Ministro Gilmar Mendes, em atuação na 2ª turma do STF, restabeleceu sentença de impronúncia e liberou de ser julgado pelo Tribunal do Júri um pedreiro de 40 anos acusado de homicídio doloso com base em testemunhas indiretas, isto é, que não presenciaram o fato, apenas ouviram relatos de terceiros a respeito do crime.
A prática é conhecida em inglês como "hearsay testimony", ou uma testemunha que "ouviu dizer" algo sobre o fato. Assim explicou a Defensoria Pública do Paraná, que atua na defesa do morador de Curitiba desde 2017, quando se tornou réu pela acusação de ter esfaqueado um homem em um bar, em 2013. O acusado chegou a ficar preso por quase oito meses em 2020.
O homem foi denunciado e impronunciado pelo juízo do Júri. O MP recorreu para reformar a sentença, o TJ deu provimento ao recurso e determinou que o acusado fosse submetido ao julgamento do Júri. Ele tentou se socorrer ao RESp, mas o recurso foi improvido porquanto o STJ considerou que, na fase da pronúncia, "deve prevalecer o princípio in dubio pro societate".
Após analisar HC impetrado no STF, o ministro Gilmar Mendes, em decisão proferida no último dia 10 de maio, considerou que não procedia a denúncia feita pelo MP que pretendia levar o homem a júri popular. Ele destacou que a sentença verificou que "não há nos autos quaisquer outros elementos de prova que possam caracterizar a presença de indícios suficientes de autoria delitiva contra o paciente, além de 'ouvir falar', de 'ouvir dizer' de terceiros".
Gilmar Mendes criticou o uso do "in dubio pro societate" (na dúvida, pró sociedade), o qual "não encontra qualquer amparo constitucional ou legal e acarreta o completo desvirtuamento das premissas racionais de valoração da prova", contrariando o princípio da presunção de inocência, consagrado pela CF: o in dubio pro reo.
"No processo penal, a dúvida sempre se resolve em favor do réu, de modo que é imprestável a resolução em favor da sociedade. (...) Além de desenfocar o debate e não apresentar base normativa, o in dubio pro societate desvirtua por completo o sistema bifásico do procedimento do júri brasileiro com o total esvaziamento da função da decisão de pronúncia.”
Ausentes os elementos de prova que caracterizem indícios suficientes de autoria delitiva, Gilmar Mendes concedeu o HC para restabelecer a sentença de impronúncia.
O ministro concluiu dizendo que nada impede o oferecimento de nova denúncia se surgirem novas provas.
- Processo: HC 227.328
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