Migalhas Quentes

Legislação é taxativa na proibição da publicidade infantil

Para especialistas que participaram do webinar "Publicidade infantil é ilegal SIM!" liberdade de expressão e de livre iniciativa não podem se sobrepor aos direitos da criança, cuja criação e educação devem ser livres de qualquer interferência de assédio publicitário.

11/4/2023

No Brasil, a publicidade infantil é proibida desde 1990, por meio do código de defesa do consumidor. A legislação considera abusiva e ilegal a prática de direcionar qualquer ação ou comunicação mercadológica dirigida a crianças com o objetivo de divulgar e estimular o consumo de produtos, marcas ou serviços.

Para debater a publicidade direcionada a crianças, o Migalhas, em parceria com o Instituto Alana, o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e a ACT Promoção da Saúde, realizou hoje o webinar "Publicidade infantil é ilegal SIM!" (assista aqui). O evento serviu de palco para o lançamento do guia "Publicidade infantil é ilegal no Brasil", produzido pelas três instituições (baixe aqui).

A publicação faz uma análise do tema no ordenamento jurídico brasileiro e reúne precedentes do STF e do STJ que reconhecem a abusividade da publicidade dirigida à infância. É voltada para membros do Poder Judiciário, advogados e advogadas, pesquisadores e pesquisadoras, defensores dos direitos da criança e da alimentação adequada e saudável, e demais operadores do Direito na defesa do direito da criança de ser protegida contra toda forma de exploração comercial.  

A obra pretende demonstrar que por imposições éticas e legais as empresas deveriam poupar a criança – pessoa em estágio de desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social – de apelos persuasivos de consumo.

Ao analisar sistematicamente os dispositivos que tratam da matéria no ordenamento jurídico brasileiro, os autores procuram questionar jurídica e moralmente o direito das empresas de abordar por meio da publicidade um público que é considerado incapaz pelo Código Civil e protegido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) em razão de sua deficiência de julgamento e experiência.

Ao apresentar o guia, João Lopes Guimarães Júnior, que estuda o tema há mais de 20 anos enquanto integrava o MP/SP, explicou que a publicação traz de forma muito coesa argumentos jurídicos e ideológicos para que se proíba a publicidade dirigida à criança. "O documento teve a felicidade de tocar em todos as questões que envolvem a discussão da ilegalidade da publicidade para a criança".

São tratados temas como liberdade de expressão e de livre iniciativa e a constitucionalidade da proibição da publicidade dirigida às crianças, o papel do pai, da mãe e responsáveis nas decisões de consumo dos filhos, e a insuficiência da autorregulação para coibir práticas de marketing abusivas.

Neste ponto, o professor Adalberto Pasqualotto, membro do Comitê do Observatório de Publicidade de Alimentos, faz um paralelo com o julgamento da proibição da propagando do tabaco. Para ele, a publicidade infantil é taxativamente impedida, já que seus efeitos no contexto social prejudicam a saúde, como no caso de alimentos ultraprocessados, e geram danos psicológicos, como incentivo ao hipercosumo e distorção de valores, onde as crianças aprendem desde cedo que precisam consumir para serem aceitas em determinados grupos. Nesse aspecto, ele critica as redes sociais e os influenciadores digitais.

"Nós temos um complexo de fatores sociais, econômicos e culturais que levam ao desencadeamento de emoções descontroladas, que no clímax podem chegar a fatídicos acontecimentos. É preciso olhar a publicidade como integrante da cadeia de incentivo ao hiperconsumo e ao descontrole emocional. Em razão de colocar o ser abaixo do ter; o supérfluo acima do essencial e o gozo imediato acima da perenidade de valores".

Para a doutora em Comunicação, Brenda Guedes é preciso entender a especificidade das crianças, deixando de enxergá-las como target, e disseminar a informação sobre a ilegalidade das peças dirigidas a elas. Ela aponta como um dos desafios incorporar o debate no processo de formação de publicitários e comunicadores em geral, sob a perspectiva de princípios éticos durante o processo de formação das campanhas.

"É injusto culpabilizar mães, pais e responsáveis e dizer que eles são os únicos que precisam identificar e praticar limites a esse ritmo desenfreado de consumo e de comodificação da vida, onde tudo se transforma em mercadoria. Estamos imersos numa cultura do consumo e numa cultura promocional, em que nos vemos reproduzindo formas de nos vender. Reproduzindo o sistema que criticamos".

Outro ponto de destaque é a publicidade de alimentos ultraprocessados e o impacto na saúde das crianças. O texto reúne dados recentes sobre obesidade infantil, e recupera posicionamentos e resoluções da OMS, Organização Panamericana de Saúde (OPAS), Unicef que reconhecem que as estratégias de marketing de produtos não saudáveis voltadas para crianças e adolescentes é uma questão de saúde pública.

Sobre o tema, a advogada Fernanda Nunes Barbosa trouxe como exemplo uma campanha de alimentos congelados que, embora fosse um produto direcionado a adultos, sua comunicação mercadológica atingia o público infantil. 

De acordo com o livro "nenhuma estratégia de combate à obesidade infantil pode ignorar a enorme capacidade que tem a atividade publicitária de influenciar a quantidade e a qualidade dos produtos consumidos por crianças. Se a redução do avanço da obesidade da população é um desafio urgente para a saúde pública no Brasil e no mundo, governos, empresas e a sociedade civil devem unir seus esforços para conhecer suas causas e implementar soluções capazes de reduzir os alarmantes índices dessa pandemia".

Em síntese, a obra traz argumentos sólidos para que o direito de veicular publicidade seja exercido pelas empresas com plena responsabilidade social, sem nenhuma ameaça aos direitos da criança, cuja criação e educação devem ser livres de qualquer interferência de assédio publicitário.

Acesse a publicação aqui.

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