Migalhas Quentes

STF: Para Rosa, orçamento secreto afronta o princípio da transparência

O julgamento será retomado na sessão plenária desta quinta-feira, 15, com o voto dos demais ministros da Corte.

14/12/2022

Nesta quarta-feira, 14, o STF voltou a julgar despesas com a "emenda do relator", que ficaram conhecidas como "orçamento secreto". Este foi o nome popularmente dado às emendas parlamentares repassadas aos Estados sem transparências ou critérios específicos.

Na sessão passada, ocorreram as sustentações orais. Nesta tarde, a ministra Rosa Weber, relatora, votou no sentido de declarar que as práticas orçamentárias do chamado “esquema do orçamento secreto” são incompatíveis com a ordem constitucional brasileira. 

Sobre o tema, a ministra propôs a seguinte tese:

“As emendas do relator geral do orçamento destinam-se exclusivamente à correção de erros e omissões nos termos do art. 166, parágrafo 3º, inciso III, alínea A da Constituição Federal, vedada sua utilização indevida para o fim de criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto de lei orçamentária anual.”

A sessão foi interrompida devido ao horário. O julgamento será retomado nesta quinta-feira, 15, com o voto dos ministros. 

STF volta a julgar a constitucionalidade do orçamento secreto.(Imagem: Nelson Jr./SCO/STF)

Entenda o que é o orçamento secreto

Pensando em todo imbróglio que envolve o caso, Migalhas publicou reportagem esmiuçando o chamado orçamento secreto, do qual as emendas de relator fazem parte. Leia a íntegra da reportagem para entender melhor. 

Em resumo, as emendas são mecanismos usados pelos parlamentares para alterar o orçamento do próximo ano. Por meio das emendas, os congressistas podem acrescentar, suprimir ou modificar itens tendo em vista compromissos assumidos junto aos seus eleitores.

Uma dessas emendas, criada em 2019, é a emenda do relator. Em teoria, a chamada RP 9 tem caráter puramente técnico, que permite ao relator-geral do parecer fazer ajustes finais e adequar o orçamento à legislação de regência.

E quem é o relator? É o parlamentar indicado pelo presidente da Casa Legislativa (Senado ou Câmara) responsável por dar o parecer final sobre o orçamento. No fim das contas, o abençoado é o "dono da chave do cofre".

Todavia, ao usar este tipo de emenda, o governo foi acusado de manobrar esse dinheiro sem a devida transparência, beneficiando alguns parlamentares em detrimento de outros.

O escândalo chegou ao STF. Três partidos ajuizaram ADPFs para contestar o orçamento secreto/paralelo: Cidadania (ADPF 850); Partido Socialista Brasileiro (ADPF 851) e o PSOL (ADPF 854). As agremiações sustentam que a falta de identificação dos autores e dos beneficiários dos recursos do chamado "orçamento secreto" ofende os princípios da transparência, da publicidade e da impessoalidade. 

Relatora 

Ao votar, a ministra Rosa Weber, relatora, destacou que nesta manhã, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, enviou ofício ao Supremo informando sobre a apresentação no Congresso de projeto de resolução que buscam dar transparência às emendas de relator. S. Exa., contudo, afirmou que a iniciativa do Congresso apenas confirma a impropriedade do referido sistema. 

Posteriormente, S. Exa. afirmou que como já observado em tempos passados “a figura do relator geral do orçamento emerge como pivô das articulações entre o executivo e o Congresso Nacional, e guardião dos segredos da caixa preta orçamentária”.

Explicou, ainda, que com as CMPIs do esquema PC e do orçamento, o Congresso Nacional editou normas destinadas a limitar os poderes do relator geral do orçamento, reduzindo suas atribuições. Todavia, em 2019, “a legislação orçamentária (LDO/19 E LOA/19) reestabeleceu a hegemonia do relator geral no processo orçamentário, ampliando substancialmente os valores destinados às emendas do relator classificadas sob o indicador orçamentário RP9”.

No exercício financeiro de 2020, Rosa destacou que mais de 36 bilhões de reais foram destinados as emendas parlamentares, dos quais 20 bilhões de reais foram consignados apenas para as emendas do relator. Assim, segundo ela “sozinho, o relator geral obteve mais recursos do que todos os demais congressistas, bancadas estaduais e comissões juntos. Além de uma quantia 157% superior a todas as emendas parlamentares do ano anterior somadas”.

“A controvérsia sobre o orçamento secreto não se restringe, entretanto, à exorbitância aos valores designados ao relator geral do orçamento em cotejo com os valores destinados às demais emendas. Mais alarmante do que a amplitude do orçamento Federal posto sob o domínio de um único parlamentar, somente as negociações em torno do destino a ser dado a esses recursos.”

A relatora asseverou, ainda, que informações prestadas pelo Congresso Nacional, comprovam que tais despesas não eram ordenadas apenas pelo relator geral do orçamento. Na realidade, as indicações de beneficiário e destinatário de tais recursos, na sua grande maioria, foram encaminhados diretamente por Senadores e Deputados ou líderes à secretaria de governo da presidência da República.

“Por isso, trata-se de “orçamento secreto”, não se sabe quem são os parlamentares integrantes do grupo privilegiado, não se conhecem as quantias administradas individualmente, não existem critérios objetivos e claros para a realização das despesas. Tampouco observam-se regras de transparência na sua execução.”

No mais, a presidente da Corte afirmou que há um caráter obscuro no sistema, uma vez que o relator geral se desonera da observância do dever de atender os mandamentos da isonomia e da impessoalidade ao atribuir a si próprio a autoria das emendas orçamentárias, ocultando, dessa forma, a identidade dos efetivos requerentes das despesas.

“Por isso, o modelo em prática de execução financeira e orçamentária das despesas decorrentes de emenda do relator viola o princípio republicano e transgride os postulados informadores do regime de transparência no uso dos recursos financeiros do estado.”

A relatora ressaltou, também, a importância da publicidade e transparência dos atos públicos. Segundo ela, “a publicidade permite aos cidadãos conhecer o conteúdo e os motivos subjacentes às escolhas praticadas pelos agentes públicos. (...) A transparência, por sua vez, é a qualidade que confere clareza, preconiza exatidão e inspira confiança no conteúdo das informações apresentadas”. 

“Entendo plenamente comprovado no caso que a instrumentalização do mecanismo ‘emendas do relator’ para a introdução no orçamento de novas programações e despesas de caráter primário se opõe frontalmente a qualquer tentativa de conformação do processo orçamentário às diretrizes constitucionais no planejamento, da transparência e da responsabilidade fiscal.”

Nesse sentido, a ministra votou no sentido de declarar que as práticas orçamentárias do chamado “esquema do orçamento secreto” são incompatíveis com a ordem constitucional brasileira. 

A decisão determinou, ainda, que no prazo de 90 dias, unidades orçamentárias e órgãos da administração pública que realizaram, nos exercícios financeiros de 2020 a 2022, despesas classificadas sob o indicador orçamentário RP9, façam a publicização dos dados referentes aos serviços, obras e compras realizadas com tais verbas públicas.

Leia a íntegra do voto da relatora. 

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