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“Um animal”: STJ anula julgamento em que magistrado xingou acusado

Em voto divergente, desembargador disse que não absolveria “um animal desse”, se referindo a acusado de estupro de vulnerável.

3/5/2022

A 6ª turma do STJ anulou um julgamento em que o desembargador, ao proferir voto divergente em sessão, chamou o réu de “um animal”. Para o colegiado, o envolvimento emocional do juiz com as partes do processo e com o fato apurado pode interferir na sua imparcialidade.

No caso, o revisor, e relator para o acordão, diante de voto pela absolvição por insuficiência de provas, afirmou:

"[...] Declarações da vítima, da criança, eu fiquei horrorizado, eu não vi nada em que a vítima pudesse inventar! Uma criança, que foi num período entre seis anos a onze anos, que ela sofreu esses abusos, que ela inventasse qualquer coisa pra denegrir a imagem de um suposto pai, porque nem pai podia ser... Uma pessoa dessas é um animal! Um animal! Um cara desse [...] E eu fico lembrando da minha neta, Desembargador Eugênio! Fico lembrando da minha neta! Uma criança de tenra idade, na mão de um porco desse! Não me conformo! Não me conformo! Uma criança desse tipo [...] Então, pra abreviar, em razão do tempo, até eu estou divergindo – me perdoe, desembargador Gamaliel – mas eu ‘tô’ divergindo, mas eu não tenho como sair daqui... Absolver um animal desse! Esse cara foi um animal! Pra mim, um animal!"

É nulo julgamento em que desembargador xingou réu.(Imagem: Freepik)

O paciente foi condenado pela prática do crime previsto no art. 217-A, caput, do Código Penal, a 15 anos e 9 meses de reclusão, em regime inicial fechado, pena confirmada pelo Tribunal, por maioria de votos, em apelação da defesa, o que deu ensejo aos embargos infringentes que restaram improvidos.

Ao STJ, a defesa alegou constrangimento ilegal no julgamento do recurso de apelação, aduzindo que o voto do revisor e relator para o acórdão, desembargador Paulo Roberto Vasconcelos destituiu o paciente da condição de ser humano e rebaixou-o à condição de animal, retirando-lhe a titularidade dos direitos e garantias inerentes ao devido processo.

O relator, desembargador convocado Olindo Menezes, ressaltou que “este é talvez mais um daqueles casos que demonstram a inexistência de uma barreira eficiente que possa separar o juiz, agente do Estado, investido do poder de julgar, e o juiz como pessoa, inserido no meio social, e que permitem refletir se a neutralidade absoluta constitui elemento de imparcialidade do julgador”.

O relator destacou que, mesmo que nenhum juiz seja axiologicamente neutro, não se pode negar que o envolvimento emocional (subjetivo) do juiz com as partes do processo e com o fato apurado pode interferir na sua imparcialidade, atributo que faz parte do devido processo legal, de base constitucional.

“Não pode haver o devido processo legal sem a imparcialidade do julgador, cuja falta, se objetivamente positivada, implica nulidade por suspeição.”

Olindo observou que não consta no voto escrito condutor do acórdão do Tribunal de origem nenhuma ofensa ao réu, e em nenhum momento o desembargador revisor utilizou termos pejorativos para denegrir a sua honra.

No entanto, constatou que as supostas ofensas teriam ocorrido durante a sessão de julgamento, durante manifestação oral do desembargador revisor, que proferiu o voto divergente, já que o relator optara pela absolvição por insuficiência de provas.

“As desrespeitosas expressões que lhe foram dirigidas oralmente na sessão de julgamento da apelação exorbitam claramente de uma mera questão de falta de urbanidade, parar configurar visível falta de imparcialidade e, portanto, caso de nulidade por suspeição.”

Assim, concedeu o habeas corpus para declarar nulo o julgamento, devendo ser realizado novo, sem a participação do desembargador em questão. A decisão foi unânime.

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