Estão em julgamento no plenário virtual do Supremo duas ações que atacam dispositivo da lei anticrime que determina a revisão da necessidade de manutenção de prisões preventivas a cada 90 dias, sob pena de torná-las ilegais.
Até o momento, votaram Edson Fachin (relator), Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes. Os ministros têm posições divergentes: embora concordem que a ausência de revisão da preventiva em 90 dias não gera a revogação automática da prisão, os ministros discordam quanto ao juízo responsável para a avaliação.
Fachin entende que a revisão se restringe ao órgão que tiver decretado a prisão preventiva na fase de investigação e de processamento da ação penal. Já Gilmar Mendes conclui que essa revisão pode ser feita pelo juiz ou o relator no Tribunal. Alexandre de Moraes também divergiu parcialmente do relator, abrangendo a questão dos condenados com prerrogativa de foro.
Revisão da preventiva
Os ministros analisam duas ações apregoadas em conjunto: uma delas foi proposta pela AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros; a outra foi ajuizada pelo PTB. Os autores questionam dispositivo da lei anticrime que determina a revisão da necessidade de manutenção de prisões preventivas a cada 90 dias, sob pena de torná-las ilegais. O dispositivo questionado assim dispõe:
“Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”
De acordo com os autores, a norma em questão gera lesões irreparáveis ao direito fundamental à segurança e à paz social. Isto se daria porque a possibilidade de que prisões preventivas se tornem ilegais, uma vez inobservado o prazo legal de noventa dias, seria incompatível com a capacidade institucional da magistratura.
Interpretação conforme
Para o relator do caso, ministro Edson Fachin, a solução da controvérsia está na interpretação conforme a Constituição do dispositivo impugnado. O ministro propôs, então, as seguintes teses:
- a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do CPP, com a redação dada pela lei 13.964/19, após o prazo legal de 90 dias, não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos;
- o comando do parágrafo único do art. 316 do CPP se restringe ao órgão que tiver decretado a prisão preventiva na fase de investigação e de processamento da ação penal, e limita-se ao exaurimento da competência jurisdicional.
Inicialmente, Fachin não concordou com o argumento de um dos autores acerca do déficit de capacidade institucional do Poder Judiciário para implementar o sistema de revisão nonagesimal.
Falando sobre a regra dos 90 dias, o ministro explicou que a norma nonagesimal deve ser interpretada de forma sistemática, “compatibilizando seu nobre propósito com o conjunto de normas que regulam o devido processo legal”.
Por último, para formalizar a conclusão de seu pensamento, Edson Fachin anotou que não é possível exigir do juiz que decretou a prisão, ainda no 1º grau, que revise a medida nos autos remetidos às esferas recursais. “A rigor, uma vez encerrada sua prestação jurisdicional, o magistrado já não se encontra habilitado a decidir”, afirmou.
Divergência
Gilmar Mendes concordou com o relator no que se refere ao primeiro ponto da tese (de que a prisão preventiva não deve ser revogada de forma automática). O ministro, todavia, divergiu quanto ao alcance do órgão julgador. Para Gilmar Mendes, a tese que deve prevalecer é a seguinte:
- a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada pela Lei 13.964/2019, após o prazo legal de 90 (noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos;
- o comando do parágrafo único do art. 316 do CPP se aplica até o início da execução da pena com o trânsito em julgado da condenação, sendo por ele responsável o juiz ou o relator no Tribunal em que tramita o feito ou recurso no momento da reavaliação da medida cautelar, ainda que imposta por outro magistrado.
Gilmar Mendes explicou que a reavaliação deverá ser responsabilidade do órgão em que tramita o processo em sua fase atual, ainda que se trate de Tribunal de 2º grau ou Superior (quando a revisão deverá ser realizada pela/o relator/a). “Ressalto que o fato de que o decreto prisional foi emitido por outro juízo não impede que o controle revisional seja realizado no Tribunal, ao passo que o próprio feito estará sob sua cognição”, afirmou.
Voto de Moraes
Ministro Alexandre de Moraes também acompanhou parcialmente o relator, mas apresentou nova tese, na qual dispõe sobre condenados com prerrogativa de foro:
- a inobservância da reavaliação prevista no parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal (CPP), com a redação dada pela lei 13.964/19, após o prazo legal de 90 (noventa) dias, não implica a revogação automática da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos.
- o art. 316, parágrafo único, do CPP aplica-se até o final dos processos de conhecimento, onde há o encerramento da cognição plena pelo Tribunal de 2º grau, não se aplicando às prisões cautelares decorrentes de sentença condenatória de 2ª instância ainda não transitada em julgado .
- o artigo 316, parágrafo único, do CPP aplica-se, igualmente, nos processos onde houver previsão de prerrogativa de foro.
Leia o voto do ministro Alexandre de Moraes, que foi acompanhado pelas ministras Rosa Weber, Cármen Lúcia e pelo ministro Dias Toffoli.
O julgamento será finalizado em 8/3, caso não haja pedido de vista ou destaque.