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Por questão processual, turma do STF nega aborto de gêmeos siameses

Ministros consideraram que o mérito do caso não foi apreciado pelo TJ/RS e pelo STJ, e que o conhecimento do HC caracterizaria dupla supressão de instância.

13/10/2022

Em julgamento virtual, os ministros da 2ª turma do STF negaram provimento ao agravo regimental em que uma mulher do RS buscava a interrupção da gravidez de gêmeos siameses. Colegiado considerou que o mérito do caso não foi apreciado pelo TJ/RS e pelo STJ, e que o conhecimento do HC caracterizaria dupla supressão de instância.

A gestante está no quinto mês de gravidez. Os bebês têm malformação e não têm chance de vida extrauterina. Ela alega risco de morte em caso da manutenção da gestação.

A Defensoria Pública do RS, que faz a defesa dela, argumenta que "embora a condição de gêmeos siameses não autorize, por si só, a interrupção da gravidez, a hipótese assemelha-se aos casos de aborto de fetos com anencefalia", que já foi permitido pelo STF na ADPF 54.

2ª turma do STF nega pedido de aborto de gêmeos siameses.(Imagem: Freepik)

O caso

Consta dos autos que o juízo de primeiro grau não deferiu o pedido de expedição de alvará para interrupção da gestação.

A gestante, então, impetrou HC no TJ/RS, o qual não foi conhecido em decisão monocrática. Posteriormente, o caso foi levado ao STJ e também negado monocraticamente pelo ministro Jorge Mussi, eis que “não houve o necessário exaurimento da instância antecedente”.

Ato contínuo, a mulher recorreu ao STF. O caso ficou sob a relatoria do ministro André Mendonça.

No final de setembro, o relator negou seguimento ao HC. Depois disso, com o novo recurso, o caso foi levado para análise da 2ª turma.

Voto do relator

Segundo André Mendonça, a parte recorrente não trouxe argumentos suficientes para modificar a decisão agravada, que deve ser mantida pelos seus próprios fundamentos.

“O presente habeas corpus volta-se contra decisão individual de Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Inexistindo pronunciamento colegiado do STJ, não compete ao Supremo Tribunal Federal examinar a questão de direito versada na impetração (CRFB, art. 102, inc. I, al. “i”). O caso, portanto, é de habeas corpus substitutivo de agravo regimental, cabível na origem.”

O relator reiterou a existência de relevantes óbices ao conhecimento do writ, seja: (i) pelo inexistente risco à liberdade de locomoção; (ii) pela sua natureza substitutiva de agravo regimental na origem; (iii) pela impossibilidade de atuação per saltum da Suprema Corte, implicando em dupla supressão de instância; e (iv) pelo incabível revolvimento de fatos e provas, diante do grau de complexidade apresentado para análise.

“Verificada a inadequação da via eleita, da análise das peças que instruíram a impetração e pela reiteração dos argumentos trazidos neste recurso, no entanto, em que pesem os contornos relevantes do presente caso, bem assim sua sensibilidade e peculiaridades, não vislumbro coação ilegal a autorizar a prestação jurisdicional pretendida.”

O ministro disse, ainda, que não cabe ao Poder Judiciário ser previamente consultado sobre a probabilística configuração de um crime.

“As instâncias antecedentes deixaram de apreciar o mérito do writ pela complexidade que envolve a interrupção terapêutica da gravidez fora das hipóteses legais, circunstância incompatível com os limites e o escopo da medida formalizada. Nesse contexto, em homenagem à segurança jurídica a ser promovida pela jurisdição constitucional, à luz da gravidade e relevância dos fundamentos trazidos pela agravante, não é possível concluir, em sede de habeas corpus, pela aderência do quadro em tela, em que atestada condição de ‘gêmeos siameses inviáveis’, àquele objeto da ADPF nº 54/DF, relativo à tutela de direitos fundamentais diante da condição clínica de feto anencéfalo como sinônimo de ‘natimorto cerebral’.”

O relator foi acompanhado por Nunes Marques, que pontuou:

“Esta Suprema Corte consolidou sua jurisprudência no sentido de não se conhecer de habeas corpus, quando impetrado contra decisão monocrática de Ministro de Tribunal Superior, em razão de caracterizar-se inadmissível supressão de instância. Assim, considerando que as alegações da paciente, ora agravante, sequer tiveram o mérito apreciado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul e pelo Superior Tribunal de Justiça, o conhecimento originário da matéria pelo Supremo Tribunal Federal caracterizaria, na espécie, dupla supressão de instância.”

Os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes acompanharam Mendonça com ressalvas, no sentido de determinar que o agravo interposto perante o STJ seja julgado na primeira sessão subsequente à comunicação do resultado deste julgamento.

Divergência

Ministro Edson Fachin foi o único a divergir. Na avaliação de S. Exa., não cabe ao STF criar um índex de todas as doenças, situações limítrofes e riscos à saúde de fetos e gestantes, “julgando ações abstratas sobre todas elas, pois, antes e acima de tudo, a Corte estabeleceu definição constitucional atinente à laicidade, dignidade humana, autodeterminação e saúde das mulheres no país”.

“Com esteio nesses fundamentos e nas circunstâncias fáticas especiais aqui delineadas, ao analisar a ratio decidendi da ADPF nº. 54, considero que esta alberga a pretensão da parte impetrante e que tutela, in casu, a interrupção terapêutica da gestação, necessária para que seja resguardada a vida e a dignidade da paciente.”

Fachin anotou em seu voto:

“Registro, por derradeiro, que a paciente procurou o sistema de justiça não apenas pela inviabilidade da vida extrauterina do feto que carrega, mas, sobretudo para que, em exercício de defesa da sua própria vida, ora sob grave risco, não venha sofrer criminalização, persecução penal e dificuldades para obter assistência médica. A preponderância de questões e barreiras processuais, neste cenário, possui carga simbólica, capaz de gerar uma segunda vitimização de quem, pelas próprias circunstâncias, acha-se em profunda vulnerabilidade e sofrimento.”

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