Em março, uma criança morreu após sofrer queimaduras por todo o corpo dentro de casa, em Frutal/MG. A situação, narrada pela família inicialmente como acidente doméstico, levou a polícia a investigar o caso, quando veio à tona a versão de que os fatos ocorreram em um ritual religioso, realizado para tentar curar uma tosse persistente.
A polícia deflagrou a operação "Invocando a verdade" e, no último dia 20, foram presos temporariamente a mãe, a tia, o avô e a avó da criança, além do líder religioso envolvido. Migalhas conversou com o advogado da família, José Rodrigo de Almeida, que nos deu a versão dos fatos apresentada pela família.
"A família não tinha intenção. Houve um deslize? Houve. Mas foi muito rápido. A gente não está querendo que não sejam punidos. A gente não está eximindo ninguém de culpa. A gente quer que as pessoas respondam no limite das responsabilidades de cada um."
O que diz o advogado
Problemas de saúde fizeram a família de Maria Fernanda Camargo, 5 anos, buscar ajuda espiritual. Segundo o advogado José Rodrigo de Almeida, a criança estava cansada da busca por tratamentos para um problema de imunidade que causava gripe e tosse persistentes.
Os pais são trabalhadores e chegaram a levar a criança para cidades próximas em busca de tratamento. A avó, que, segundo o advogado, é benzedeira e adepta da Umbanda, teria, então, sugerido a busca pela cura espiritual, com um suposto líder religioso, que teria ajudado membros da família que tiveram covid-19 no ano passado.
José Rodrigo narra que, no dia 24 de março, o grupo se reuniu em um quarto da casa da avó, onde foi feito o ritual. Após a "bênção" combinada, mãe e tia deixaram o aposento e, quando retornaram, o médium havia incorporado outra entidade, e utilizou álcool com ervas para uma cerimônia de cura.
Segundo narra o advogado, o homem derramou o líquido na cabeça da criança, momento em que a mãe pediu que não usasse álcool para não sufocá-la. Mesmo diante do pedido da mãe, o médium derramou álcool nos ombros da criança e, em questão de segundos, ela foi incendiada.
Segundo o advogado, havia velas no quarto, e uma vela apagada na mão da menina, e não se sabe ao certo como o fogo começou. A mãe, então, teria abraçado a criança para tentar apagar o fogo, e também sofreu queimaduras nas pernas, no peito, nas mãos e braços.
A menina foi socorrida, mas faleceu no dia seguinte.
Inquérito policial
Em 30 de março, a família buscou o advogado José Rodrigo para que os acompanhasse em oitiva. A primeira versão apresentada pela família seria a de que a menina sofreu acidente envolvendo uma churrasqueira.
O pai da criança, por sua vez, já teria buscado a polícia para dizer que não acreditava naquela versão. Ele, que trabalha em um supermercado, voltava para casa ao final do expediente quando recebeu ligação informando que a filha foi hospitalizada em razão das queimaduras. Na ligação, sem mais explicações, a avó culpou o líder religioso.
Segundo explica o advogado da família, o líder religioso também teria buscado a delegacia, contando que, de fato, aconteceu o ritual.
A família é católica e teria ficado com medo de contar a verdade por diversos motivos, entre eles o preconceito religioso: a avó trabalha há 20 anos em asilo de freiras com um padre; já a tia é professora de catecismo. Disseram, ainda, que tiveram medo de ser presos e perder o emprego. Por isso, mentiram na primeira versão. Após ser instruída pelo advogado, a mãe teria prestado novo depoimento contando sobre o ritual.
Os envolvidos, a mãe, a tia, a avó e o avô da criança, bem como o médium, foram presos na última quarta-feira, 20. Trata-se de uma prisão temporária de 30 dias.
A polícia pretende fazer a reconstituição dos fatos. Segundo explicou o advogado, o delegado estaria capitulando o crime como hediondo com dolo eventual.