A Corte Especial do STJ iniciou nesta quarta-feira, 1º, o julgamento do REsp 1.795.982, em que se discute a possibilidade de aplicar a taxa Selic para a correção de dívidas civis, em detrimento do modelo de correção monetária somada aos juros de mora. O relator do processo, ministro Luis Felipe Salomão, votou contra a utilização da Selic nesses casos.
Para ele, a taxa Selic não se revela adequada para ser utilizada com fins de correção monetária e juros de mora nas dívidas civis – como na indenização por danos morais, caso do recurso em julgamento.
"Considero que, para as dívidas civis, o melhor critério é mesmo a utilização de índice oficial de correção monetária – que, em regra, consta da tabela do próprio tribunal local – somado à taxa de juros de 1% ao mês (ou 12% ao ano), na forma simples, nos termos do disposto no parágrafo 1º do artigo 161 do CTN", declarou Salomão.
Em seu voto, o ministro apontou sete motivos pelos quais não considera a Selic adequada para as dívidas decorrentes de responsabilidade civil contratual ou extracontratual. Entre as razões, ele lembrou que a taxa básica de juros definida pelo BC não é um espelho do mercado, mas sim o principal instrumento de política monetária utilizado pela instituição no combate à inflação.
Além disso, apontou que a Selic, ao trazer em sua composição juros remuneratórios, não cumpre a função precípua dos juros moratórios fixados nas demandas civis, os quais, em razão de sua natureza punitiva, funcionam como indutor de comportamento para que o devedor pague a dívida.
Impacto
Durante a fase de sustentações orais, advogados destacaram a importância do julgamento da Corte Especial, com potencial de afetar mais de 6 milhões de processos no Brasil. Os ministros ouviram manifestações de ambos os lados, incluindo entidades habilitadas no processo como amici curiae.
Após ouvir as manifestações dos advogados citando precedentes do STJ sobre o assunto, (especificamente as interpretações da Corte Especial sobre o artigo 406 do CC no julgamento dos EREsp 727.842), o relator explicou que o entendimento do tribunal no âmbito do direito público, pelo uso da Selic para a correção de dívidas tributárias, não se aplica necessariamente ao Direito Privado.
Para ele, a aplicação da taxa fazendária a dívidas civis não constitui "diretriz peremptória incontornável" do CC. "Proponho interpretação dos consectários legais da dívida civil pelo ângulo do direito privado", afirmou Salomão ao defender uma distinção (distinguishing) do caso analisado em relação ao precedente da Corte Especial.
O ministrou citou os valores do caso em julgamento – uma indenização inicial de R$ 20 mil – para evidenciar a diferença entre o parâmetro fixado na sentença e a eventual correção pela Selic. No primeiro caso, a indenização chega a valores atuais de R$ 53 mil, ao passo que, pela taxa básica de juros, o valor devido é de pouco mais de R$ 33 mil, o que representará uma diminuição de 37% caso o recurso seja provido.
O advogado Leonardo Amarante, especialista em responsabilidade civil do escritório Leonardo Amarante Advogados Associados e um dos responsáveis pela defesa da vítima no caso de São Paulo, defendeu em sua sustentação que a decisão poderá consolidar a postergação do pagamento de indenizações que, hoje, já demoram décadas para serem quitadas. "O ressurgimento da questão aconteceu quando a Selic estava a 2%, o que representava a existência de juros negativos (redução gradual do valor das indenizações, ou seja, quanto mais tempo se leva para dar fim a um processo, menos se pagará à vítima). Isso é o paraíso dos devedores que se viram na possibilidade de procrastinar os processos até a exaustão", destaca. A questão poderá gerar ainda um grave cenário de imprevisibilidade e insegurança jurídica no país.
O julgamento foi suspenso por pedido de vista do ministro Raul Araújo.
- Processo: REsp 1795982