A 16ª câmara Criminal do TJ/SP, sob relatoria do desembargador Guilherme de Souza Nucci, declarou a ilicitude das provas obtidas a partir de denúncia anônima e posterior ingresso em domicílio, por policiais civis, com a consequente absolvição de tráfico de drogas por falta de provas.
O caso
De acordo com a denúncia, uma mulher teria guardado, para fins de traficância, 10 porções de cocaína (1,5g) e uma porção de maconha (37,85g), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Consta também que, na mesma data e em outro endereço, o corréu teria guardado, para fins de traficância, 30 porções de maconha (51,2g), sem autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
Segundo a peça acusatória, em data incerta, na cidade de Cruzeiro/SP, os réus se associaram para o fim de praticar, reiteradamente, o tráfico de drogas.
Ainda de acordo com a denúncia, após receberem informações anônimas dando conta da venda de entorpecentes pela mulher, policiais civis se dirigiram à casa dela, onde supostamente obtiveram autorização da genitora para ingressar no imóvel. Ao entrarem na residência, localizaram as porções de drogas acima mencionadas, além da quantia de R$ 68.
Na sequência, supostamente com a permissão da ré, os policiais vistoriaram o aparelho celular dela, identificando uma conversa mantida com o corréu, tratando da existência de entorpecentes guardados em sua residência.
Posteriormente, os agentes de segurança compareceram à residência dele, onde localizaram os demais entorpecentes apreendidos na investigação.
Nulidade de provas
Em 1º grau, os pacientes foram condenados. A mulher recebeu a pena de 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 2.100 dias-multa. O corréu, por sua vez, foi sentenciado a 10 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial fechado, e pagamento de 1.599 dias-multa. Desta decisão ambos recorreram ao TJ/SP.
O relator da apelação, Guilherme de Souza Nucci, ponderou que a absolvição dos réus é medida que se impõe, “pois, malgrado aparentemente demonstrada a autoria no decorrer da instrução processual, denota-se ilícita a atuação policial no presente caso e, por consequência, a apreensão das drogas, não havendo, assim, provas suficientes para reafirmar o édito condenatório”.
Segundo Nucci, não há nenhuma informação nos autos que pudesse esclarecer a origem da denúncia anônima, a qual, portanto, além de não ter sido devidamente documentada pela polícia na fase de inquérito policial e haver divergência sobre a sua existência, é deveras genérica, impedindo o controle jurisdicional acerca de eventual fundamento válido para a invasão do domicílio da recorrente, sob pena de possibilitar a entrada de agentes públicos na residência de pessoas com base em uma justificativa geral e automática de uma denúncia anônima pouco esclarecida.
“De outro lado, deve-se salientar que a entrada dos policiais civis no imóvel da recorrente se deu sem nenhuma diligência prévia de investigação policial, como o acompanhamento do movimento dentro e fora do imóvel por meio de campanas, com registro documental, ou mesmo o flagrante de uma atividade de mercancia ilícita, não se demonstrando sequer a urgência necessária para a excepcional devassa no interior da residência naquele momento específico por parte dos policiais.”
Em suma, afirmou o relator, todas essas circunstâncias fáticas específicas do caso concreto, examinadas em seu conjunto, como a denúncia anônima genérica e não esclarecida sequer de modo mínimo quanto à sua origem e até mesmo quanto à sua existência, bem assim a atuação da polícia, de maneira açodada, com entrada imediata na residência da apelante sem prévia autorização judicial, em situação que não denotava urgência, ausente prévia investigação policial acurada acerca dos fatos, resultam na conclusão de que a apreensão dos entorpecentes, nas casas dos acusados, não se revestiu das formalidades legais necessárias, a denotar a ilicitude das referidas provas.
Por consequência, o colegiado reformou a sentença e absolveu os réus.
- Processo: 1500466-02.2020.8.26.0621
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