Migalhas Quentes

Empresa manterá plano de saúde de empregada vítima de violência sexual

Após o fato, a trabalhadora precisou se afastar de suas funções em razão do trauma sofrido, passando a fazer acompanhamentos psicológicos e psiquiátricos.

31/3/2023

A 1ª seção de Dissídios Individuais do TRT da 4ª região decidiu manter decisão de 1º grau que obrigou uma empresa a seguir com o plano de saúde de trabalhadora vítima de violência sexual. O acórdão é resultante do julgamento de mérito de um mandado de segurança movido pelo empregador que tentava reverter a decisão. O relator da matéria, desembargador  Marcelo José Ferlin D'Ambroso, já havia decidido nesse sentido ao apreciar pedido liminar.

No que diz respeito ao restabelecimento do plano de saúde para tratamento dos danos psicológicos decorrentes da violência sofrida (plano esse que foi reconhecidamente disponibilizado pela empresa), cabe registrar que a sua manutenção, além de preservar garantias tipicamente trabalhistas, está em consonância com os direitos fundamentais que visam à preservação da saúde e da integridade física e psicológica da trabalhadora, bem como as que reconhecem a função social da empresa (arts. 5º, XXIII e 170, III, ambos da CF).

O caso

A empregada afirmou ter sido vítima de violência sexual no seu ambiente de trabalho. Conforme o relato, a violência foi praticada por um colega quando ela chegava no seu posto para a troca do turno. Após o fato, a trabalhadora precisou se afastar de suas funções em razão do trauma sofrido, passando a fazer acompanhamentos psicológicos e psiquiátricos. O acusado foi demitido. A vítima tentou voltar ao trabalho, mas não conseguiu.

Tempos depois, a empresa cancelou o plano de saúde dela. O argumento para esse cancelamento foi o de que a trabalhadora teria parado de pagar a coparticipação. Sustentaram ainda que fizeram o aviso prévio de que isso ocorreria se ela continuasse inadimplente. A defesa da reclamante ingressou com ação trabalhista pedindo o restabelecimento do plano. Após ouvir as partes e o Ministério Público do Trabalho, o juízo decidiu por deferir a antecipação da tutela.

Sem adentrar ao mérito da demanda, cujo juízo de valor somente poderá restar suficientemente claro quando produzidas todas as provas necessárias, acolho o pedido antecipatório, determinando que a Acionada restabeleça o plano de saúde da Autora, custeando o valor respectivo, integralmente”, decidiu o juízo de 1º grau.

A trabalhadora precisou se afastar de suas funções em razão do trauma sofrido, passando a fazer acompanhamentos psicológicos e psiquiátricos.(Imagem: Freepik)

A empresa ingressou com mandado de segurança no TRT-4 para tentar reverter essa decisão, mas não obteve êxito. Por unanimidade, os desembargadores da 1ª seção de Dissídios Individuais da Corte mantiveram o que havia sido decidido em primeira instância, ou seja, o restabelecimento do plano de saúde, com pagamento integral pela empresa.

Conforme o relator, não se trata de mera liberalidade custear a integralidade do plano de saúde. Cita o art. 6º, par. 3º, I, da lei 8.080/90, que detalha o que se entende por saúde do trabalhador, como, por exemplo, a recuperação e reabilitação de empregados submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho.

Para o magistrado, diante dos fatos narrados e do que consta no registro de ocorrência policial, por exemplo, há evidências de que a trabalhadora sofreu violência sexual praticada por um colega. Lembrou na decisão que a própria empresa entendeu o fato como gravíssimo e promoveu a despedida do acusado.

Os danos psicológicos oriundos da violência sexual sofrida pela litisconsorte (trabalhadora) são evidentes”, frisou o relator, ao citar um atestado médico que constatou transtorno do estresse pós-traumático e prorrogou o período de afastamento do trabalho por mais 90 dias.

D'Ambroso acrescentou que, para a análise desse caso, é necessário utilizar uma perspectiva de gênero. Lembrou que o Brasil é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres da ONU e citou seu art. 7º, que prevê a obrigação de "tomar as medidas apropriadas para eliminar a discriminação contra a mulher praticada por qualquer pessoa, organização ou empresa".

O magistrado também traz em seu voto trechos da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, concluída em Belém do Pará, em 9 de junho de 1994. O art. 2º define o entendimento de que a violência contra a mulher abrange a violência psicológica ocorrida em qualquer relação interpessoal e o assédio sexual no local de trabalho.

Ainda para fundamentar sua decisão, o desembargador cita o inciso III do art. 932 do Código Civil, que diz que são também responsáveis pela reparação civil “o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”.

Além da esfera trabalhista, o caso está em análise pela Polícia Civil, já que o estrupo é tipificado no art. 213 do Código Penal, com penas que vão de seis a dez anos de prisão.

O número do processo não foi disponibilizado.

Informações: TRT da 4ª região.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

Empresa não indenizará empregada violentada no caminho para casa

24/4/2022
Migalhas Quentes

Juíza condena empresas de transporte por assédio sexual a trabalhadora

22/4/2022
Migalhas Quentes

STJ aplica Lei Maria da Penha em crime cometido pelo neto da patroa contra empregada

7/12/2020
Migalhas Quentes

Após alegação de “brincadeira”, loja e gerente são condenados por assédio sexual

21/5/2019
Migalhas Quentes

Empregado que tentou beijar colega à força tem justa causa confirmada

10/4/2019

Notícias Mais Lidas

"Vale-peru"? TJ/MT fixa R$ 10 mil de auxílio-alimentação em dezembro

19/12/2024

Bosch é condenada a pagar R$ 1,7 mi por fraude em perícias judiciais

19/12/2024

iFood é multada por designar representante hospitalizado em audiência

19/12/2024

PEC que limita supersalários de servidores é aprovada pelo Congresso

20/12/2024

MP/BA investiga Claudia Leitte por retirar "Iemanjá" de música

19/12/2024

Artigos Mais Lidos

Afinal, quando serão pagos os precatórios Federais em 2025?

19/12/2024

Discriminação nos planos de saúde: A recusa abusiva de adesão de pessoas com TEA

19/12/2024

Planejamento sucessório e holding patrimonial: Cláusulas restritivas societárias

20/12/2024

Decisão importante do TST sobre a responsabilidade de sócios em S.A. de capital fechado

20/12/2024

As perspectivas para o agronegócio brasileiro em 2025

20/12/2024