O ministro Gilmar Mendes, do STF, concedeu prisão domiciliar a mãe acusada de tráfico de drogas ao ser encontrada com 1.224,62g de cocaína. A conversão tinha sido negada sob o argumento de que o crime ocorreu na presença das filhas, mas o ministro observou que a abordagem ao veículo no qual foi encontrada as drogas ocorreu em via pública, longe das filhas do casal.
Consta nos autos que um casal foi denunciado por tráfico de drogas ao serem flagrados levando consigo e tinham em depósito, para fins de tráfico, 1.337 porções de maconha, com peso líquido de 1.224,62g, e 2.675 porções de cocaína, com peso líquido de 858,81g.
Ao negar a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, o magistrado de origem fundamentou que as crianças estavam na residência onde estava sendo praticado crime grave de tráfico de drogas e a grande quantidade de substâncias entorpecentes.
No STJ, a defesa alegou que a mulher faria jus à prisão domiciliar, pois é primária, possui bons antecedentes, é mãe e principal responsável pelos cuidados de suas duas filhas, de cinco e dois anos.
Segundo a defesa, a irmã da paciente, a quem as crianças foram entregues, não teria condições de cuidar delas, por trabalhar diariamente, com apenas uma folga por semana.
O ministro Og Fernandes indeferiu o pedido, ressaltando a necessidade de se resguardar a ordem pública e de que as filhas estariam sob os cuidados da tia.
Contra a decisão, a defesa acionou o STF. Ao analisar o caso, o ministro Gilmar Mendes observou que sequer há imputação de comércio de drogas no contexto da residência, tendo a abordagem ao veículo ocorrido em via pública, longe das filhas do casal.
O ministro destacou ainda que a suposta concordância da paciente quanto ao ingresso na residência, não documentada, consoante orientação do STJ, mostra-se de duvidosa validade, a ser objeto de deliberação na origem.
Regra e exceção
Gilmar explicou em seu voto que deve-se distinguir a regra da exceção. Segundo o ministro, a regra é a de a mulher mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência "será" substituída por prisão domiciliar, e as exceções são: (a) conduta praticada com violência ou grave ameaça à pessoa (CPP, art. 318, I); ou, (b) não tenha a conduta sido cometida contra seu filho ou dependente (CPP, art. 318, II).
Entretanto, para o ministro, a ampliação das hipóteses de negativa da prisão domiciliar para além dos incisos do art. 318-A viola a Tipicidade Processual Penal, consistente na extrapolação dos limites restritivos aos direitos subjetivos da acusada, reconhecida pelo STF e pelo CPP.
"A disposição do art. 318-A, do CPP, encontra-se no espaço decisório do Poder Legislativo, sem que tenha sido declarada inconstitucional abstratamente pelo STF ou, incidentalmente, na decisão originária, até porque claramente constitucional. Por via de consequência, estando em vigor o disposto nos incisos do art. 318-A, do CPP, a negativa apresentada é inidônea."
Punição ao núcleo familiar
Gilmar ressaltou ainda que a paciente é primária, sem registros criminais, engolfada, em princípio, pela lógica inidônea de atribuição de responsabilidade penal ao núcleo familiar, um dos motivos, aliás, da ampliação abusiva do encarceramento feminino.
"A condução da mulher juntamente com o marido, nos casos de tráfico, em geral, amplia a punição por meio da imputação da associação para o tráfico (Lei 11.343/06, art. 35), além de se punir diretamente o núcleo familiar, especialmente os filhos. O encarceramento feminino é um fenômeno orientado à transcendência dos efeitos da pena, com a punição do núcleo familiar, especialmente no contexto dos excluídos da periferia, verdadeiros “acionistas do nada”, na feliz expressão de Orlando Zaccone."
Ao concluir, o ministro destacou que, ainda que o art. 318-A, do CPP, tenha expressamente indicado as exceções, repetem-se situações de desconformidade, como no caso concreto.
"Por fim, diante da decisão estruturante do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADPF 347, declarando o “estado de coisas inconstitucional” do sistema carcerário, a decretação de prisão cautelar impõe o ônus adicional de que as condições de cumprimento da prisão sejam minimamente adequadas."
Assim, deu provimento ao pedido para conceder monocraticamente a ordem, deferindo a prisão domiciliar à paciente, nos termos do art. 318-A, do CPP.
- Processo: HC 224.484
Veja a decisão.