Migalhas Quentes

Influenciadora dá sua versão sobre processo envolvendo calça de couro

Por meio de ações judiciais, influenciadoras travam uma guerra.

20/4/2022

Uma polêmica envolvendo uma calça de couro da marca By NV, da empresária e influenciadora digital Nati Vozza, foi parar na Justiça. De um lado, a influenciadora Jessica Belcost critica a qualidade da calça e afirma que a peça não seria 100% couro. De outro, a marca defende que uma perícia constatou que a composição da peça é, sim, 100% couro na parte externa, e que não há equívoco na etiqueta.

Em fins de 2021, num processo movido por Nati Vozza contra Jessica Belcost, esta foi condenada a indenizar aquela em R$ 5 mil. 

No início deste ano, no processo movido por Jessica Belcost contra Nati Vozza, a Justiça entendeu que Vozza não terá de pagar danos morais a Belcost. 

Depois da reportagem do Migalhas acerca da última decisão judicial, a influencer Jessica Belcost fez vários stories sobre o caso, e enviou, por meio de sua advogada, o texto abaixo.

Um dos stories feitos pela influenciadora.(Imagem: Reprodução/Instagram)

Veja a íntegra:

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“O Corrêa Vieira & Arrosi Advocacia, escritório que presta assessoria jurídica à Jessica Belcost nestes casos, explica os processos existentes entre as partes, ao todo 04 (quatro) procedimentos judiciais distintos. Tudo começou em 2020, quando Jessica Belcost fez uma publicação em seu Instagram, em um quadro no qual falava sobre suas roupas e a qualidade delas, onde fez um “teste do fogo” a fim de avaliar a idoneidade do couro de uma calça da marca NV.

A empresa titular da marca NV se ofendeu com a publicação e resolveu processá-la. Primeiro interpôs uma cautelar de produção antecipada de provas, processo nº 1072734-25.2020.8.26.0100, requerendo perícia judicial no produto de propriedade da consumidora. Este procedimento está classificado na lei como de “jurisdição voluntária”, portanto, em tese, não existe litígio.

Foi realizada a perícia judicial pelo perito José Antônio B. Filho e restou constatado o produto ter 53,9% da composição total de material de couro e 46,1% de matéria têxtil1. Além disso, por possuir couro em sua composição, a etiqueta da peça de vestuário deveria seguir a norma ABNT NBR 15106:2014, a qual “estabelece os símbolos de cuidado para limpeza e manutenção de vestuários e para montagem de etiquetas”, mas a peça não tinha esta etiqueta com esta norma.

No processo cautelar, apesar de, desde o princípio, ter sido argumentado o quão absurdo é uma empresa pleitear perícia judicial em uma peça de vestuário de propriedade de um consumidor, considerando na cadeia de produção os fornecedores terem conhecimento técnico e acesso aos seus produtos e segredos industriais, o feito foi extinto em razão da homologação da produção da prova, tendo sido decidido pela juíza Monica Di Stasi que, “em razão da inexistência de lide. Cada parte arcará com as custas que já tenha despendido2”.

Jessica Belcost optou por não recorrer e o processo transitou em julgado. Então a empresa titular da marca NV processou novamente a consumidora, desta vez com pedido declaratório inexistência de débito e indenização por danos morais, no valor de causa de mais de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), processo nº 1054635-70.2021.8.26.0100. Este processo foi julgado parcialmente procedente, tendo a NV decaído na maioria dos pedidos. Foi extinto o pleito declaratório porque nunca existiu qualquer débito entre as partes, e, quanto aos danos morais, o juiz Fernando Henrique de Oliveira Biolcati entendeu que:

(..) a ré (Jessica Belcost) mostrou a etiqueta do produto em que é informada a composição da calça, como acima já delineada, e em sua postagem mais recente limita-se a dizer que o produto não é fabricado 100% em couro e que a sua etiqueta não cumpre as normas técnicas, exatamente como aferido pelo perito. Em linhas gerais, então, não se verifica conduta ilícita da ré (Jessica Belcost, a afastar os pedidos de retratação e de direito de resposta, na forma de reparação "in natura" dos danos, porque os fatos não necessitam ser esclarecidos como pretende a autora (NV)3.

 A referida causa só não foi julgada totalmente improcedente por causa de um stories feito depois do ajuizamento da ação, onde o juiz interpretou ter existido abuso no exercício do direito de liberdade de expressão por parte da consumidora, pelo uso da palavra “falsa” ao se referir ao produto. Apesar disso, a NV foi condenada ao pagamento da íntegra dos ônus de sucumbência e “das custas e despesas processuais arcadas pela ré, inclusive na produção antecipada de provas4”. Ambas as partes recorreram.

Jessica Belcost, por sua vez, ajuizou dois processos nos juizados especiais cíveis de São Paulo contra a empresa titular da marca NV, um deles com pedido de danos materiais no valor da calça, por ter sido objeto da perícia judicial, dentre outros pedidos. Este processo ainda está em tramitação, aguardando audiência de instrução. O processo nº 1009867-20.2021.8.26.0016 tem como pedido indenização a título de danos morais pela frustração como consumidora, causada pela informação imprecisa referente ao bem de consumo; pelo abuso do direito de ação pelo fato de a empresa fornecedora do produto ter processado uma consumidora por causa da postagem na internet e pela repercussão negativa causada pela existência dos litígios da NV contra a influenciadora digital.

Este processo foi julgado no mesmo dia da audiência de instrução e a juíza Marcela Dias De Abreu Pinto Coelho entendeu não ter existido abuso no direito de ação porque não restou comprovado os processos ajuizados pela NV terem sido no intuito de censurar e/ou intimidar a consumidora.

A juíza também entendeu a NV não ter causado danos à reputação da influenciadora digital, e que a empresa não fez propaganda enganosa do produto, cuja falta de respeito ao padrão da etiqueta não causou danos morais à consumidora. Não houve condenação ao pagamento de custas nem honorários. Essa decisão é passível de recurso5.

Entendemos que a decisão é arbitrária, porque a juíza desconsiderou a assimetria entre as partes, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e não inverteu o ônus da prova, sendo, ao contrário do entendimento da Magistrada de primeiro grau, presumíveis os danos morais sofridos pela consumidora por ter sido processada por causa de uma publicação feita por si no seu exercício regular de direito de liberdade de expressão.”

Letícia Soster Arrosi

OAB/RS 82.727 | OAB/SC 52.988

[1] BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo, processo nº 1072734-25.2020.8.26.0100 da 3ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, p. 247.

[2] Ibid., p. 322.

[3] BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo, processo nº 1054635-70.2021.8.26.0100 da 22ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo, p. 655-656.

[4] Ibid., p.659.

[5] BRASIL, Tribunal de Justiça de São Paulo, processo nº 1009867-20.2021.8.26.0016 da 2ª vara do Juizado Especial Cível de Vergueiro, comarca de São Paulo, p. 756-760.

(Imagem: Arte Migalhas | Reprodução Instagram)

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