Legitimidade de médicos em hospitais públicos e a responsabilidade do município
A responsabilidade civil dos profissionais de saúde que atuam em hospitais públicos ou universitários apresenta nuances relevantes que diferem do cenário observado em instituições privadas.
segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
Atualizado às 10:05
A responsabilidade civil dos profissionais de saúde que atuam em hospitais públicos ou universitários apresenta nuances relevantes que diferem do cenário observado em instituições privadas. A análise da legitimidade passiva desses médicos, bem como do ente público responsável, tem gerado debates importantes na doutrina e jurisprudência, especialmente à luz do posicionamento firmado pelo STF no Tema 940. Este artigo aborda, com base no caso prático apresentado, as hipóteses em que médicos e municípios podem ser responsabilizados em ações judiciais decorrentes de suposto erro médico.
1. Contexto Jurídico: O Caso do Hospital Universitário de Maringá
No caso prático analisado, discutiu-se a responsabilidade civil em um cenário que envolve o HUM - Hospital Universitário Regional de Maringá, médicos pediatras, e o município de Paiçandu, diante do falecimento de uma criança. A controvérsia envolve a alegação de negligência médica devido à falta de exames adequados para diagnóstico de um "sopro no coração". As preliminares levantadas no processo destacam quatro pontos principais:
- Ilegitimidade do hospital universitário como réu;
- Ilegitimidade do município de Paiçandu;
- Ilegitimidade passiva dos médicos;
- Inaplicabilidade do CDC - Código de Defesa do Consumidor.
Esses aspectos foram abordados sob o prisma do art. 37, § 6º, da CF/88, e da teoria da dupla garantia estabelecida no Tema 940 do STF.
2. Análise Jurídica
2.1 Legitimidade Passiva do Hospital Universitário
Os hospitais universitários, como o HUM, são órgãos despersonalizados, vinculados a universidades públicas e sem personalidade jurídica própria. Por essa razão, não podem figurar no polo passivo de ações judiciais. A responsabilidade recai sobre a entidade mantenedora, que, no caso, é a UEM - Universidade Estadual de Maringá. Este entendimento é consolidado na doutrina e jurisprudência, sendo o ato "encampado" pela UEM no processo mencionado.
2.2 Legitimidade Passiva do Município
A possibilidade de responsabilização do município de Paiçandu decorre da ligação inicial do paciente com o sistema de saúde local, ainda que os fatos determinantes do dano tenham ocorrido em outro hospital. A análise da legitimidade, no entanto, é feita sob um aspecto meramente processual, sendo a responsabilidade material apurada no mérito. A teoria da solidariedade entre entes públicos no âmbito do SUS pode justificar a permanência do município no polo passivo.
2.3 Legitimidade Passiva dos Médicos
Conforme o Tema 940 do STF, os agentes públicos, ao praticarem atos em nome da administração pública, não respondem diretamente perante terceiros. A responsabilidade recai sobre o ente público, que possui o direito de regresso contra o servidor nos casos de dolo ou culpa comprovados. Assim, os médicos pediatras envolvidos seriam partes ilegítimas para a ação direta de indenização.
2.4 Inaplicabilidade do CDC
A jurisprudência do STJ afasta a aplicação do CDC nos casos de serviços públicos de saúde, considerando que não há relação de consumo. Esses serviços são prestados mediante recursos tributários, não configurando contrato típico de consumo entre o paciente e o Estado. No caso em análise, prevalece o entendimento de que a inversão do ônus da prova não se aplica automaticamente com base no CDC, mas pode ser determinada pelo juiz com fundamento na teoria do ônus dinâmico da prova.
3. Responsabilidade do Município e do Estado
A responsabilidade objetiva do ente público, prevista no art. 37, § 6º, da Constituição, é aplicável quando o dano decorre de atos praticados por seus agentes no exercício da função. No entanto, há necessidade de comprovação do nexo causal entre a atuação ou omissão estatal e o dano sofrido. O ente público, ao ser condenado, poderá exercer o direito de regresso contra o servidor responsável, desde que evidenciada a culpa ou dolo.
4. Conclusão e Reflexões Finais
No caso prático analisado, a legitimidade passiva dos médicos é afastada, em respeito à teoria da dupla garantia. Já o município e a universidade possuem pertinência subjetiva para figurar no polo passivo, cabendo à análise de mérito determinar a responsabilidade final. O afastamento da aplicação do CDC reforça o caráter diferenciado das relações jurídico-administrativas envolvendo serviços de saúde pública.