Os ministros do STF Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes proferiram decisões, em dois processos distintos, determinando a suspensão, até o julgamento de mérito, das medidas cautelares aplicadas a Paulo Dantas consistentes no afastamento do cargo de governador de Estado de Alagoas, proibição de acesso a determinados lugares e de manter contato com determinadas pessoas.
Ambos atenderam pedidos para suspender a determinação do STJ que, em meio à disputa eleitoral, havia confirmado o afastamento de Dantas até o fim de 2022.
Gilmar Mendes entendeu que o Código Eleitoral, interpretado conforme a Constituição, proíbe medidas cautelares contra candidatos a cargos majoritários (como governadores) desde 15 dias antes do primeiro turno até 48 horas depois do segundo turno.
Já Barroso considerou que há dúvida razoável sobre a competência para o afastamento pelo STJ, responsável por analisar casos sobre governadores, uma vez que as suspeitas se referem ao período em que Paulo Dantas era deputado estadual.
Como o afastamento foi determinado entre o primeiro e o segundo turno das eleições - e Dantas concorre à reeleição -, os ministros destacaram que o Judiciário deve evitar decisões que interfiram na disputa eleitoral.
Paulo Dantas é investigado por suspeitas de organização criminosa e lavagem de dinheiro em suposto esquema de desvios na Assembleia Legislativa de Alagoas. Conforme os autos, o esquema teria começado em 2019, quando ele era deputado estadual.
A PGE/AL já havia pedido no STF que o governador retornasse ao cargo, mas o pedido foi negado pela ministra Rosa Weber no último dia 19 por questões processuais.
Os ministros, agora, decidiram em três processos: a ADPF 1.017, apresentada pelo PSB e de relatoria do ministro Gilmar Mendes; e a RCL 56.518 e o HC 221.528, apresentados pela defesa do governador, de relatoria do ministro Barroso.
No HC, a defesa buscou a revogação das medidas cautelares. A reclamação trata da violação do foro privilegiado, já que Paulo Dantas, não sendo governador à época dos fatos, não teria direito ao foro, decisão que o STF reiteradamente festeja.
Decisões
O ministro Barroso analisou dois pedidos de Paulo Dantas. O HC questionava a necessidade do afastamento, uma vez que já tinha ocorrido bloqueio de contas, e também apontava que as limitações trariam “danos incalculáveis e irreparáveis” à candidatura à reeleição. A reclamação apontou contrariedade ao julgamento de 2018 em que o plenário do STF definiu que o foro por prerrogativa de função se aplica apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas.
Ao decidir, o ministro considerou que há indícios relevantes de práticas criminosas que devem ser devidamente investigadas, mas destacou que as medidas foram decretadas contra governador que disputa a reeleição e lidera as pesquisas de opinião, sem que lhe fosse facultada a possibilidade do contraditório. “O afastamento se deu entre o primeiro e o segundo turno das eleições por ele lideradas e sem contraditório. Vale dizer: o paciente/reclamante não foi ouvido em momento algum. (...) O Judiciário deve ter cautela e autocontenção em decisões que interfiram no processo eleitoral no calor da disputa.”
O ministro não fez juízo sobre eventual culpabilidade do governador e completou que o caso era urgente em razão da proximidade do pleito eleitoral, a ser realizado no próximo domingo, 30. Ele ressaltou que a decisão não impede o prosseguimento das investigações. A decisão será submetida a referendo no plenário virtual por 24 horas, no decorrer desta terça-feira, 25.
- Leia a íntegra da decisão de Barroso.
Ao analisar a ADPF protocolada pelo PSB, o decano da Corte, ministro Gilmar Mendes, observou que o Código Eleitoral traz imunidades eleitorais que devem ser observadas. Por exemplo, a de que eleitores não podem ser presos cinco dias antes de cada turno, e candidatos, 15 dias antes. Para Mendes, a legislação foi redigida quando ainda não haviam dois turnos, e a Constituição exige que todo o período eleitoral seja considerado.
“Nesses casos, a imposição de tão grave medida cautelar no período de 15 dias antes da realização das eleições tem o potencial de impactar ou desequilibrar de forma injustificada a livre manifestação das urnas, o que não deve ser admitido à luz dos princípios e parâmetros acima descritos de neutralidade, livre concorrência e paridade de armas eleitorais”, assinalou. “Penso que tais razões deixam patente a lacuna axiológica da legislação eleitoral de 1965 a esse respeito”.
O ministro destacou ainda que a imunidade eleitoral “busca tutelar um bem jurídico de fundamental importância, que é a própria concretização do processo democrático implementado de maneira livre de restrições indevidas”. O ministro afirmou, porém, que, em seu entendimento, a imunidade não veda a prisão em flagrante ou em virtude de ilícitos eleitorais, devidamente apurados pela Justiça Eleitoral.
- Leia a íntegra da decisão de Gilmar Mendes.
Histórico
No ano passado, a superintendência da Polícia Federal no Estado de Alagoas recebeu denúncia anônima a respeito de uma organização criminosa, especializada em crimes financeiros e de lavagem de capitais, que sacaria, periodicamente, em agências da Caixa Econômica Federal, valores em espécie de contas correntes abastecidas com recursos oriundos de corrupção.
Em procedimento preliminar, a autoridade policial realizou diligências prévias e identificou os agentes responsáveis pelo saques periódicos e constatou condutas peculiares a denotar a possível prática de ilícitos penais.
Neste ano, instaurado inquérito policial e realizadas diversas diligências investigatórias, foram efetuadas buscas e apreensões em inúmeros endereços, bem como afastados os sigilos bancários, fiscal e telemático dos investigados, além de inquiridos vários sujeitos.
Ao analisar o material apreendido, a polícia investigativa pôde constatar a existência de indícios de desvio de verbas públicas decorrentes do pagamento de remuneração a servidores fantasmas da Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas, posteriormente sacados em espécie e manipulados em favor de terceiros.
Levantado suposto envolvimento de Paulo Dantas, o juízo de primeiro grau declinou da competência para o STJ.
O caso no STJ
Em 5 de outubro, três dias após o primeiro turno das eleições e 25 dias antes do segundo turno das eleições, do qual o governador de Alagoas participa, a ministra Laurita Vaz, relatora, determinou o afastamento do candidato do cargo por 180 dias, além de outras medidas cautelares como sequestro de bens e ativos financeiros.
A decisão da ministra foi submetida a referendo da Corte Especial, em sessão extraordinária, no dia 13 de outubro. Na ocasião, Laurita Vaz fez um desabafo por ter sido acusada de parcialidade e de atuação política no caso.
Ela disse que em 21 anos de exercício como ministra "nunca, em absolutamente nenhuma manifestação ou decisão que subscrevi foi motivada por razões políticas".
A Corte Especial referendou a decisão da ministra, por 10 votos a 2.
O ministro João Otávio de Noronha, ao divergir da relatora quanto ao afastamento do governador, ressaltou que a imposição de medida dessa natureza exige do Poder Judiciário ainda maior cautela "quando se tem por alvo agente público candidato a reeleição, por potencial risco de afetar o resultado do pleito eleitoral em curso".
Judiciário na campanha
Com efeito, após a decisão da Corte Especial, o opositor de Paulo Dantas ao governo passou a usar as imagens da sessão em sua campanha.
As falas de Laurita Vaz sobre o caso constam em todos os vídeos da campanha eleitoral do segundo turno.
O escritório Zanin Martins Advogados atua no caso.