2009, a FATMA - Fundação do Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina buscou a Justiça, por meio de ação de reintegração de posse, dizendo que é legítima possuidora de uma área de mais de 80 mil m² localizada na linha "Esperança-Bonsucesso". Segundo a Fundação, essa área compõe uma gleba maior, chamada de "Reserva Biológica do Sassafras".
Acontece que, naquele ano, 100 indígenas ocuparam a referida área, "ali se instalando, e acabaram por derrubar a mata nativa do interior da reserva, construíram picadas e montaram barracas".
A FUNAI - Fundação Nacional do Índio rebateu o argumento da FATMA alegando que aquela área, na verdade, é protegida pela portaria 1.182/03, do ministério da Justiça, que declarou de posse permanente dos grupos indígenas Xokleng, Kaingang e Guarani a Terra indígena Ibirama-La Klãnõ, com superfície aproximada de 37 mil hectares, localizada nos municípios de Doutor Pedrinho, Itaiópolis, José Boiteux e Vitor Meireles, todos em Santa Catarina.
Em 1º e 2º graus a Justiça entendeu que a área deveria ser reintegrada à FATMA - Fundação do Meio Ambiente, sob o seguinte fundamento:
"Não há elementos que permitam inferir que as terras referidas na petição inicial sejam tradicionalmente ocupadas pelos índios, na forma do art. 231 da Constituição Federal, máxime porque quem as vem ocupando, ainda atualmente, para fins de preservação ambiental, como visto, é a parte autora."
Em 2019, o plenário do STF reconheceu a repercussão geral da matéria por unanimidade. Naquela oportunidade, o relator, ministro Fachin, frisou que não estão pacificadas pela sociedade, nem mesmo pelo Poder Judiciário, questões como o acolhimento pelo texto constitucional da teoria do fato indígena, os elementos necessários à caracterização do esbulho possessório das terras indígenas e sua relação com procedimento administrativo de demarcação.
O julgamento
Relator, ministro Edson Fachin, se manifestou contra o marco temporal. Para S. Exa., a proteção constitucional aos “direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam”, não depende da existência de um marco nem da configuração do esbulho renitente com conflito físico ou de controvérsia judicial persistente na data da promulgação da Constituição.
Em contrapartida, ministro Nunes Marques, é a favor do marco temporal. S. Exa. entende que a Constituição de 1988 reconheceu aos indígenas, entre outros pontos, os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, mas essa proteção constitucional depende do marco temporal.
No mais, segundo o ministro, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial, sendo necessária a comprovação de que a área estava ocupada na data da promulgação da Constituição ou que tenha sido objeto de esbulho, ou seja, que os indígenas tenham sido expulsos em decorrência de conflito pela posse.
Voto-vista
Ao apresentar voto-vista, ministro Alexandre de Moraes afastou a ideia do marco temporal. Segundo S. Exa., a adoção de um marco temporal pode representar ignorar totalmente direitos fundamentais.
“A ideia do marco temporal, a meu ver, não pode ser uma radiografia. Não é um marco instantâneo que a partir dele, quem não estivesse naquele momento não possa mais pleitear a demarcação.”
Em seu entendimento, deve haver uma compatibilização entre os diretos fundamentais da comunidade indígena e os direitos daqueles que adquiriram a terra, tradicionalmente reconhecida como indígena, de boa-fé. Segundo S. Exa., nessa situação, a indenização deve ser completa, pois a culpa da “omissão, o lapso, foi do Poder Público, que deve arcar com isso para garantir a paz social”.
Assim, Moraes propôs a seguinte tese:
"Os direitos territoriais indígenas consistem em direito fundamental dos povos indígenas e se concretizam no direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, sob os seguintes pressupostos:
I - a demarcação consiste em procedimento declaratório do direito originário territorial à posse das terras ocupadas tradicionalmente por comunidade indígena;
II - a posse tradicional indígena é distinta da posse civil, consistindo na ocupação das terras habitadas em caráter permanente pelos índios, das utilizadas para suas atividades produtivas, das imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e das necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições, nos termos do §1º do artigo 231 do texto constitucional;
III - a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988, ou da configuração do remitente esbulho como conflito físico ou controvérsia judicial persistente a data da promulgação da Constituição.
IV – Inexistindo a presença do marco temporal (CF/88) ou de remitente esbulho, como conflito físico ou controvérsia judicial persistente a data da promulgação da Constituição, são válidos e eficazes, produzindo todos os seus efeitos os atos e negócios jurídicos perfeitos e a coisa julgada, que tem a ver por objeto a posse, o domínio ou a ocupação de boa-fé das terras de ocupação tradicional indígena, ou exploração das riquezas, dos solos, rios e lagos nela existentes. Assistindo ao particular direito a indenização prévia em face da União, em dinheiro ou em títulos da dívida agrária, tanto em relação a terra nua quanto as benfeitorias necessárias e úteis realizadas.
V- Na hipótese prevista no item anterior, sendo contrário ao interesse público, a desconstituição da situação consolidada e buscando a paz social, a União poderá realizar a compensação as comunidades indígenas, concedendo-lhes terras equivalentes as tradicionalmente ocupadas, desde que haja expressa concordância.
VI - o laudo antropológico realizado nos termos do Decreto nº 1.776/1996 é elemento fundamental para a demonstração da tradicionalidade da ocupação de comunidade indígena determinada, de acordo com seus usos, costumes e tradições;
VII - o redimensionamento de terra indígena não é vedado em caso de descumprimento dos elementos contidos no artigo 231 da Constituição da República, por meio de procedimento demarcatório nos termos nas normas de regência;
VIII- as terras de ocupação tradicional indígena são de posse permanente da comunidade, cabendo aos índios o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e lagos nelas existentes;
IX - as terras de ocupação tradicional indígena, na qualidade de terras públicas, são inalienáveis, indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis;
X - há compatibilidade entre a ocupação tradicional das terras indígenas e a tutela constitucional ao meio ambiente."
- Processo: RE 1.017.365