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Análise: Criança impedida de abortar teve direitos violados

Para a jurista Ela Wiecko, e a advogada Ana Claudia Cifali, do Instituto Alana, houve violação à CF, ao ECA, ao CP e à lei de escuta protegida.

22/6/2022

A criança de 11 anos que, após ter sido vítima de estupro, teria tido o direito ao aborto legal inviabilizado por parte de profissionais da área médica, MP e Judiciário de SC, sofreu revitimização. Assim acredita Ana Claudia Cifali, coordenadora jurídica do Instituto Alana, organização de proteção à criança. 

No mesmo sentido aponta a jurista Ela Wiecko. Para ela, o vídeo da audiência entre juíza e criança mostra total desconsideração do estupro sofrido pela menina de 10 anos. “Foi privilegiada uma vida em formação em detrimento de uma vida formada.

Advogada Ana Claudia Cifali e jurista Ela Wiecko analisam caso de menina impedida de realizar aborto.(Imagem: Arte Migalhas)

Para Ana Claudia Cifali, o caso é de flagrante afronta à Constituição, ao ECA, ao CP e à lei da escuta protegida.

Assista:

A  advogada Ana Claudia Cifali destaca que o art. 217-A do CP diz que toda menina grávida menor de 14 anos foi vítima de estupro de vulnerável. Já o art. 128 diz que não se pune o aborto no caso de gravidez resultante de estupro.

A CF coloca as crianças como detentoras de absoluta prioridade na garantia dos seus direitos, e o ECA garante à criança prioridade absoluta em receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias.

Já a lei da escuta especializada (13.431/17) garante o direito da criança vítima de violência de não ser revitimizada durante a tramitação da ação judicial, para que a violência que ela sofreu não se some a uma nova, desta vez institucional.

A especialista ainda pontua que, pela lei de abuso de autoridade (14.321/22), é crime submeter a vítima de infração penal a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a levem a reviver a situação de violência. 

Mesmo com todas essas garantias legais, casos como esse não são isolados. 

Para Cifali, é fundamental que, no caso concreto, os agentes sejam investigados e responsabilizados, e que, de modo geral, seja reforçada a plena implementação da lei da escuta especializada, para que casos como esse não tenham lugar. 

"A gente ainda tem muito o que avançar para que todas essas leis saiam do papel e se tornem realidade para todas as crianças e adolescentes vítimas de violência."

Desconsideração da violência

A professora Ela Wiecko destaca que o sistema de Justiça não deu importância à violência sofrida pela criança, com total desconsideração ao estupro.

"A violência sexual por ela sofrida e as violências posteriores a esse fato não tinham a menor importância para a juíza e para a promotora. O que importava era o feto e a possibilidade de postergar a interrupção da gravidez, de modo a permitir a sobrevivência para poder ser adotado." 

A jurista destaca que, no caso “foi privilegiada uma vida em formação em detrimento de uma vida formada". 

"Os riscos à vida da menina, seu sofrimento físico e mental, nada contam. Basta lhe acenar com um presente de aniversário! Ou com a felicidade da família que adotará o bebê! Num tom de voz doce, por isso mais cruel, a juíza descreve a cena de um bebê agonizando se a interrupção da gravidez se realizar antes de formado o pulmão!"

A jurista também destaca que o depoimento da menina deveria ter sido feito de conformidade com as regras da lei 13.431/17, para não provocar danos e revitimização – regras estas que são de conhecimento obrigatório para quem atua no sistema de Justiça, e mais ainda para quem atua numa vara de Infância e Juventude, onde se busca efetivar o princípio do melhor interesse da criança inscrito na CF e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. 

Ela Wiecko destaca que a “proteção” dada à menina pelo sistema de Justiça foi colocá-la em um abrigo sem acompanhamento da mãe, sob fundamento de evitar reiteração da violência sexual. “Na prática, uma punição para a vítima. Ao suspeito, nenhuma medida foi imposta.”

"Quanto mais penso nesse caso, e não paro de pensar, só percebo injustiça por parte de quem deveria prover a justiça ou fiscalizar a aplicação da lei, uma incapacidade total do Judiciário e do Ministério Público de dar respostas efetivas às violações de direitos."

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